Agronegócios
27/09/2021 08:22

Soja: MT seguirá prazo estendido de plantio; CropLife avalia contestar portaria do governo na Justiça


Por Clarice Couto

São Paulo, 27/09/2021 - O principal Estado produtor de soja no País, Mato Grosso, confirmou que vai adotar o novo calendário de plantio da oleaginosa, definido na Portaria 389, do Ministério da Agricultura, de 1º de setembro. A normativa ampliou de 110 para 140 dias a possibilidade de manter plantas vivas de soja no campo - o que aumenta o risco de disseminação da ferrugem asiática, a principal doença da soja, conforme alertaram várias entidades do agronegócio, além de Embrapa e órgãos estaduais de defesa vegetal.

Justamente por causa de protestos de parte do setor, o ministério editou em seguida a Portaria 394, em 10 de setembro, que manteve o prazo estendido da semeadura, até fevereiro, para a maioria dos Estados, mas concedeu aos governos locais a prerrogativa de acatá-lo ou não, mediante solicitação justificada.

Nesta última portaria, Mato Grosso do Sul e Bahia conseguiram restabelecer a data limite do plantio para 31 de dezembro, a fim de reduzir os riscos da disseminação do fungo Phakopsora pachyrhizi, causador da ferrugem. Mato Grosso, porém, vai permitir a existência de lavouras de soja em seu território entre 16 de setembro de um ano e 3 de fevereiro de outro, informou o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea-MT), conforme definiu e permitiu o Ministério da Agricultura, nas portarias acima.

"O Indea-MT, dentro dos limites de competência outorgados (...) manifesta-se no sentido de cumprir o que está preconizado na legislação vigente", informou o órgão. O Estado é, de longe, o maior produtor nacional de soja. Na safra 2020/21, colheu 35,885 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A safra do Rio Grande do Sul, segundo no ranking, alcançou 20,787 milhões de toneladas.

O Indea pontuou à reportagem, no entanto, que no dia 21 de julho havia sugerido ao ministério a manutenção do mesmo calendário praticado no Estado desde 2015, de 16 de setembro a 31 de dezembro. A proposta se deu para atender à Portaria 306, de maio deste ano, que determinava que o calendário de semeadura no País seria estabelecido pela Secretaria de Defesa Agropecuária do ministério, com base em sugestões dos órgãos estaduais de Defesa Vegetal. Diante da alteração recente das datas, o Indea afirmou que fiscalizará "o cumprimento das medidas fitossanitárias para prevenção e controle da ferrugem asiática da soja em Mato Grosso".

Posicionamento diferente está sendo adotado pelo governo de Goiás, quarto maior produtor nacional de soja na safra 2020/21 - atrás de Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná -, com 13,7 milhões de toneladas. Para o Estado, o Ministério da Agricultura também ampliou o prazo de plantio para 12 de fevereiro, contrariando solicitação anterior da Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa) para que o período fosse de 25 de setembro a 31 de dezembro.

"Solicitamos que a data para o calendário de semeadura para a cultura da soja em Goiás, relativo à safra 2021/22, seja de 25 de setembro de 2021 a 31 de dezembro de 2021. Aguardamos resposta do Ministério da Agricultura", disse em nota ao Broadcast Agro a gerente de Sanidade Vegetal da Agrodefesa, Daniela Rézio e Silva.

Daniela argumentou que o novo prazo fixado para Goiás "contraria totalmente a orientação da pesquisa científica, podendo acarretar sérios prejuízos à produção de soja em Goiás, devido ao favorecimento do desenvolvimento da ferrugem asiática". Ela cita nota técnica da Embrapa que, já em 2019, alertava para a perspectiva de perda de eficácia de fungicidas no controle da ferrugem asiática.

Conforme a estatal de pesquisa, a soja semeada logo após o vazio sanitário (período de 90 dias, aproximadamente, depois da colheita) se beneficia da redução de inóculo (partes) do fungo, escapando da ferrugem asiática ou tendo a doença já no fim do ciclo. "Em muitas regiões tem sido realizada a semeadura de soja-milho ou soja-algodão e nessas situações a incidência de ferrugem asiática na soja é baixa. Mas quando a soja é a cultura subsequente nessa sucessão, a incidência da ferrugem pode ocorrer nos estágios iniciais da cultura, por causa da grande quantidade de esporos de P. pachyrhizi multiplicados na safra", diz a Embrapa na nota citada pela Agrodefesa.

"Mesmo que a condição climática nas lavouras tardias não seja favorável ao desenvolvimento epidêmico da ferrugem asiática (...), os esporos (do fungo) são provenientes de lavouras que já receberam aplicações de fungicidas, o que intensifica o processo de seleção (resistência ao agroquímico), pois recebem aplicação dos mesmos fungicidas", continua a entidade.

No Paraná, terceiro maior produtor de soja do País, com 19,88 milhões de toneladas em 2020, o governo local deve manter o prazo estabelecido nas portarias de 1º e 10 de setembro. Em entrevista, o gerente-geral de Sanidade Vegetal da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Renato Rezende Young Blood, disse que o Estado não solicitará mudança do calendário porque foi "atendido na íntegra" sobre os prazos na época em que cada unidade da Federação apresentou sua proposta, entre maio e julho deste ano.

"Desde a portaria 306, de maio, já vínhamos conversando com o Ministério da Agricultura para haver uma padronização de datas de plantio nos Estados do Sul. Fomos atendidos na íntegra", afirmou. Em Santa Catarina, por exemplo, o cultivo se estendia até meados de fevereiro. Agora, os três Estados do Sul têm a mesma data limite para a atividade: 31 de janeiro. Já Estados como Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul, Bahia, Minas Gerais, Pará, Rondônia, São Paulo e Tocantins passaram a poder cultivar a oleaginosa até fevereiro.

Segundo Blood, nos últimos três anos o Paraná trabalhou sem um calendário de semeadura mas, na prática, o plantio já vinha sendo feito "mais ou menos" conforme a portaria em vigor, até 31 de janeiro. "Antes (das portarias), havia um prazo para a colheita no Paraná, e nós controlávamos a semeadura indiretamente, pela colheita, cuja janela ia até 15 de maio", disse. O período de vazio sanitário no Estado, quando é proibido novo plantio na área, vai de 10 de junho a 10 de setembro.

Fontes ouvidas pela reportagem disseram que a alteração do calendário de soja foi motivada por demanda de lideranças de Mato Grosso interessadas em um calendário mais longo, que permitisse plantar novamente a soja, logo após a colheita da oleaginosa, a fim de salvar sementes para uso próprio. A prática é legal, mas a extensão do prazo do plantio é contestada. Dentro do Ministério da Agricultura, inclusive, há grupos que contestam a mudança. "A soja, como qualquer cultura, precisa que a terra fique um tempo sem ser cultivada par que as doenças não se multipliquem e os agroquímicos não percam efeito. Qualquer pessoa que estudou agronomia sabe disso", afirmou um interlocutor do setor.

Próximo passo - A CropLife Brasil, entidade que representa empresas de sementes e defensivos e que assinou a carta enviada na terça-feira (21) à ministra Tereza Cristina contestando os novos prazos de plantio de soja, considera a possibilidade de levar o caso à Justiça caso o calendário anterior, especialmente em Mato Grosso, maior produtor nacional do grão, não seja restabelecido. "Precisamos de uma solução antes da colheita da soja. O ideal seria uma mudança de parte do governo e uma nova portaria restabelecendo o vazio sanitário, mas, dependendo do que acontecer, vamos contestar na Justiça", disse o presidente da entidade, Christian Lohbauer.

Antes disso, a CropLife tentará outros caminhos para reverter a situação. No dia 30 deste mês, tem uma reunião com membros do Ministério Público de Mato Grosso para discutir o tema. "Vamos fazer de tudo para que isso (o novo calendário) seja revertido", afirmou Lohbauer. Há pouco tempo para isso, já que a partir do fim de janeiro algumas regiões em Mato Grosso já começam a colher soja e, pelas regras em vigor no momento, poderiam plantar novamente a grão com a finalidade de salvar sementes.

Na carta, a entidade lembra que o vazio fitossanitário (manutenção da área isenta de plantas vivas de soja e proibição do cultivo por no mínimo 90 dias) e o calendário de cultivo são "altamente" recomendados em virtude da alta capacidade de mutação do fungo da ferrugem asiática. A doença, que pode comprometer até 100% da lavoura, já provocou prejuízo superior a US$ 10 bilhões à sojicultura brasileira desde 2001, quando foi identificada no País.

Com o vazio, evita-se a chamada "ponte verde", ou seja, que haja hospedeiro para o fungo sobreviver na entressafra, entre o fim da colheita de uma safra e início do plantio de outra. Já o calendário de plantio contribui para diminuir o número de aplicações de fungicidas e a resistência de fungos e outras pragas ao produto. De acordo com a CropLife, ao aumentar o prazo em quase todos os Estados, o ministério "eleva o risco fitossanitário com a proliferação da ferrugem asiática" e "coloca em xeque a sustentabilidade do sistema de produção da cultura da soja no Brasil".

Lohbauer acrescenta a indústria não tem novos fungicidas para a ferrugem. "O produtor precisa entender que nos próximos dez anos não teremos um novo fungicida para a ferrugem. Os produtos que estão no mercado têm de ser preservados para continuarem sendo eficazes", alertou. Sem um período de vazio entre a primeira colheita da soja e o plantio do grão para semente, o número de aplicações deve mais do que dobrar, segundo o executivo. "Será preciso muito mais produto com efeito igual e em um ambiente mais agressivo (de fungos e pragas)", acrescentou.

Ainda na carta, a CropLife e outras entidades pedem a revogação da Portaria 394 e a criação de um Comitê Nacional de Fitossanidade, com a participação "efetiva" de especialistas do Ministério da Agricultura, órgãos estaduais de defesa vegetal, Embrapa, entidades públicas e privadas, para implementar o Programa Nacional de Controle da Ferrugem Asiática da Soja e definir novo calendário de plantio do grão. Assinam o documento, além da CropLife, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), a Fundação Mato Grosso e o coordenador da FGV-Agro, Roberto Rodrigues.

Contato: clarice.couto@estadao.com
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