Agronegócios
06/04/2021 11:33

Especial: temor sobre volta de peste suína na China vira novo risco para a inflação brasileira


Por Thais Barcellos, Julliana Martins e Maria Regina Silva

São Paulo, 06/04/2021 - Em meio a expectativas de inflação já perto do teto da meta (5,25%), um risco "novo" tem ganhado corpo nos cenários para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano: a possibilidade de uma outra rodada de encarecimento da carne no País, em meio a temores de que o retorno do surto de peste suína africana, na China, desacelere a recuperação do rebanho de suínos e force o país a continuar buscando proteína no exterior, como ocorreu no fim de 2019.

Para especialistas do setor de carnes e de inflação, é ainda difícil dimensionar a gravidade do problema chinês, considerando a falta de transparência em Pequim. Mas as notícias já existentes são suficientes para colocar esse fator como um dos principais riscos de alta para a inflação deste ano, junto com a gasolina.

É o caso, por exemplo, do economista da ACE Capital Werther Vervloet, que já projeta IPCA no teto da meta este ano (5,25%). "Temos de monitorar, os dados na China são muito difíceis. Mas está no radar e preocupa bem um novo ciclo global de alta de proteínas para o cenário de inflação este ano."

Desde que o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China admitiu, no início de março, que há um surto de peste suína africana em duas províncias importantes para criação de suínos, Hubei e Sichuan, o economista Alexandre Lohmann tem acompanhado com bastante atenção o assunto via impacto sobre os preços de soja e carne, uma vez que há pouca transparência nas informações sobre o grau da doença no país asiático.

Ele observou que, embora a cotação da soja em grão tenha resistido - com estoques baixos nos EUA e problemas climáticos na Argentina e no Brasil -, a do farelo de soja já caiu cerca de 15% do pico em meados de janeiro. "O preço da soja em grão reage mais ao humor do mercado sobre a safra. Já o do farelo responde mais à demanda chinesa, por ser o insumo mais próximo para a ração animal."

Nos preços da carne, o impacto ainda é "confuso", diz Lohmann, uma vez que o valor do suíno está caindo em virtude de uma correção, após alta significativa nos meses anteriores. O de bovinos, por sua vez, segue em escalada. No ano, segundo o indicador do Boi Gordo CEPEA/B3, a alta é de mais de 18%. Ante o mesmo mês do ano passado, o avanço é de 55,8%.

"Se a peste suína africana ganhar força, o boi vai subir ainda mais e o suíno vai inverter a queda. Por enquanto, com as informações que temos hoje, acho que vamos ter um choque, talvez não igual ao que vimos de outubro a dezembro de 2019. Mas isso está no radar", diz o economista, completando que esse fator e o preço da gasolina são os principais riscos de alta para a projeção atual de 5,0% para o IPCA de 2021.

Histórico - Em 2019, o impacto da alta de carnes (32,40%), que inclui os cortes de bovino e de suíno, no IPCA foi de 20% do índice geral (4,31%), que tem mais de 400 itens. Em 2020, os preços continuaram subindo e fecharam o ano com elevação de 17,97%.

De outubro a dezembro de 2019, houve uma aceleração forte da demanda chinesa por proteínas no contexto do colapso da produção local de carne suína em razão do surto da doença, que se iniciou em 2018 e dizimou pelo menos 40% do plantel do gigante asiático. Como o Brasil - e o mundo - não conseguiam dar conta de produção suficiente de suínos para responder a demanda da China, a exportação de bovinos saltou, limitando a oferta para o mercado interno e encarecendo o produto para os brasileiros.

Nesse período, pecuaristas brasileiros também iniciaram um movimento de aumento no abate de fêmeas. Essa é uma decisão que o produtor costuma tomar para não aumentar o custo de produção na fazenda quando o preço da arroba está mais fraco. Mas, desta vez, também foi influenciado pelo crescimento da necessidade de importação de carne pela China. Com um menor volume de fêmeas disponível, o mercado passou a registrar escassez de bezerros, o que levou os pecuaristas a iniciarem em 2020 um movimento de retenção de fêmeas para aproveitar os preços remuneradores da atividade de cria.

Ciclo pecuário - Por trás do impulso da demanda externa, é essa característica do ciclo pecuário que corrobora para a inflação das carnes, já que a retenção de fêmeas torna escassa a oferta de animais prontos para o abate, avalia o especialista em pecuária da StoneX, Caio Toledo. "A inflação será maior aqui no Brasil mesmo que a China não aumente as compras de carne bovina neste ano, já que a sustentação dos preços está calcada na menor oferta de animais", disse.

No início do ano, admite Toledo, a perspectiva era de que o país asiático compraria menos carne bovina brasileira em 2021 do que no ano passado, mas as notícias referentes ao surto de peste suína africana fizeram a consultoria se questionar quão menores seriam essas importações. "Estamos levando em consideração sinais como a queda nos preços da carne suína e do animal vivo no mercado chinês, o que pode indicar avanço na recuperação das matrizes", afirma, comentando, entretanto, que é preciso ficar atento para entender se a queda nos preços locais não é resultado dos abates preventivos que têm sido realizados pelos chineses.

Embora os novos focos da doença acendam um alerta para o mercado, assim como o especialista da Stonex, o sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres, aposta em um controle mais assertivo do vírus desta vez. Ele cita como um fator importante a mudança no modelo de produção de suínos da China, que deixou de ser predominantemente caseiro e artesanal para um formato industrial e mais tecnificado. "Agora eles têm mais controle sobre a produção". E mesmo que não haja uma nova propagação desenfreada da doença, Torres espera alta de 2% a 4% nas compras de carne bovina brasileira pela China este ano, uma vez que a recuperação do rebanho segue em curso.

"Se for verdade que a doença não foi totalmente controlada, a tendência é que a China continue fazendo fortes compras do Brasil, resultando em um terceiro ano de preços elevados das carnes", observa o economista da Novus Capital Daniel Silva. "Seria um fator a mais a pressionar a inflação, que já está sendo puxada pelos aumentos recentes da gasolina e de itens industriais em meio à falta de estoques e câmbio depreciado", completa, ao estimar IPCA em torno de 5,30% este ano.

Limitações - Por ora, contudo, o economista da Novus não acredita que os preços de alimentos vão atingir as elevadas taxas de 2020 (18,15%, em alimentação no domicílio), mas também não tendem a ficar abaixo de 5%, como estimado no início do ano. "Não devem repetir os quase 20% de 2020, mas talvez fiquem em torno de 5% e 6%", estima.

Para o economista João Fernandes, sócio da Quantitas Asset, o risco de um surto de peste suína africana na China encarecer muito os preços de carnes no Brasil existe, mas é menor do que em outros momentos. "O mercado interno está mostrando bastante dificuldade de absorver os repasses, considerando o nível que alcançaram os preços", diz ele, que projeta cerca de 5,20% para o IPCA em 2021.

O especialista da StoneX, Caio Toledo, acrescenta que não apenas a peste suína africana na China, mas a conjunção desse cenário, com a baixa oferta de gado no País e a crise do mercado interno, pode puxar a inflação do produto neste ano. Aliás, é o fato de o consumo doméstico estar patinando que limita novas altas nos preços da carne. Se a economia brasileira estivesse mais acelerada e o escoamento para o mercado atacadista fosse mais regular, a inflação seria ainda maior. "O arrefecimento da demanda interna pode dar um alívio na inflação", afirma ele.

Contatos: thais.barcellos@estadao.com, julliana.martins@estadao.com e reginam.silva@estadao.com
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