Economia & Mercados
03/07/2020 17:00

Saída/Covid: Bancos têm salto digital na crise, mas pressão em calote e custo desafiam retomada


Por Aline Bronzati

São Paulo, 03/07/2020 - Depois de digerirem os primeiros impactos do abalo econômico resultante da crise na saúde, os grandes bancos brasileiros têm o desafio de se adaptar ao novo normal, abrindo agências fechadas por conta da pandemia e ocupando escritórios esvaziados com o home office mandatório devido às medidas de isolamento social. Enquanto de um lado se deparam com um empurrão para a digitalização do setor nunca antes visto, do outro têm de lidar com o aumento da inadimplência e uma pressão ainda maior por corte de gastos, além daquela já imposta pelos novos entrantes - e que ganham reforço das bigtechs, gigantes da tecnologia.

Ainda é cedo para prever o tamanho da conta da covid-19 para os grandes bancos no Brasil. Os números dependem da extensão da crise econômica e a velocidade com a qual se dará o movimento de recuperação. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro deve encolher 6,54% neste ano, conforme o boletim Focus, do Banco Central, e para 2021 economistas esperam uma retomada tímida. Além do risco da segunda onda, que pode exigir uma nova quarentena sem nem ao menos ter sido desfeita totalmente, o País enfrenta um desafio maior na gestão da pandemia à medida que lida com a turbulência econômica e também política.

O cenário atual deve fazer com que os bancos, que vinham sendo pressionados por aumento da concorrência no País com a multiplicação das fintechs, sintam o efeito da crise ao longo dos próximos anos, principalmente com reestruturações de dívidas corporativas. Os primeiros sinais começam a aparecer. Sob o temor do aumento dos calotes, essas instituições já fizeram um reforço bilionário no colchão para possíveis perdas e não descartam movimentos futuros. Como consequência, alertam especialistas ouvidos pelo Broadcast, tendem a sair da crise com uma rentabilidade menor do que estavam acostumadas e também aperto nos níveis de capital.

Para suportar essa conta, a saída é uma só: redução de custos. É consenso entre especialistas do setor bancário de que a crise gerada pelo novo coronavírus coloca pressão - e muita - sobre a eficiência do setor. Os alvos são, naturalmente, aqueles que consomem mais recursos, como a rede de agências físicas e o quadro de funcionários.



Foto: Aline Bronzati/Estadão Conteúdo

"O modelo de distribuição física no Brasil terá de ser repensado. A pandemia acelerou muito a transformação digital no setor", dizem os sócios da consultoria Bain & Company, André Leme e Silvio Marote. "Não é só fechar agências, mas repensá-las como um novo modelo de distribuição de produtos financeiros", acrescentam.

No ano passado, os bancos fecharam quase 900 agências no Brasil, segundo dados do Banco Central. Como consequência, a rede de 'tijolos' no País se reduziu a menos de 20 mil unidades pela primeira vez nos últimos anos. Em 2020, com as medidas de isolamento adotadas desde março, ao menos 270 agências já fecharam as portas até maio, mostra o BC.

"Os bancos no Brasil têm feito reduções da estrutura física, mas ainda estão muito aquém se comparados às instituições nos Estados Unidos e Europa. Na Espanha, o número de agências se reduziu quase à metade", avalia o presidente da consultoria alemã Roland Berger, Antônio Bernardo.

Entre os grandes bancos, o movimento de redução do número de agências tem sido capitaneado pelos concorrentes privados. Para este ano, o Bradesco prevê fechar mais 330 unidades. Já o Itaú Unibanco vê algo 'residual', após ter reduzido sua rede em mais de 400 pontos no ano passado. "Não temos isso (fechamento de agências) sequer no radar. Pelo contrário, estamos discutindo como reabrir as 400 e tantas agências que foram fechadas por conta da pandemia", garantiu o diretor executivo do Banco de Varejo do Itaú, André Rodrigues, em recente conversa com a imprensa.

Nos bastidores, porém, é dado como certo que o fechamento de agências vai se acentuar - e muito - após a pandemia. Além de impulsionarem a digitalização dos clientes, as medidas de isolamento social mostraram que o brasileiro ainda vai na agência sem necessidade, por várias razões. Houve ainda a quebra do tabu do home office no sistema financeiro.

Os bancos já têm sinalizado que vão manter parte de seus funcionários em casa mesmo após a pandemia. É preciso, porém, preservar a cultura da instituição e manter a troca de ideias que é valiosa, na opinião do presidente do Bradesco, Octavio de Lazari. É combinar o 'cafezinho na firma' com o 'pijama' no home office. Talvez, a cada três dias na empresa, um em casa, sugere. O Banco do Brasil espera diminuir o contingente do home office de 33 mil para ao menos 10 mil. A nova gestão do banco, adepta ao modelo, mira até mais do que isso, conforme apurou o Broadcast. No Itaú, o home office deve durar até 1º de setembro, anunciou hoje o presidente do banco, Candido Bracher, em tradicional vídeo enviado às sextas-feiras a todos os funcionários durante a crise.

"Os processos de trabalho vão mudar. Não é possível que não vamos aprender com o que estamos vivendo. Foi muito dolorido", desabafou o presidente do Bradesco, durante debate com outros banqueiros, em live, durante evento de tecnologia bancária. "A gente não aprendeu no amor. A gente aprendeu na dor", admitiu.

O aumento da digitalização e o enxugamento da estrutura física acendem os holofotes para a possibilidade de mais desligamentos de funcionários. No ano passado, em um cenário de pressão por custos em meio à maior concorrência, tanto Bradesco quanto Itaú diminuíram seus quadros por meio de programas de demissão voluntária (PDV). Na crise, porém, os bancos assumiram o compromisso de não demitirem.

Por ora, o único que se antecipou foi o Santander Brasil. De acordo com o banco, o compromisso de não demitir era até maio e não enquanto durasse a pandemia. Dito isso, o Santander tem feito 'ondas' de demissões nas últimas semanas, conforme disse uma ex-funcionária do banco espanhol no Brasil, a procura de emprego.

Crédito e calote

Do lado do crédito, depois de um boom de demanda vinda por todos os lados, a tendência é de queda. Desde o início da crise, os bancos já emprestaram R$ 1,116 trilhão, segundo balanço da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) divulgado essa semana. Somente em renegociações, que dispararam em meio à pandemia, foram mais de R$ 80 bilhões e um total de 11,3 milhões de contratos com operações em dia.

"Conseguimos manter o sistema financeiro e de pagamentos funcionando plenamente, mesmo com o isolamento social em todo o país. Expandimos bastante o crédito e já concedemos mais de R$ 1 trilhão desde o início da pandemia", diz o presidente da Febraban, Isaac Sidney, ao Broadcast.

Durante a pandemia, os bancos tiveram de lidar ainda com uma intensa ‘crise de comunicação’. Com a explosão de demanda por crédito de um lado e a maior seletividade para emprestar do outro devido, à piora do risco no cenário econômico, as instituições financeiras foram acusadas de sentarem em cima dos recursos, impedindo de chegarem à ponta. Os banqueiros partiram, então, para o contra-ataque, em um esforço para mostrar que a crise partiu da saúde e, portanto, os bancos seriam ‘parte da solução’ e não do problema.

Os vários programas para estimular a oferta de empréstimos anunciados pelo Governo Bolsonaro também desafiaram a comunicação no período. Uma coisa, porém, ficou clara. Embora o BC tenha corrido para injetar liquidez no sistema financeiro, o problema, ao menos desta vez, não foi crédito, mas sim risco, tanto para quem empresta como para quem toma recursos. Com o faturamento esvaziado do dia para a noite, muitas empresas preferiram não se endividar mais, uma vez que não tinham clareza da duração e intensidade da crise. O programa criado para financiar folhas de pagamentos atingiu pouco mais de R$ 4 bilhões, contra um orçamento de R$ 40 bilhões, conforme o BC.

Outra faceta da crise jogou luz sobre a urgência de endereçar o enorme contingente de desbancarizados no País, atenta o sócio da área de direito Bancário e Financeiro do escritório de advocacia Demarest, Fabio Braga. Estudo da fintech alt.Bank mostra que de 35 milhões a 45 milhões de adultos brasileiros em idade ativa ainda não têm acesso a serviços financeiros básicos. Se fossem incluídos, mais de R$ 400 bilhões por ano poderiam ser injetados na economia brasileira em até cinco anos. "As fintechs vão ajudar a inserir essas pessoas no sistema, mas precisamos criar acesso mais simples", diz Braga.

O programa de auxílio emergencial capitaneado pela Caixa Econômica Federal deve ajudar nesta direção. Foram mais de 50 milhões de contas abertas. Ainda que parte desse contingente já tivesse alguma iniciação financeira, muitos estavam excluídos do setor. As novas tecnologias com a chegada do sistema de pagamentos instantâneos do BC, o PIX, e o open banking - que vai permitir mais concorrência entre os agentes ao compartilhar os dados do público já bancarizado - devem fomentar e aquecer a concorrência. A chegada das bigtechs também deve ajudar. O desembarque do WhatsApp, pertencente ao Facebook, só confirma o interesse cada vez maior das gigantes de tecnologia e como isso incomoda os players já estabelecidos.

Os bancos também terão de lidar com o aumento da inadimplência previsto para começar a aparecer tão logo as medidas de postergação de dívidas percam o efeito. Já está dado que a pauta do setor mudou de crédito novo para renegociação de dívidas. Serão alguns anos ‘recuperando empresas’, na visão do presidente do Itaú. Como consequência, a rentabilidade e o capital dos grandes bancos não serão mais os mesmos - um primeiro sinal já veio nos resultados do primeiro trimestre. "Se novos modelos de transformação digital ocorrerem, os bancos vão voltar a níveis muito interessantes de rentabilidade, talvez acima dos 15%", avalia o presidente da consultoria Roland Berger. Embora abaixo do patamar de 20% que os grandes bancos brasileiros estavam acostumados, ainda assim, é maior do que o visto nos sistemas europeu e americano.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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