Economia & Mercados
27/06/2024 11:20

G20 Brasil/Entrevista/Zucman:PAÍSES DEVEM PROGREDIR PARA ADOTAR IMPOSTO SOBRE BILIONÁRIOS EM 3 ANOS


São Paulo, 25/06/2024 - Em dois ou três anos poderão ocorrer progressos na adoção por vários países do imposto mínimo de 2% sobre as fortunas de bilionários, comentou em entrevista exclusiva ao Broadcast Gabriel Zucman, professor da Paris School of Economics e da University of California, Berkeley. Ele também é diretor do EU Tax Observatory. O tributo poderá arrecadar US$ 250 bilhões por ano. A convite do G20, Zucman elaborou um relatório que será divulgado hoje sobre como poderá ser implementado este tributo. Acompanhe os principais trechos da entrevista.



Broadcast: Como surgiu o relatório com a proposta para um imposto mínimo sobre bilionários?

Gabriel Zucman:
Em fevereiro, eu fui convidado pelo Brasil, que preside o G20 neste ano, para falar aos ministros das Finanças do grupo sobre questões relativas aos sistemas tributários, entre elas porque fracassou a adoção de impostos sobre indivíduos ultrarricos e o que pode ser corrigido através de coordenação internacional. Eu disse que a forma mais poderosa para enfrentar esta questão seria um imposto mínimo comum em nível global sobre bilionários equivalente a 2% das suas fortunas. A maioria dos ministros elogiou o Brasil por colocar este tema na agenda do G20 e manifestou que queria entender mais os detalhes da minha proposta e como poderia funcionar na prática. Este é o motivo da elaboração do relatório.

Broadcast: Quais são as principais conclusões do relatório?

Zucman:
O relatório aponta que os sistemas tributários fracassaram para cobrar impostos de pessoas com fortunas muito elevadas. Ele detalha a proposta de um imposto mínimo de 2% sobre bilionários. Pessoas nesta categoria de renda que já pagam mais de 2% de imposto não serão tributadas por este imposto. Este tributo mínimo de 2% funcionará como um padrão comum que pode ser implementado de forma flexível pelos países, com diversos instrumentos domésticos, entre eles um imposto de renda presumida, um tributo sobre uma noção ampla de renda, incluindo ganhos de capital não realizados, e um tributo sobre fortunas. Todas estas alternativas são boas, desde que estejam em harmonia com um padrão internacional acordado de que os bilionários pagarão 2% de suas fortunas em impostos. A ideia é criar uma nova forma de coordenação internacional, respeitando a soberania nacional.

Broadcast: Este imposto poderá arrecadar US$ 250 bilhões por ano, certo?

Zucman:
Exato. Esta é a proposta básica. Se ela for estendida para tributar pessoas com fortunas superiores a US$ 100 milhões, poderá ser gerada uma receita adicional entre US$ 100 bilhões e US$ 140 bilhões por ano. Este imposto fará uma grande diferença para a progressividade dos nossos sistemas tributários. Ele poderá encerrar o declínio dos impostos pagos por bilionários. Ele poderá reduzir os incentivos destas pessoas para praticar evasão fiscal. O imposto poderá evitar um nivelamento por baixo, pois o principal risco que pode ocorrer ao tentar tributar pessoas muito ricas é que elas poderão mudar para países com pequena ou nula tributação.

Broadcast: Como está o interesse dos países do G7 para implementar este tributo?

Zucman:
A França expressou grande apoio à proposta. A ministra do Desenvolvimento Econômico da Alemanha, Svenja Schulze, manifestou apoio a ela em um artigo recente no jornal The Guardian. Nos EUA, o presidente Joe Biden introduziu no seu projeto de orçamento o que ele chama de imposto de renda para bilionários, que é muito próximo do que eu propus. Em muitos países, incluindo todos os membros do G7, há uma esmagadora demanda popular por esse tipo de tributação, com pesquisas de opinião que mostram que entre 70% e 80% das pessoas são favoráveis a tal medida.

Broadcast: Como a taxa poderá funcionar em termos globais se algumas economias avançadas recusarem a adotá-lo?

Zucman:
O imposto mínimo poderá ser aplicado com sucesso mesmo que todos os países não o adotem, graças a um mecanismo de cobrança de impostos de última instância. Os países que subscreverem o acordo para adotar o padrão comum do imposto mínimo terão de tributar os bilionários, mas também os bilionários de países que não participam do acordo. Os ativos, receitas e negócios que muitos bilionários possuem estão vinculados a países que participam do acordo. É exatamente desta forma que funciona o imposto mínimo de 15% para companhias multinacionais. Nós sabemos que o tributo mínimo de 2% sobre bilionários vai funcionar, porque o imposto de 15% sobre multinacionais já foi adotado por 35 países e logo será implementado por mais de 100 países.

Broadcast: Mercados emergentes têm um certo número de bilionários, mas muitos deles residem em outros países para pagar menos impostos. Como os mercados emergentes poderão tributar estes cidadãos?

Zucman:
Alguém que vive nas Bahamas normalmente não tem a sua fortuna investida lá, mas em ativos e companhias ao redor do mundo. É legítimo para os países onde tais ativos estão localizados cobrar ao menos um pouco de tributos. O que é necessário é criar regras sobre alocação de receitas, o que será um diálogo que precisará ocorrer entre países. Há dois objetivos: um deles é ter certeza que bilionários paguem o imposto mínimo, sem importar onde eles vivem. Uma segunda questão é qual país receberá os recursos obtidos com o tributo. Podemos pensar em várias regras baseadas no número de dias onde os ativos estão localizados. Há uma longa tradição sobre o assunto, onde tais questões estão contempladas em tratados internacionais de dupla tributação.

Broadcast: A adoção do imposto mínimo de 15% sobre multinacionais é o melhor caminho para que o tributo de 2% sobre bilionários possa ser implementado em termos globais?

Zucman:
Certamente. O tributo mínimo sobre bilionários é viável devido ao recente progresso na coordenação internacional de impostos. Há dois elementos importantes: um deles é a taxa de 15% sobre companhias multinacionais. Ela tem limitações, mas mostrou que podemos concordar coletivamente para adotar impostos mínimos. Um segundo fator é que desde 2018 há uma troca automática de informações bancárias entre mais de 100 países, conhecida como padrão comum de relatórios, que também tem limitações, mas é um grande passo à frente em comparação ao sigilo bancário que existia antes. Há 15 anos era muito fácil para pessoas ricas esconder ativos em centros financeiros offshore e era uma utopia esperar que países concordariam em adotar um tributo com taxa comum. Mas hoje sabemos que estas duas premissas estavam erradas e que a evasão tributária não é uma lei da natureza.

Broadcast: Como será possível construir a vontade política em muitos países para adotar o imposto mínimo sobre bilionários?

Zucman
: Espero que o relatório contribua para isso. Eu não quero ser ingênuo e subestimar a resistência dos contribuintes envolvidos. Eles lutarão. Mas é importante explicar os custos e benefícios para o status quo e para qualquer mudança de tributos. O status quo mostra que as pessoas mais ricas no planeta têm pago taxas muito menores de tributos do que todos os outros grupos sociais e gera perda de receitas (para governos). Isto alimenta o aumento da concentração de renda em um caminho não sustentável. A riqueza dos bilionários subiu de 3% do PIB mundial em 1987 para 14% do PIB global hoje. É do interesse de todos, inclusive dos contribuintes envolvidos, encontrar uma solução para esta questão. A integração econômica global não será sustentável se ela significar concentração cada vez maior de renda. Isto também entrará em conflito com nossos ideais democráticos.

Broadcast: Quanto tempo o senhor acredita que o imposto mínimo sobre bilionários será adotado por diversos países?

Zucman:
Levou quase 10 anos entre o início da discussão até a implementação do que é conhecido como o processo BEPS, sobre como tributar melhor multinacionais. Eu penso que será mais rápida a adoção do tributo mínimo sobre bilionários porque será beneficiada de todo o trabalho feito antes. Eu estou esperançoso que veremos progressos nos próximos dois ou três anos.

Contato: ricardo.leopoldo@estadao.com
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