Economia & Mercados
15/03/2022 12:21

Especial:Em cima do muro, governos e empresas asiáticas evitam posições incisivas contra Rússia


Por Bárbara Nascimento

São Paulo, 15/03/2022 - A onda de sanções governamentais e retirada de empresas europeias e americanas da Rússia vistas na última semana não encontra o mesmo fôlego na Ásia. Para além da China, que joga o próprio xadrez geopolítico, governos e empresas do restante da Ásia têm evitado sanções e declarações mais incisivas, se limitando a endossar posicionamentos de organismos multilaterais, como os das Nações Unidas.

Especialistas ouvidos pelo Broadcast atribuem o comportamento tanto a uma tradição diplomática de neutralidade quanto a questões geopolíticas, uma vez que a Rússia é um vizinho poderoso e já se mostrou útil geopoliticamente. "Reflete uma relutância de longa data em tomar partido em assuntos internacionais - especialmente aqueles que ocorrem em locais distantes", aponta Peter Mumford, chefe da área de análise para Sudeste Asiático da Eurasia, completando: "a Rússia tem sido vista como um contrapeso para os Estados Unidos e a China na região".

Para ele, à exceção de Cingapura, não parece haver inclinação, por parte dos países da região, de introduzir sanções contra a Rússia. Embora muitas das nações do ASEAN, bloco que reúne 10 países do Sudeste Asiático, tenham votado de forma favorável a resoluções recentes das Nações Unidas sobre o confronto no Leste Europeu, há uma preocupação nas relações com os russos, sobretudo no que diz respeito a uma interrupção no comércio de armamentos. Além disso, formado por uma dezena de países que possuem visões diferentes sobre o assunto, o bloco deve se manter da forma como está, em cima do muro.

Fora do Sudeste Asiático, a Índia talvez seja um dos casos mais emblemáticos. "A Índia se mantém neutra, pega no meio de dois importantes parceiros, EUA e Rússia", aponta Frederick Kliem, pesquisador pela Universidade Tecnológica de Nanyang (NTU), em Cingapura, e especialista em integração regional e multilateralismo entre Ásia e Europa.

Para Maurício Santoro, professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o caso da Índia envolve hoje muitos aspectos. "O caso indiano é muito duro porque eles têm parcerias muito estratégicas tanto com EUA quanto com a Rússia", pontua. "Índia e China tiveram uma relação muito forte com a Rússia - ou com a União Soviética -, são laços que não são facilmente ignorados. Até por uma questão geográfica, é natural que tenha um peso russo maior na Ásia central ou no Oriente Médio", acrescenta.

Cingapura e Japão foram os países mais duros a se posicionar sobre a invasão russa na Ucrânia. A cidade-Estado, uma das nações mais preocupadas em manter uma reputação frente à legislação internacional, baniu bancos e instituições financeiras de fazerem negócios com quatro bancos russos e suspendeu a exportação de bens militares e eletrônicos para o local. Já os japoneses anunciaram o congelamento de ativos de uma lista de oficiais e oligarcas russos, além de banir exportações de equipamentos para refino de petróleo e itens que possam ter uso militar para Rússia e Bielorrússia.

A resposta do governo japonês, no entanto, não teve o mesmo ímpeto no mundo corporativo. A japonesa Uniqlo, por exemplo, tem sofrido ameaças de boicote após seu CEO se recusar a fechar operações na Rússia, argumentando que roupas são "uma necessidade da vida" a que a população russa teria direito. E as gigantes automobilísticas japonesas, como Toyota e Honda, suspenderam o envio de novos carros, mas alegando motivos logísticos, evitando se comprometer.

Para os especialistas, no entanto, um viés geopolítico local perpassa os posicionamentos de países como Japão e Cingapura. Para eles, há nos países que se dispuseram a marcar posição em relação à invasão russa da Ucrânia um recado à China: o de que invasões à soberania de outros países têm consequências internacionais. "Assim como a Europa vive com um grande vizinho, a Rússia, a Ásia vive com a China. A integridade da lei internacional e o requerimento de que mesmo superpoderes respeitem a lei internacional é sacrossanto para países asiáticos. Então, sim, é uma mensagem para que a China respeite a lei internacional", aponta Kliem, da NTU.

Os especialistas são unânimes na avaliação de que a Ásia só sairia de cima do muro e tomaria uma posição mais pungente se o conflito resultar em um massacre humanitário ou algum acidente nuclear. "Seriam as únicas circunstâncias em que haveria um impacto tão grande que mudaria a posição asiática. O que eles querem agora é se manter o mais distante possível", destaca Santoro, da UERJ.

Contato: barbara.ferreira@estadao.com
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