Economia & Mercados
03/11/2020 09:06

Especial: Choque inflacionário pode durar por, ao menos, mais 6 meses


Por Thaís Barcellos e Cícero Cotrim

São Paulo, 3/11/2020 - Ainda que o choque inflacionário seja temporário, como caracterizado pelo Banco Central, a duração deve ser de pelo menos mais seis meses, afirmam especialistas ao Broadcast. Com o dólar em níveis recordes e uma recuperação inicial forte da economia, a avaliação é de que as empresas devem continuar a repassar os custos do aumento de insumos enquanto houver gargalos na produção. Já os agricultores tendem a preferir o mercado externo, mais rentável, limitando a oferta doméstica de alimentos, que também deve ser afetada por problemas climáticos.

Os especialistas consultados dizem ainda que parte do aumento de preços de alimentos, principalmente de grãos, pode ser mais estrutural, sustentado pela maior demanda da China, que está preocupada com a segurança alimentar após a peste suína africana e a pandemia de covid-19.

"Minha avaliação é de que o choque de inflação é temporário, mas temos de saber o que significa temporário. Os preços de commodities agrícolas devem seguir pressionados até o fim do primeiro trimestre de 2021", afirma o economista Alexandre Lohmann, da GO Associados. Segundo ele, para os preços domésticos, a alta ganha contornos mais dramáticos por causa do câmbio altamente depreciado, o que tem relação com os riscos fiscais.

Para além da recuperação rápida da China, problemas climáticos podem diminuir a oferta de grãos nos próximos meses.

O clima seco no Brasil deve atrasar a colheita da soja para fevereiro, quando normalmente ocorre na virada do ano. Da safra deste ano, só há sobra de 5%, que, com a demanda alta, deve ser disputada, sustentando preços. No caso do milho, o aumento das compras por Pequim nos EUA tem desestabilizado o mercado mundial, abrindo novos clientes para o grão brasileiro.

O coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), André Braz, avalia que o desenho de uma segunda onda de coronavírus na Europa sugere alívio das commodities em dólar no curto prazo, com a desaceleração esperada para a atividade mundial.

Câmbio

O efeito dessa virada nos preços no atacado do Brasil, no entanto, vai depender da capacidade de o País reduzir incertezas fiscais e valorizar o real, afirma Braz. "Se o câmbio estabilizar até 2020, vamos encerrar o ano com o IGP-M em torno de 20%. Mas, se não, vai ser maior", completa.

Desde o dia 2 de janeiro, o preço da saca de milho de 60 quilos subiu 70,45% em reais, de R$ 48,43 para R$ 82,55, segundo o indicador do milho Esalq/BM&F Bovespa. Em dólar, o preço da saca do grão avançou apenas 19,19% no período, de US$ 12,07 para US$ 14,35.

O indicador da soja mostra comportamento similar, com alta de 85,99% no preço do grão em reais em 2020, de R$ 88,08 para R$ 163,82. Em dólares, a alta foi de 30,15%, de US$ 21,94 para US$ 28,49.

O aumento dos preços ao produtor já praticamente contratou um repique na inflação ao consumidor no quarto trimestre do ano, segundo Braz, e a dúvida é o quanto desse repasse de custos ainda pode ser repassado em 2021. O economista espera que o IPC da FGV atinja 3,5% no fim de 2020 e 3,75% no fim de 2021, já no centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional para o IPCA.

Além da possibilidade de a desvalorização cambial brasileira mais do que compensar um eventual alívio nos preços de commodities em dólar, o economista Felipe Novaes, da Tendências Consultoria Integrada, duvida que um alívio nos preços seja capaz de frear o ritmo das exportações brasileiras.

"As evidências apontam para o contrário no curtíssimo prazo, porque as exportações brasileiras acabam favorecidas pela preocupação da China com segurança alimentar", explica Novaes. Além da construção de estoques de grãos, o processo de recomposição do rebanho suíno do país asiático - dizimado entre 2018 e 2019 pela peste suína africana - deve sustentar a demanda por soja e deixar a China dependente do grão americano por algum tempo.

No cenário doméstico, Novaes também enxerga pressão nos preços das carnes pelo processo de redução de abates para recomposição de rebanhos, que foram pressionados pela demanda externa desde 2018. Ao mesmo tempo, o inverno mais seco deste ano atrasou o plantio da safra de soja de 2020-2021 e pode gerar contratempos no milho safrinha, que é plantado logo depois da colheita de soja. Os preços de grãos também são componentes importantes dos custos na produção de carnes, lembra o economista.

"Nós corroboramos a avaliação de que o cenário de preços ao consumidor vai ser muito pressionado no começo de 2021. A gente vê com muita clareza um primeiro trimestre pressionado e riscos também de pressões prolongadas ao longo de todo o primeiro semestre", afirma Novaes.

O economista João Fernandes, sócio da Quantitas Asset, também não vê mudanças tão cedo na demanda chinesa por grãos e carnes do Brasil, na medida que a recomposição dos rebanhos deve demorar alguns anos.

Segundo ele, o preço da arroba do boi, atualmente em cerca de R$ 270, segundo a CEPEA/B3, pode alçar a R$ 280 ou R$ 290 e só não subir mais por causa do efeito estabilizador de abate de vacas, já que o valor do bezerro está muito aquém ao do boi. Com os problemas climáticos no começo do ano, uma demanda firme da China e o dólar alto, Fernandes recentemente alterou a projeção para alimentação no domicílio em 2021, de 4,60% para 5,20%, após alta de 16% em 2020.

Industrializados

Para além da inflação de alimentos, Fernandes afirma que a falta de insumos na indústria em conjunto com o câmbio mais depreciado têm potencial para elevar o IPCA de 0,30 a 0,40 ponto porcentual de outubro a março, pois, mesmo que temporária, a recuperação forte da economia já tem permitido repasses.

"A recessão não está sendo forte o bastante para que esses repasses não ocorram. Começaram mais tarde, mas muda a perspectiva para o fim de ano e o início de 2021", diz, citando também que o IPCA-15 de outubro mostra que a recomposição dos preços de serviços após o baque com a pandemia está acontecendo antes do esperado.

"Ambos os fatores, a volta dos preços de serviços volta e os gargalos de produção, têm aspecto temporário. A pergunta é quanto é temporário. Vai manter a pressão no IPCA até abril do ano que vem. São seis a sete meses de inflação mais alta antes da reversão, com o desemprego elevado e a produção sem tantos gargalos."

A Quantitas espera IPCA de 3,30% em 2020 e 3,20% em 2021. O pico em 12 meses, contudo, seria em 4,98%, em maio, e o economista admite que há riscos de alta, como a persistência da inflação de alimentos no primeiro trimestre. "Se houver novo agravamento da situação com a covid-19 a nível global, o impacto é desinflacionário aqui no Brasil, mesmo com o dólar mais alto", completa, citando nova queda do petróleo e perda de dinamismo da atividade global.

Por outro lado, Lohmann, da GO Associados, alerta que, quando houver vacina, há risco de alta de preços de combustíveis, com a demanda por petróleo se normalizando e a oferta ainda restrita. O reajuste represado de administrados é outro fator a pesar sobre a inflação de 2021, diz ele, que estima avanço de 3,50%.

Contato: thais.barcellos@estadao.com; cicero.cotrim@estadao.com
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