Economia & Mercados
24/09/2021 16:02

Entrevista/Moody's/Samar Maziad: Brasil poderia ser rebaixado em caso de ruptura institucional


Por Ricardo Leopoldo

São Paulo, 17/9/2021 - Caso ocorra uma ruptura institucional no Brasil, haverá um aumento muito rápido do prêmio de risco-País, o custo de funding para o governo subiria bastante e de forma veloz e talvez ocorreriam sérios problemas para o refinanciamento da dívida pública, comenta em entrevista exclusiva ao Broadcast Samar Maziad, vice-presidente da Moody's.

"Tudo isto, sem dúvida, teria implicações muito negativas para o crédito (soberano). Nesse cenário precisaríamos reavaliar completamente a situação e isto poderia levar ao rebaixamento (da nota) de crédito do País", avalia.

Mas Samar ressalta que um golpe de Estado não está no seu cenário-base e só ocorreria em uma crise política extrema, o que inclusive poderia gerar um crescimento nulo do PIB em 2022.



Na avaliação de Samar, a incerteza política gera depreciação cambial o que influencia as decisões do Banco Central para o aumento das taxas de juros, embora este movimento também ocorra por causa do aumento da inflação.

Ela ressaltou que caso o aumento de gastos que o governo poderá adotar no âmbito do Auxilio Brasil de forma a levantar dúvidas sobre a preservação do teto de gastos poderia ocorrer "um desdobramento negativo de crédito (do País) com a menor confiança sobre a trajetória da consolidação fiscal e o nível da dívida pública bruta, que tem melhorado". Nas suas contas, o déficit nominal deve chegar a 7% do PIB em 2021 e pode ter mesmo tamanho em 2022.

Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista:

Broadcast: O Brasil está enfrentando uma gravíssima crise política, com ameaças institucionais constantes do presidente Jair Bolsonaro, pois dá claros sinais de que quer realizar um golpe militar, numa conjuntura marcada por grande perda de sua popularidade. Se os conflitos políticos se intensificarem culminando em um golpe militar de fato, quais seriam as implicações imediatas para a nota soberana do País?

Samar Maziad:
Nós sabemos que há um aumento do risco e barulho político diferente do que percebemos há alguns meses. Não esperamos que a dinâmica política sobrecarregue os outros aspectos da economia. Há retomada da atividade, o ritmo da vacinação contra covid-19 está aumentando e observamos outros indicadores. Caso ocorra uma extrema crise política teremos um impacto muito negativo na economia, na área fiscal e no risco-País, o que teria um efeito bem negativo ao rating (soberano). Mas este não é o nosso cenário-base.

Broadcast: Se ocorrer um golpe militar no Brasil, com piora das perspectivas econômicas, o País sofrerá um rebaixamento da nota soberana logo depois?

Samar:
Se isto de fato ocorrer, claro que haverá um aumento muito rápido do prêmio de risco-País, o custo de funding para o governo subiria bem e de forma veloz e talvez ocorreriam riscos para o refinanciamento da dívida (pública). Tudo isto, sem dúvida, teria implicações muito negativas para o crédito (soberano). Nesse cenário precisaríamos reavaliar completamente a situação e isto poderia levar ao rebaixamento (da nota) de crédito do País.

Broadcast: O ministro da Economia admitiu que os conflitos políticos que levam à crise institucional nos 3 Poderes da República estão influenciando muito na taxa de câmbio de equilíbrio, que para ele poderia estar hoje perto de R$ 4,20. Como a senhora analisa esta situação que ocorre agora para o aumento de riscos na área fiscal do País, sobretudo com a redução de projeções para o crescimento em 2022? O banco Itaú Unibanco, por exemplo, passou a prever uma expansão do PIB de 0,5% e uma taxa de desemprego de 12,5% no próximo ano.

Samar:
Temos uma visão levemente diferente sobre a atividade econômica em 2022. Vemos que há um potencial para crescimento mais baixo do que esperávamos por causa das maiores taxas de juros básicos. Isto terá impacto na atividade. O Banco Central está reagindo fortemente devido ao aumento da inflação e o risco político que cria incertezas. Mas ainda vemos que, com um avanço muito melhor da vacinação do que ocorria há alguns meses, poderão acontecer alguns efeitos positivos no nível de atividade em poucos meses. Nossa previsão para o PIB do Brasil para o próximo ano é maior do que a do Itaú Unibanco, pois avaliamos que será de 2%, embora tenha um viés de baixa. Nossa expectativa de expansão do PIB para o próximo ano é um pouco menor por causa do aperto monetário adotado de forma necessária para combater a inflação e o ruído político que está acontecendo. Um crescimento nulo ocorreria num cenário político extremo, que não é o nosso cenário-base.

No lado fiscal, há o teto de gastos. Há muitos ruídos ou sugestões para que o governo faça algumas exceções e expanda o Bolsa Família no próximo ano. Isto adiciona alguns riscos. Mas nós continuamos trabalhando com os limites do teto de gastos. Mesmo que ocorram algumas exceções (de despesas), o que não seria um desdobramento positivo, não teriam a mesma magnitude do que no ano passado, quando ocorreu um maciço volume de gastos. Contudo, o problema é a recorrente discussão de criar exceções (de despesas), pois afetam a credibilidade do teto de gastos e gera uma contínua discussão se ele será ou não respeitado. Esta é a dinâmica prejudicial. Por outro lado, caso não ocorra apoio de (gastos) para o crescimento do PIB, baixarão as incertezas fiscais. Não é possível ter os dois ao mesmo tempo.

Broadcast: Seria possível ocorrer impactos desfavoráveis para o rating do País caso o governo decida por um aumento das despesas públicas para 2022 com os maiores gastos do programa Auxílio Brasil?

Samar:
Se o programa for adotado de uma forma que levantará mais perguntas sobre o teto de gastos, seria uma questão para a credibilidade da trajetória fiscal, pois seriam despesas correntes que deveriam ficar dentro do teto. Se ocorrerem exceções, haveria um desdobramento negativo de crédito (do País) com a menor confiança sobre a trajetória da consolidação fiscal e o nível da dívida pública bruta, que tem melhorado.

Broadcast: A senhora considera que o aumento das incertezas para a boa administração das contas públicas e a crise política colaboraram para que o Banco Central tenha adotado uma postura mais restritiva na condução da política monetária nos últimos meses?

Samar:
Incertezas políticas geram depreciação cambial, o que é uma forma de expressão dos investidores. Há prêmio de risco que decorre desta situação. Mas quando isto ocorre tem impacto na inflação e o Banco Central tem de reagir para conter o repasse aos preços da depreciação do real ante o dólar. E as expectativas de inflação também registram efeitos quando há enfraquecimento da moeda, o que leva o BC a reagir. A taxa de câmbio fica mais depreciada ao refletir a dinâmica política, o que exerce um papel na política monetária.

Broadcast: O ambiente político volátil, que pode piorar na medida em que as eleições presidenciais de 2022 ficam mais próximas, elimina as chances de ocorrerem reformas estruturais até o final do próximo ano?

Samar:
Possivelmente. O foco da energia política está agora sobre as investigações (do Congresso) sobre como o presidente administrou o combate à pandemia e com os riscos institucionais que estão subindo. Certamente é difícil de ver foco em grandes reformas estruturais de agora até as eleições.

Broadcast: Desta forma, a senhora não acredita que ocorrerá a reforma tributária neste período?

Samar:
Ela não está mais no cenário-base para mim.

Broadcast: Em linhas gerais, qual é seu cenário-base macroeconômico do Brasil até o final do próximo ano?

Samar:
Este ano está se encerrando e o crescimento do PIB deve ser mais forte do que em 2020, mas deve moderar no próximo ano devido ao aperto monetário. A inflação está bem alta, as taxas de juros estão subindo e assim continuarão até o final de 2021, pois ainda teremos mais alguns meses de índices de preços maiores. Para nós a dinâmica fiscal deve ficar estável, não mudamos nossas previsões de forma significativa. Estimamos um déficit nominal de 7% do PIB neste ano e talvez terá o mesmo tamanho em 2022. O resultado primário está melhorando muito neste ano. Mas os riscos políticos subiram ante ao registrado há alguns meses.

Broadcast: As incertezas políticas no Brasil atualmente são as piores desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016?

Samar:
Há diferenças entre o que ocorre agora e na crise política de 2016. Nos últimos cinco anos ocorreram muitos avanços no front fiscal como a implementação do teto de gastos, a aprovação da reforma da Previdência Social e a melhora da credibilidade da política monetária, com a Selic que chegou a 2% ao ano. Talvez todos estes progressos estão sendo muito sobrecarregados pela discussão política. Ocorreram melhoras dos fundamentos, mas há deterioração do discurso político no último ano. Em 2016 haviam fracos fundamentos que precisavam ser enfrentados, além de uma crise política grave.

Broadcast: Na sua avaliação há uma piora das tensões políticas que influenciam as perspectivas econômicas do Brasil?

Samar:
Agora é bem maior e provavelmente ficará pior ao ingressar no ano eleitoral.

Broadcast: A senhora vê mais riscos para a economia e para o rating do Brasil com um aumento dos conflitos políticos que podem ocorrer com as eleições presidenciais, certo?

Samar:
Está correto.

Contato: ricardo.leopoldo@estadao.com
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