Economia & Mercados
20/08/2020 19:45

Especial: Bancos preparam contra-ataque ao tabelamento e parcelado sem juro fica na mira


Por Cynthia Decloedt e Fernanda Guimarães

São Paulo, 20/08/2020 - Debruçados sobre o assunto há semanas, os bancos estão perto de apresentar uma proposta ao Congresso que pode ser um indutor para a cobrança de menores taxas de juros no cheque especial e cartão de crédito, sem a necessidade de um tabelamento de preços. Na mira também está o parcelado sem juro no cartão de crédito, assunto discutido há anos e que esquenta os debates neste momento. Estudos conduzidos ao lado de consultorias serão utilizados para uma resposta à aprovação no Senado de um limite de 30% ao ano do juro do cartão e do cheque especial e apresentados ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia. O assunto envolve diversas entidades do mercado que tentam buscar um consenso entre as propostas colocadas na mesa.

Considerado há anos uma distorção, herdada do cheque pré-datado, o parcelado sem juro, por exemplo, tomou conta das discussões e provoca divisão de opiniões nos debates que começaram após Maia indicar que engavetaria o projeto de lei aprovado, mas solicitou, contudo, uma "solução" por parte dos bancos.

A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), que representa as entidades de cartões de crédito e as redes de adquirência, deve levar uma proposta e quer, ainda, o consenso do mercado. Para isso, elabora um estudo, com o auxílio de consultoria terceirizada, para discutir o tema com os players dessa indústria.

De acordo com a entidade, mais de 55% do volume transacionado com cartão de credito é proveniente do parcelado sem juro, e considerando o período de 30 a 40 dias de carência após a compra, esse porcentual sobe para 76%. O diretor-executivo da entidade, Ricardo Vieira, lembra que não há incidência de juro sobre esses porcentuais e, do outro lado, 100% do risco está com os emissores de cartões e nos meios de pagamento. Isso tudo além da modalidade consumir capital dos bancos por se tratar de crédito. "Esses dados são analisados e um tabelamento pode criar outros desequilíbrios", afirmou.

A Abecs, contudo, não está sozinha. Outras entidades representantes desse segmento e com interesse no assunto discutem também atentamente o tema. Uma delas é a Associação Brasileira de Bancos (ABBC), das instituições menores e de nicho, muitos deles digitais. Embora a ideia maior seja atender o desejo dos parlamentares com uma proposta de consenso do mercado, já há calor nas discussões. Os bancos digitais, muito focados no varejo, têm defendido a manutenção do parcelado sem juro e tal proposta, inclusive, circula dentro da ABBC. A justificativa é que apesar de ser uma distorção a ser combatida, é importante para o varejo como instrumento de apelo às vendas, e não deve ser alterado exatamente nesse momento de pandemia. As fintechs cresceram de forma muito próxima ao varejo e manter o crédito do consumidor é ponto cerne para o negócio.

Uma questão é que o parcelado sem juro desenquadra a gestão dos ativos e passivos para o varejo, uma vez que os lojistas vendem a prazo longo e abastecem seus estoques com prazos mais curtos, explica o analista de bancos do Citi Brasil, Jörg Friedemann. Além disso, a modalidade pode deixar o varejista refém do próprio banco, que financia esse descasamento por meio da antecipação dos recebíveis do cartão. "O parcelado sem juro onera o comerciante", diz Friedemann. Para ele, as instituições mais vulneráveis a alterações como esta são aquelas que não têm uma oferta de serviços diversificada, como o Nubank. "Essas instituições trazem inovações e serviços interessantes ao mercado. Uma mudança rápida pode jogar contra a própria iniciativa do Banco Central de ampliar a competitividade, fazendo desaparecer players que está tentando defender", observou.

Outra questão que está sendo apresentada é que ao limitar o juro do cartão e do cheque especial, milhares de brasileiros podem ficar sem esse instrumento de crédito. Ou seja, a liquidez ficará ainda mais restrita. O sócio da PwC, Marcello Mussi, lembra que normalmente o maior onerado é o bom pagador. "O custo do dinheiro tem a ver com nível de risco e garantia, variando de acordo com produtos e segmento do mercado. Se tem crédito à sua disposição para usar quando quiser, sem precisar provar capacidade de pagamento e sem dar garantias, o crédito vai ser mais caro", afirma.

O sócio do PGLaw e professor na Universidade de São Paulo, Carlos Portugal Gouvea, afirma que a queda de juros no Brasil envolve uma série de questões e que o tabelamento não resolve os pontos que levam as taxas no Brasil a patamares tão altos. Um tema que deveria ser colocado na pauta é o das fraudes bancários, algo que cresceu exponencialmente na pandemia.

Garantia pode ser o caminho

A modernização da concessão de garantias na hora de conseguir o crédito pode ser a forma mais eficaz para reduzir o juro, algo que já é provado no consignado e no crédito imobiliário, que acabam cobrando menos do que em outras linhas. Segundo Gouvea, do PGLaw, essa pode ser a forma mais eficaz de atacar o juro alto, por meio de melhorias para o sistema de garantias. Muito já vem sendo feito pelo Banco Central, e o regulador pode tomar a linha de frente para apresentar ao Congresso o que tem sido feito, opina.

A sócia da área de Bancos e Serviços Financeiros do Mattos Filho, Larissa Arruy, frisa que o BC já vem trabalhando em questões que no fim do dia ajudam a reduzir os juros cobrados, como o aumento da eficiência do sistema. "A concorrência mais a infraestrutura e a segurança jurídica ajudarão a limitar as taxas de juros", comenta a especialista. Uma das medidas do regulador que a especialista aponta como acertada, nesse sentido, foi liberar o crédito por meio das "maquininhas", algo que também tem relação com o acesso mais fácil das garantias para o banco. "Se formos bem-sucedidos nas medidas, há uma tendência do setor de se auto regular", disse. Isso porque, frisa, o custo de crédito tende a cair com medidas como essa, que trazem eficiência, visto que também facilitam o acesso do banco às garantias prestadas na operação.

O economista e professor do Insper, Roberto Dumas, lembra que, embora o custo do crédito no Brasil seja elevado pela falta de concorrência, a falta de segurança jurídica no acesso às garantias acabam encarecendo o crédito, já que as instituições financeiras tem de constituir colchões mais elevados contra eventuais perdas.

Contato: cynthia.decloedt@estadao.com e fernanda.guimaraes@estadao.com
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso