Economia & Mercados
01/11/2021 15:07

Especial: Fed deve anunciar tapering, 20 meses após retomar compras de ativos para conter crise


Por Iander Porcella

São Paulo, 01/11/2021 - Em março de 2020, o Federal Reserve (Fed) cortou a taxa básica de juros dos Estados Unidos para a faixa entre 0% e 0,25% e anunciou um programa mensal de compras de ativos. Era o começo do pânico com a pandemia de covid-19. A percepção de que haveria uma grave crise econômica derrubava mercados mundo afora. Vinte meses depois, o banco central americano deve dar o primeiro passo para retirar os estímulos empregados para manter as condições financeiras estáveis e apoiar a economia. É consenso entre analistas que o Fed deve fazer o anúncio oficial do processo de tapering na reunião de política monetária desta quarta-feira, 3 de novembro. Investidores também devem ficar atentos a sinalizações sobre alta de juros e avaliações sobre a inflação.

No encontro de setembro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), os dirigentes debateram alguns cenários para o tapering, que é a redução gradual das compras de ativos. De acordo com a ata da reunião, o processo pode começar já em meados de novembro ou ter início em dezembro. Uma possibilidade discutida pelos membros do Fed foi diminuir as compras de Treasuries, títulos da dívida pública americana, em US$ 10 bilhões por mês e as de ativos lastreados em hipotecas em US$ 5 bilhões mensais. Analistas, em geral, apostam nesse formato.

Como o Fed compra todo mês US$ 120 bilhões em ativos, uma redução de US$ 15 bilhões por mês significaria encerrar o programa em junho ou julho de 2022. Em entrevista ao Broadcast, o economista-chefe do Julius Baer, David Kohl, diz que não faria sentido acelerar esse cronograma porque, nesse caso, poderia haver turbulência nos mercados financeiros, tudo o que o Fed não quer.

"Os dirigentes manterão a flexibilidade para ajustar o ritmo, com alguns pressionando por uma desaceleração mais rápida. No entanto, suspeitamos que a maioria dos dirigentes preferirá deixar o processo no piloto automático", diz o economista Andrew Hunter, da consultoria Capital Economics, em nota enviada a clientes.

Sinalização sobre alta de juros

No encontro de novembro, o Fed deve manter a taxa básica de juros na faixa entre 0% e 0,25%. O presidente da instituição, Jerome Powell, já disse que o objetivo é encerrar o programa de compras de ativos antes de iniciar o ciclo de elevação dos juros.

"Riscos crescentes de inflação também estão alimentando a discussão sobre uma primeira alta de juros já no próximo ano. Por enquanto, porém, o Fed tentará não alimentar mais esse debate", afirma o Commerzbank, em relatório a clientes.

Para o banco alemão, Powell se esforçará durante a coletiva de imprensa desta quarta-feira, 3, para não impulsionar ainda mais as expectativas de aperto monetário, apesar de o próprio dirigente ter se mostrado mais preocupado recentemente com a alta de preços. "Os dados de inflação no futuro próximo determinarão por quanto tempo o Fed pode manter essa linha."

De acordo com os contratos futuros monitoradas pelo CME Group, o mercado já precifica uma alta de juros em junho. Cerca de 45% das apostas indicam uma elevação de 25 pontos-base da taxa básica nesse mês, para a faixa entre 0,25% e 0,50%. Outros 38% esperam manutenção dos juros nesse período.

"Durante a coletiva de imprensa, Powell deve enfatizar novamente que o fim do tapering não significa automaticamente o início do ciclo de elevação de juros. E que as leituras de inflação alta são transitórias", diz o estrategista de renda fixa Philip Marey, do Rabobank.

O TD Securities também avalia que o comunicado do Fomc ainda deve indicar que a inflação reflete "em grande parte fatores transitórios". O Citi, por outro lado, espera que a caracterização da escalada dos preços como "transitória" seja retirada do documento oficial.

Histórico do QE

O instrumento monetário de compras de ativos é chamado no jargão econômico de relaxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês). Os efeitos na economia são sentidos de duas formas principais: ao realizar as operações, os bancos centrais aumentam a liquidez no sistema financeiro e também reduzem os juros de longo prazo, o que facilita o acesso de empresas e famílias ao crédito. De acordo com os analistas, no atual estágio da recuperação econômica, essa medida já não é mais necessária.

Foi a segunda vez que o BC dos EUA lançou mão desse instrumento. Após a crise financeira global de 2008, o Fed utilizou o QE pela primeira vez. Em 2013, quando entendeu que o programa já não era útil, a instituição anunciou o tapering. Naquela ocasião, contudo, os investidores foram pegos de surpresa e houve aversão a risco nos mercados, com saídas de capital de países emergentes. Desta vez, na visão de economistas, a comunicação do Fed foi mais eficiente.

Em dezembro de 2020, o BC dos EUA adotou um forward guidance que estabeleceu critérios para o começo do tapering. O comunicado de política monetária dizia que as compras de ativos seriam realizadas em um ritmo constante até que houvesse "progresso substancial" em direção às metas de estabilidade de preços e máximo emprego. Na avaliação do ING, com base nas declarações recentes de dirigentes do Fed, esses pré-requisitos foram atingidos.

O volume de ativos detidos pelo Fed já ultrapassa US$ 8 trilhões, o que representa mais de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA. Desde que retomou o programa de QE no ano passado, o BC americano já comprou mais de US$ 4 trilhões em Treasuries e títulos atrelados a hipotecas, segundo dados do Commerzbank. Ou seja, o balanço dobrou desde o começo da pandemia. "Antes de o Fed iniciar uma política de relaxamento quantitativo maciça durante a crise de 2007-09, seus ativos estavam em torno de 5% do PIB", compara o banco alemão.

Contato: iander.porcella@estadao.com
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