Economia & Mercados
01/06/2022 17:00

Especial: Sem reformas, cumprimento do teto dos gastos só deve ser possível até 2024


Por Cícero Cotrim

São Paulo, 01/06/2022 - Mesmo que o próximo governo não tente alterar o teto de gastos, o tempo de sobrevivência da regra deve ser curto. Considerando a manutenção, em linhas gerais, da política atual - sem reposição da inflação passada para servidores públicos nem ganhos reais para o salário mínimo -, especialistas em contas públicas ouvidos pelo Broadcast veem espaço para a manutenção da âncora fiscal até 2024, na ausência de novas reformas para controlar as despesas.

O principal fator que pesa contra a regra é o crescimento vegetativo das despesas. Nas contas da XP Investimentos, até 60% dos gastos do governo são indexados pela inflação ou crescem acima do IPCA, devido a fatores demográficos, como o envelhecimento da população no caso da Previdência Social. São, em linhas gerais, despesas obrigatórias que têm um aumento contratado no futuro, mesmo sem a adoção de medidas que propositalmente elevem os dispêndios do poder público.

Como o teto de gastos de um ano seguinte é sempre reajustado pelo IPCA acumulado entre janeiro e dezembro do ano anterior, a disparada da inflação - que deve atingir 8,90% em 2022, segundo a mediana da última pesquisa Projeções Broadcast - vai comprar espaço para a manutenção da regra no ano que vem. Mas a desaceleração prevista para o IPCA em 2023 (4,50%) e 2024 (3,14%) tende a limitar o espaço para acomodar o crescimento vegetativo das despesas à frente.

"No cenário-base, daria para manter o teto de pé até 2024", resume o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros, que leva em conta nas premissas um quadro sem aumentos reais do salário mínimo e sem recomposição da inflação passada para servidores. De acordo com o especialista em contas públicas, medidas que ampliem intencionalmente as despesas - como o subsídio de R$ 5,0 bilhões ao transporte público aprovado este ano pelo Congresso - já ameaçariam a regra antes deste prazo.

A XP tem um cenário-base similar. Nas contas do economista Tiago Sbardelotto, que acompanha o tema na corretora, o teto deve ter um crescimento médio anual de 3,5% entre 2024 e 2026, contra um aumento vegetativo de 4,7% das despesas sujeitas à regra no período, mesmo sem medidas que ampliem intencionalmente os gastos. Na prática, essas curvas implicam em um quadro no qual os dispêndios do governo superam o limite fiscal em R$ 10,0 bilhões em 2025. Em 2026, o rombo já cresceria para R$ 50,0 bilhões.



"Esse é um cenário em que temos uma elevação das despesas em linha com a inflação, sem ganho real do salário mínimo", diz o economista Sbardelotto, que inclui entre as premissas um aumento salarial para servidores em linha com o IPCA a partir de 2023, sem reajustes retroativos. "Temos um teto que cresce bem no ano que vem, em função da inflação maior, e que passa em 2024, refletindo esse processo. Mas, em 2025, já tenho dificuldade para fechar a conta."

Shutdown

A ameaça de paralisia do governo por falta de verbas é um dos principais entraves à manutenção da regra nos próximos anos, devido ao espaço já limitado para as despesas discricionárias no Orçamento. A economista-sênior da Tendências e pesquisadora associada do Ibre/FGV Juliana Damasceno observa que as últimas projeções do governo para esse tipo de gasto já sugerem um risco de shutdown da máquina pública nos próximos anos, mesmo sem medidas que pressionem ainda mais as despesas.

"O PLDO 2023 prevê claramente que os gastos obrigatórios vão superar 95% da despesa total em 2024, quando entrariam em vigor os dispositivos da PEC Emergencial, de congelamento de despesas. Com esse nível de despesas, os 5% que sobram para os gastos discricionários já são considerados insuficientes, por exemplo, para pagar conta de luz", diz a analista. Em valores absolutos, as projeções do governo sugerem queda desse tipo de despesa de R$ 155,20 bilhões este ano para R$ 93,764 bilhões em 2024.

Reformas

A manutenção do teto dos gastos até 2026 - o prazo original para a revisão da regra - exigiria reformas que alterassem estruturalmente o modelo de gastos do governo, de acordo com os especialistas ouvidos pelo Broadcast. Para Barros, da Ryo Asset, a aprovação de uma reforma administrativa nos moldes da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso e a fusão de alguns programas sociais poderiam abrir espaço para manter o limite de despesas.

"Uma reforma nos moldes da que está no Congresso pode economizar até R$ 300 bilhões em 10 anos, é uma opção que está na mesa. E tem a possibilidade de fusão de alguns programas sociais, como, por exemplo, o abono salarial, que custa até R$ 20 bilhões por ano e vários estudos mostram ser completamente ineficiente, por não reduzir a desigualdade", explica o economista.

Sbardelotto, da XP, também defende a mudança de benefícios como o abono salarial e nota que a revisão dos espaços para emendas parlamentares no Orçamento sozinha poderia abrir o espaço para o cumprimento do teto dos gastos até 2025. "A estrutura de gastos poderia ser revista, por exemplo, para acabar com as Emendas de Relator, que são uma discrepância no nosso País", afirma.

Contato: cicero.cotrim@estadao.com
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