Economia & Mercados
13/10/2021 17:00

Especial: Treasuries com vencimento em dezembro indicam novo temor de calote da dívida nos EUA


Por Iander Porcella

São Paulo, 13/10/2021 - Em meio ao impasse sobre o teto da dívida dos Estados Unidos, os rendimentos dos Treasuries de longo prazo não dispararam. Isso mostra que o mercado espera uma solução mais definitiva para a disputa política entre democratas e republicanos. No entanto, os investidores se preparam para um possível calote do país, pela primeira vez na História, em compromissos de curto prazo. Esse cenário se reflete na alta dos juros de T-bills com vencimento para logo depois do dia 3 de dezembro, quando o Tesouro americano possivelmente ficará sem capacidade de cumprir obrigações de dívida.

Na noite desta terça-feira, a Câmara dos Representantes aprovou o projeto que garante um aumento de US$ 480 bilhões no limite de endividamento do governo americano. Foram 219 votos favoráveis e 206 contrários. A proposta, que resolve o problema apenas de forma temporária, já havia passado no Senado, por 50 a 48 votos, com duas abstenções. Agora, o foco do mercado financeiro deve se manter nas negociações para que o teto seja elevado em um prazo maior.

"Os mercados e os políticos permanecerão focados no dia 3 de dezembro, quando o Tesouro precisará mais uma vez usar o dinheiro em caixa e medidas extraordinárias para cumprir suas obrigações", ressalta o Citi, em relatório assinado pelos economistas Andrew Hollenhorst, Veronica Clark e Isfar Munir.

A movimentação na renda fixa tem sido intensa desde que o imbróglio cresceu. Na semana passada, os juros de T-bills com vencimento para depois de 18 de outubro dispararam. Isso ocorreu porque a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, havia dito que o governo poderia dar calote a qualquer momento depois dessa data, caso o teto para emissão de dívida não fosse elevado.

No entanto, esses rendimentos de curto prazo passaram a recuar quando o líder do Partido Republicano no Senado, Mitch McConnell, ofereceu um acordo para que os democratas aprovassem por maioria simples na Casa a elevação do teto em US$ 480 bilhões, o que afastou o risco de inadimplência neste mês. Como o Tesouro calcula que esse montante deve bancar as emissões de títulos públicos até 3 de dezembro, a precificação do calote, por meio da alta dos juros de T-bills, se deslocou para o final do ano, segundo analistas do TD Securities, Citi e Oxford Economics.

"O mercado de títulos do Tesouro vê a capacidade de tomar empréstimos após o início de dezembro como limitada. O risco de default não foi embora, mas em vez disso foi alterado em algumas semanas", afirma o economista John Canavan, da Oxford. "À medida que o prazo se aproxima, os rendimentos das T-bills para dezembro e início de 2022 devem aumentar ainda mais."

Após fechar o acordo com os democratas, McConnell enviou uma carta a Biden em que se nega a fazer parte de um segundo pacto para suspender o teto até dezembro de 2022, como quer a Casa Branca. "A política fiscal dos EUA, portanto, deve voltar às manchetes em algumas semanas", dizem os economistas Bernd Weidensteiner e Christoph Balz, do Commerzbank.

Para passar o aumento do limite de dívida no Senado, onde a regra chamada de filibuster só permite a aprovação da maioria dos projetos com um mínimo de 60 votos favoráveis, foi necessário que 10 republicanos se unissem aos governistas para derrubar a obstrução. Assim, a legislação, de fato, foi aprovada por maioria simples apenas com votos dos democratas.

O partido de Biden tem 50 dos 100 assentos do Senado, mesma quantidade de cadeiras dos republicanos. A maioria vem com o voto de desempate da vice-presidente Kamala Harris, que acumula o cargo de presidente da Casa. Sem a cooperação de McConnell para suspender o filibuster, os democratas provavelmente terão de passar uma nova extensão do teto por meio da "reconciliação", um dispositivo orçamentário que permite a aprovação de projetos ligados ao orçamento por maioria simples.

Os governistas defendem uma elevação do teto com apoio bipartidário, como é tradicional, mas, a um ano das eleições de meio mandato, os republicanos querem que a pecha de aumentar a dívida pública recaia apenas sobre a legenda rival.

O processo de "reconciliação" no Senado, que permite a apresentação de emendas aos projetos, pode levar duas semanas para ser concluído. "Isso significa que a preocupação do mercado pode aumentar novamente em meados de novembro (duas semanas antes de 3 de dezembro) se não houver progresso para uma solução", alertam economistas do Citi.

Embora 3 de dezembro seja o "ponto focal", como define o Citi, alguns analistas dizem que o governo teria como não furar o teto por algumas semanas além dessa data. O banco americano calcula que há, atualmente, cerca de US$ 100 bilhões em caixa. Com a soma de outras medidas extraordinárias, o montante para pagar dívida depois de terminados os US$ 480 bilhões aprovados pelo Congresso, segundo o Citi, seria de US$ 250 bilhões. "Grandes entradas de impostos em dezembro significam que o Tesouro provavelmente poderá cumprir todas as suas obrigações até 3 de janeiro", preveem os economistas.

Democratas divididos

O foco agora, na avaliação do Commerzbank, está na união dos democratas. Isso porque o partido precisa de alinhamento para atuar em matérias como essa no Congresso, em um momento no qual há disputas internas. Ao mesmo tempo em que procuram uma solução para o teto da dívida, os governistas tentam avançar com a agenda econômica de Biden. Um pacote de US$ 1 trilhão para investimentos em infraestrutura, que recebeu apoio dos republicanos, já passou no Senado, mas está parado na Câmara.

A chamada "ala progressista" do partido, ligada à esquerda, se recusa a votar a favor do plano bipartidário de gastos em obras sem antes receber a garantia de que uma proposta mais ampla, de US$ 3,5 trilhões, também será aprovada. Esse segundo projeto tem foco social e reúne boa parte das medidas de combate à mudança climática que ficaram de fora do primeiro, mas que foram prometidas por Biden na campanha eleitoral de 2020. No entanto, a "ala moderada", representada pelos senadores Joe Manchin e Kyrsten Sinema, quer uma redução do montante para US$ 1,5 trilhão.

O acordo de curto prazo para o teto dá mais tempo para que os democratas cheguem a um consenso sobre a agenda de Biden, chamada de Build Back Better. "Em outras palavras, teremos um descanso tranquilo em outubro às custas de um novembro muito agitado", afirma o chefe de pesquisa em renda fixa do Julius Baer, Markus Allenspach. Até o dia 3 de dezembro, o Congresso também terá de aprovar um novo orçamento para evitar o shutdown, que é quando ocorre uma paralisação parcial da máquina pública por falta de recursos para o funcionamento das agências federais.

Contato: iander.porcella@estadao.com
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