Economia & Mercados
08/12/2021 11:00

Especial: Caçadores de 'hits', sacoleiros digitais já não perambulam pela rua 25 de Março


Por Talita Nascimento

São Paulo, 08/12/2021 - Ao rolar a linha do tempo das redes sociais, é quase impossível não se ver preso a alguns vídeos hipnotizantes de produtos de utilidade doméstica, beleza, ou mesmo do já famoso "pop it", uma espécie de brinquedo relaxante para crianças de todas as idades. A maior parte desses vídeos têm uma origem parecida. Garimpados em sites como o AliExpress e a Shopee, ou por meio de importação simplificada, esses produtos vêm, em grande parte, da China para cá e são reembalados em peças de marketing digital como essas. A venda é feita pelas próprias redes sociais ou em marketplaces locais.

Ignácio Melo, sócio da Inspeção China, empresa de consultoria e capacitação para importação, conta que recebe muitos varejistas que atuavam como sacoleiros digitais, importando produtos para revenda como pessoas físicas. No entanto, quando esses comerciantes informais começam a ganhar volume de vendas, as maiores plataformas de marketplace passam a exigir a emissão de notas fiscais e, então, a formalização se torna uma necessidade.

Ignácio Melo, sócio da Inspeção China, em seu estúdio caseiro para geração de conteúdo em Minas Gerais. Crédito da foto: Ignácio Melo/arquivo pessoal

"A maioria das pessoas que atuavam como sacoleiros digitais chegam dizendo que querem legalizar a operação. 'Do jeito que está, não consigo escalar', eles falam", conta Melo. Pessoas físicas podem importar sem tributação até US$ 100 em produtos. O consultor explica que, mesmo respeitando esse limite por operação, os vendedores passam a ter uma frequência de vendas que faz com que os principais marketplaces exijam um CNPJ e notas fiscais. A partir daí, haverá aqueles que buscam formalização e outros que passam a vender em plataformas que não têm o mesmo nível de governança ou de maneira informal nas redes sociais.

Mais difícil ainda de mensurar é o "drop shipping", modalidade em que o vendedor anuncia em seu site próprio e com margens vantajosas produtos que ele não tem no estoque. Ao receber a ordem de compra de seu cliente, ele faz a encomenda no site de cross border com os dados de quem comprou em seu site. Assim, ele obtém lucro sem arcar com custos e riscos de armazenagem de produtos. No entanto, creditar a compra internacional ao consumidor final, sem declarar seus ganhos de intermediário, vai contra a legislação vigente.

Seja em uma versão digital de camelôs ou com um negócio já estruturado para fazer importações dentro das regras, o processo é o mesmo: encontrar produtos promissores no mar de opções chinesas (ou de outras nacionalidades) e revendê-los. O segredo está em fazer uma boa seleção por meio de inteligência de dados e caprichar na divulgação digital. Ou seja, quem consegue boas cifras com esse tipo de comércio costuma ter maior capacitação e conhecimento.

No Instagram e no TikTok há uma porção de influenciadores que se dedicam a ensinar os novos comerciantes a fazer essas importações digitais. Eles vendem cursos para ensinar a achar bons fornecedores na importação simplificada, e, também, a fazer as compras como pessoa física ou a elaborar processos de drop shipping. Além disso, dão dicas de como encontrar os produtos campeões de vendas. Com 13,5 mil seguidores no Instagram, Melo, da Inspeção China, só produz conteúdos sobre importação para quem quer fazer os trâmites dentro da lei. Como dica, ele aconselha que os comerciantes chequem as listas dos produtos mais vendidos de plataformas como o Mercado Livre, Amazon e AliExpress.

Melo afirma que, por meio do processo legal chamado de importação simplificada, na qual o comerciante com CNPJ pode importar até US$ 3 mil em produtos, é possível encontrar bons fornecedores para chegar ao mercado com preços competitivos. Nesse regime de tributação, paga-se 60% de alíquota sobre o valor aduaneiro da importação. Apesar do porcentual alto, a opção vale a pena pela simplicidade de execução. É possível que o comerciante faça essa transação sozinho sem contratar funcionários ou empresas especializadas, além disso, elimina-se custos de operação da importação tradicional que envolve, por exemplo, o aluguel que se paga no porto até que seus produtos sejam liberados.

O fim da 25

"Você não consegue bater de frente com quem não paga imposto, mas dá para chegar perto", diz Melo. Para ele, o segredo está em tirar os intermediários do processo. Na prática, o sacoleiro que antes se abastecia na 25 de março passa a comprar diretamente de fornecedores chineses por meio de sites como o Alibaba. Mesmo pagando um imposto pesado, o revendedor ainda consegue preços interessantes em produtos leves, além de vender em maior escala em grandes marketplaces, sem os custos da venda física.

Para o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, esse pode ser o fim do comércio de importados no comércio físico tradicional do centro da cidade. "Hoje, tudo o que se vende na 25 de março, na galeria Pagé ou em outras galerias pela cidade já se acha igual ou mais barato nos marketplaces", afirma. Ele concorda, porém, que a janela tributária de muitos desses revendedores que importam produtos é suspeita e que os números desse segmento ainda não estão totalmente claros.

Para Marcelo Mouawad, porta-voz da União dos Lojistas da 25 de Março e Adjacências (Univinco), esse tipo de concorrência não está sujeita às mesmas regras que os comerciantes da região. "Eles não estão sujeitos à mesma tributação que estamos e, mesmo que paguem impostos, há certificações, obrigações em relação ao código de defesa do consumidor que muitas vezes eles não atendem", argumenta.

Ele pontua que a fiscalização exige, para determinados produtos certificados do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (InMetro), do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), além de manuais de instrução e contato de atendimento ao consumidor em português, dentre outras exigências relativas ao Código de Defesa do Consumidor. "São obrigações que criam custos e impactam no valor do produto e que esses outros vendedores muitas vezes não cumprem", diz.

De fato, Ignácio Melo, da Inspeção China, diz que muitos importadores não cumprem à risca regras de etiquetagem, por exemplo. Pela lei, os rótulos dos produtos deveriam ser traduzidos, mas ao vender diretamente ao consumidor final, sem passar por uma loja física, muitos comerciantes pulam essa exigência. Outro exemplo em que os direitos do consumidor não são respeitados em sua totalidade são os tipos de produtos importados. Para importar e revender brinquedos no País, seria preciso atender a certificações citadas por Mouawad. Na prática, porém, o mais novo hit infantil, o "pop it" chega a ser importado na categoria de forminha de gelo, tudo para não precisar cumprir as exigências que aumentariam seu custo.

Segundo os dados mais recentes da NielsenIQ Ebit, o crossborder, que acontece quando o consumidor final adquire produtos de fora do país via e-commerce, atingiu R$ 9,6 bilhões de faturamento no primeiro semestre de 2021. Ou seja, se descontada a inflação do período. No ano passado, porém, o segmento cresceu 76% em relação a 2019. Ao todo 52% dos consumidores brasileiros afirmam comprar no crossborder. O tíquete médio das transações na primeira metade de 2021 foi de R$ 136, sendo que 37% dos consumidores dessa modalidade fazem de duas a três compras anuais nesse formato.

Em junho deste ano, o responsável pela operação brasileira do AliExpress, Yan Di, disse ao Broadcast que o consumidor brasileiro médio do AliExpress é adulto, tem 35 anos e chega a consumir até R$ 1.900 por mês no e-commerce. Pelo volume de compras dos clientes, estima-se que boa parte deles compre para revender os produtos em outros marketplaces. "Você escolhe se compra nossos produtos diretamente dos nossos vendedores ou de vendedores em outros marketplaces", disse o executivo. Procurada pela reportagem para comentar o fenômeno dos sacoleiros digitais que utilizam sua plataforma, a empresa afirmou em nota que "todos os produtos disponíveis no marketplace do AliExpress para o mercado brasileiro são vendidos de acordo com a legislação local". Procurada, a Shopee não se pronunciou.

Contato: talita.ferrari@estadao.com
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