Economia & Mercados
11/03/2024 09:45

Entrevista/AS-COA/Susan Segal: a mulher precisa dizer 'estou pronta'


Por Aline Bronzati, correspondente

Nova York, 08/03/2024 - Apesar de 2024 ser o maior ano eleitoral da História, o único país onde é certo que terá avanço em paridade de gênero é o México, onde duas mulheres concorrem pela presidência. Por outro lado, o setor corporativo é um "desastre absoluto", diz a presidente da Americas Society/Council of the Americas (AS/COA), Susan Segal, em entrevista exclusiva ao Broadcast.

Com larga experiência no setor financeiro e corporativo, ela comanda a AS/COA há 20 anos. A instituição, localizada em um edifício histórico na 680 Park Avenue, em Nova York, é considerada a casa da América Latina nos Estados Unidos. Conhece a região como poucos e diz que nunca esteve tão otimista como agora. Mas, quando o assunto é paridade feminina, ainda vê muito trabalho pela frente. Abaixo, os principais trechos da entrevista:


Foto: Divulgação

Broadcast: Pesquisas mostram um cenário menos pior em termos de desigualdade de gênero, mas a participação das mulheres na liderança seja ela corporativa ou política ainda continua aquém. Qual a sua visão?

Susan Segal:
O México é um bom exemplo e alcançou a paridade de gênero no setor público. Isso ocorre em parte porque há uma citação implícita de que as mulheres precisam ser colocadas em cargos no setor público. Precisamos de mulheres no Congresso, ministras. Mas, no setor privado, é um desastre absoluto. Esse ano será transformador porque haverá uma mulher presidente no México e acho que isso têm um enorme impacto. Temos uma mulher na presidência do Peru, de Honduras, na vice-presidência da Argentina, no ministério do Interior no Chile.

Broadcast: O que tem motivado esses avanços?

Segal:
As pessoas não estão fazendo isso para garantir a paridade, mas porque você tem um governo melhor, assim como nos negócios é possível ter um resultado melhor com mais diversidade. A paridade de gênero leva a decisões boas e melhores porque você tem perspectivas diferentes. Acho muito interessante ver como o setor público realmente se uniu a isso. O setor privado precisa avançar também.

Broadcast: E quanto ao Brasil?

Segal:
O Brasil tem um monte de mulheres ministras. Eu me reuni com a ministra da Cultura [Margareth Menezes]. Ela é extraordinária. E as pessoas pensam que o ministério da Cultura é suave, mas não é. O ministério da Cultura regula a indústria da mídia. Esse é um grande negócio. E a Simone Tebet [ministra do Planejamento]. Há muitas mulheres poderosas. Também me encontrei com a ministra das Mulheres [Cida Gonçalves]. Acho que estamos começando a ver em vários países mais mulheres no setor público, e espero que isso impulsione o setor privado.

Broadcast: Quais países são exemplos de verdadeira paridade de gênero?

Segal:
Os lugares onde temos visto paridade por um longo período de tempo são em alguns dos países escandinavos, onde empresas têm cotas. Eu não sou particularmente a favor das cotas, porque não creio que isso resolva realmente o problema. Cotas transitórias por dois ou três anos podem ajudar. Nos Estados Unidos, atingimos algo em torno de 40% dos cargos de diretorias mulheres e agora caímos para 36%. Estamos indo na direção errada nas empresas quando o assunto é paridade de gênero. Chegar à paridade é muito, muito importante nos conselhos de administração, não apenas para parear homens e mulheres, mas porque precisamos de mais diversidade. Alguns me dizem que é uma ideia louca, mas não é.

Broadcast: Por quê?

Segal:
Porque mais diversidade ajuda a tomar melhores decisões e é isso o que os conselhos deveriam fazer. Precisamos de mais discussão, mais diversidade não só no aspecto de gênero, mas também étnico.

Broadcast: Em recente eleição para diretores do Banco Central, uma mulher saiu e não foi reposta. Hoje, a diretoria tem apenas uma mulher de um total de 12. Faz parte da transição ou não há razão para isso?

Segal:
Não há razão para não haver mulheres nos cargos e eu fico muito exasperada com pessoas que me dizem que não são mulheres qualificadas, porque esse não é o caso. A diretoria dos bancos centrais ou qualquer outra deveria ter ao menos de 25% a 30% de mulheres, embora o ideal fossem 50%. Não há desculpa para que pelo menos o mínimo seja alcançado.

Broadcast: Quais os principais desafios hoje?

Segal:
Há dois desafios. O primeiro é convencer os homens, mudar o status quo e colocar mais mulheres. O segundo é garantir que haja mulheres sendo promovidas em todo o sistema, para garantir que você tenha o número certo de mulheres para ocupar os conselhos, os bancos centrais etc. Porque se você reparar, são sempre as mesmas pessoas e, muitas delas, são homens velhos brancos. E existem várias razões para isso.

Broadcast: Quais?

Segal:
Uma delas é que as empresas usam headhunters, mas esses profissionais não gostam de correr riscos. E, para alguns deles, colocar uma mulher em um conselho realmente importante é um risco potencial para um cliente. E também acho que há uma rede antiga de recrutadores, e isso tem que mudar. Existe esse gargalo. Outro é que a mulher precisa dizer 'estou pronta'. Um homem não hesita em dizer 'estou pronto. Aqui estou. Deixe-me entrar'. E uma mulher diz: 'Bem, ainda não estou pronta. Estarei pronta em breve, mas preciso de um pouco mais de experiência'. Aposto que eles são igualmente qualificados e com a mesma experiência.

Broadcast: 2024 é um super ano de eleições no mundo. Esse quadro de desigualdade de gênero pode melhorar após as urnas? Quais as suas expectativas

Segal:
A resposta é: eu não sei. Se tivéssemos algum bom senso, teríamos mais mulheres nas disputas. Em termos de resultado, o único lugar onde tenho certeza que teremos uma mulher é no México.

Broadcast: Nos EUA, a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley desistiu da corrida pelo partido Republicano nesta quarta-feira. A senhora acredita em uma mulher presidente no futuro, talvez, a vice-presidente Kamala Harris?

Segal:
Há uma série de mulheres incríveis em potencial. Kamala é apenas uma. Tem a atual secretária de Comércio, Gina Raimondo, a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, a senadora Amy Klobuchar. E do lado republicano também. Olhe para Nikki Haley, mas existem outras. Precisamos de uma reforma política, limites de mandato, de idade no governo federal, de diversidade a nível local. Pense em um país do tamanho do Brasil, onde você só tem duas governadoras. Temos de pressionar de cima para baixo, mas de baixo para cima para obter mudanças.

Broadcast: E no setor privado?

Segal:
No setor privado, precisamos parar de pensar que a paridade significa que há tantas mulheres a trabalhar em uma empresa como homens. Isso não é paridade. É apenas paridade quando você começa a olhar para todos os diferentes níveis dentro da organização. Se não há mulheres em cargos de CEOs ou CFOs ou liderando uma área, você não tem paridade. É apenas uma falsa ilusão de paridade e isso leva nos leva de volta à educação e o fato de que precisamos de algo mais forte.

Broadcast: No Brasil, tivemos o impeachment de Dilma Rousseff, primeira mulher presidente. Há questionamentos sobre a influência machista neste processo. Qual a sua visão?

Segal:
Eu não tenho certeza se isso procede para ser bem franca.

Broadcast: Por quê?

Segal:
Posso estar errada. Eles podem ter sido um pouco mais duros com ela porque era uma mulher, mas, se alguma das acusações era verdade, então, estava certo. É muito fácil dizer que o resultado foi porque ela é mulher. A questão é: o mesmo padrão teria sido aplicado aos homens? Se olharmos para vários presidentes no Brasil que estão sendo processados, o padrão foi de certa forma igual. Eles só estão sendo processados depois. Acho que é desculpa dizer que isso [o impeachment da Dilma] só aconteceu porque ela é mulher.

Broadcast: A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, lidera o debate da agenda verde. Qual diferença de ter mais mulheres nesse processo?

Segal:
O presidente Lula ter a colocado como líder nessa agenda mostrou uma enorme quantidade de insights. A Marina Silva não só é essa mulher incrível no Brasil, ela tem credenciais mundiais, é conhecida em todos os lugares por sua crença nessa agenda. A agenda verde será melhor cumprida com a diversidade à mesa do que apenas com os homens, e a Marina é um bom exemplo disso.

Broadcast: Qual a sua visão sobre o potencial do Brasil, da América Latina nessa frente?

Segal:
Estou bastante otimista. A América Latina tem tudo o que o mundo precisa neste momento. Tem comida, todos os tipos de alimentos. Tem energia tradicional, verde, e tem capacidade. Ninguém acredita que se desista da energia e do gás tradicionais logo no primeiro dia e passe para a agenda verde. É uma transição, mas há poucos lugares tão bem posicionados para isso. Países como Brasil, Argentina estão perfeitamente posicionados e possuem uma série de minerais estratégicos que são críticos para o mundo. Então, estou muito otimista.

Broadcast: E quanto aos desafios?

Segal:
Acho que o maior e mais importante desafio é a infraestrutura jurídica, regulatória. É necessário consistência e uma estrutura onde os investidores possam entrar e ter confiabilidade no futuro, porque muitos desses projetos não são de curto prazo. Então, você precisa ter a confiança de que as regras do jogo serão as mesmas.

Broadcast: Como os investidores estrangeiros estão olhando para o Brasil?

Segal:
Há um otimismo em relação ao Brasil. O Brasil tem escala e estabilidade política, conseguiu consenso em torno de algumas das questões importantes como a reforma tributária, está trabalhando em uma agenda positiva, há empresas com uma escala enorme, empreendedorismo, empresas de tecnologia, uma população que consome e, conforme o Brasil cresce mais, terá mais consumo. O Brasil tem uma força de trabalho qualificada, minerais, agricultura, indústria. Ao investir no Brasil, você pode ter todos os consumidores que precisa sem ir a nenhum outro país. E acho que isso o torna muito, muito atraente para um investidor.

Broadcast: Investidores estrangeiros estão preocupados com a influência estatal do governo Lula na economia brasileira?

Segal:
Não é sobre a participação estatal. Eu acho que as pessoas entendem isso muito errado. É sobre governança corporativa, sobre a governança de uma empresa. Como você vai administrar uma empresa? Esse é um grande problema não somente no Brasil, mas na América Latina. Diversidade ajudaria a resolver este problema na governança corporativa.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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