Economia & Mercados
30/06/2020 08:50

Analistas divergem sobre efeitos da compensação de renda na retomada da atividade


Por: Thaís Barcellos e Cícero Cotrim

São Paulo, 30/06/2020 - Com as medidas de suplementação de renda do governo e as restrições ao consumo em meio à crise do coronavírus, a caderneta de poupança tem batido recordes de captação, indicando precaução das famílias neste momento de elevada incerteza, avaliam os especialistas consultados pelo Broadcast. Para alguns, a caderneta mais gorda pode indicar que a taxa de poupança do País deve seguir em alta, favorecendo a retomada econômica. Mas a maioria dos economistas ouvidos observa que a crise deve ter consequências mais duradouras, principalmente no mercado de trabalho e na renda, o que pode dificultar a recuperação do consumo e do investimento.

Até o momento, o IBGE reportou queda de 3,1% na massa de rendimentos do trabalho no trimestre encerrado em abril ante o período finalizado em março, quando havia caído 2,2%, segundo cálculos de Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV. Mas a estimativa do BC de massa de rendimentos ampliada a partir de abril até agosto, considerando os recursos extraordinários, mostra aumento.

Juntos, os orçamentos já aprovados do benefício emergencial (R$ 152,640 bilhões) e do auxílio aos trabalhadores formais que tiveram redução de salário ou suspensão de contrato (de cerca de R$ 51,640 bilhões) somam mais de R$ 204,280 milhões em suplementação de renda dada pelo governo nesta crise, ou em torno de 2,8% do PIB. E ainda podem ser estendidos. Desse montante, cerca de R$ 107,286 bilhões já saíram dos cofres públicos desde abril. De lá até agora, dados fechados da captação líquida da poupança mostram recordes na série histórica do Banco Central, iniciada em 1995 (de R$ 30,5 bilhões em abril e R$ 37,2 bilhões em maio).

O consumo, por sua vez, mostra redução significativa, conforme as quedas históricas do varejo ampliado (-17,5%) e dos serviços (-11,70%) em abril ante março (com ajuste sazonal). De acordo com os cálculos do Itaú Unibanco, houve queda de 7,4% do consumo das famílias em abril, primeiro mês mais afetado. No primeiro trimestre, a queda foi de 2,0% no Produto Interno Bruto (PIB).

"Que o auxílio está ajudando é quase um consenso. A questão é depois. Alguns acham que vai funcionar como um empurrão para a economia, como quando você empurra um carro e ele continua andando sozinho depois, e outros acreditam que, quando for retirado, o combustível vai acabar e as coisas pioram", resume o economista Fábio Romão, da LCA Consultores.

Do lado da visão mais otimista, está a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, que estima retração do PIB de 4,5% este ano, com queda de 5% do consumo das famílias, e recuperação de 3,9% da economia em 2021. Ela destaca que a taxa de poupança na economia já cresceu no primeiro trimestre, de 12,2% para 14,1%, e que deve continuar subindo entre abril e junho, conforme os dados da caderneta de poupança, dos depósitos e de outras aplicações do sistema financeiro.

Para a economista, esse aumento da taxa de poupança é resultado de uma combinação da suplementação de renda dada pelo governo, que, como estima o BC, aumenta a massa de rendimentos ampliada da população brasileira em geral - ainda que muitas famílias estejam em dificuldade - com as restrições ao consumo diante do isolamento social.

"Se o Brasil sai da crise com as famílias com liquidez, esse é um ótimo impulso para estimular o consumo e auxiliar a retomada, mas isso está condicionado ao controle da pandemia. Acreditamos que isso não está nas expectativas de atividade e de recuperação [do mercado]", diz ela, acrescentando que essa renda extra vai servir como impulso à retomada, possibilitando que as empresas voltem a contratar, o que, de fato, deve sustentar o crescimento.

Essa hipótese também é considerada pelo Banco Central, que, no Comitê de Política Monetária (Copom) de junho, afirmou que as medidas de estímulo creditício e de recomposição de renda podem provocar uma queda da demanda menor do que a estimada atualmente.

Em busca de rentabilidade, Rafaela também acredita que, sem destruição de renda na crise e com a taxa de juros na mínima histórica, os brasileiros devem continuar buscando investir em papéis de empresas, o que significa transferência desses recursos financeiros para a economia real.

"O número de CPFs na Bolsa chegou a quase 2,5 milhões em maio, com aumento de 800 mil só este ano em meio à crise. Esse recurso aplicado na Bolsa, que vai estimular os IPOs, assim como os mercados de capitais, no sentido de debêntures, CRI, CRA, é destinado à economia real."

O economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, concorda que o auxílio emergencial tem compensado a perda de renda na crise, mas acredita que, quando esse benefício acabar, as pessoas tendem a continuar mais precavidas, gastando menos, antevendo períodos mais difíceis à frente, dado que a taxa de desemprego deve continuar elevada.

"Sair da crise vai ser bem desafiador. Agora, a queda está sendo atenuada por causa dos estímulos fiscais. No entanto, esses incentivos são temporários e, quando forem retirados, vão ter o efeito contrário. Do mesmo jeito que traz um incentivo positivo este ano, vai ter negativo no ano que vem quando acabar, ou já no quarto trimestre."

Nas contas da equipe do Boletim Macro do Ibre/FGV, em 2020, mesmo depois dos benefícios do governo, a massa de rendimentos, considerando renda do trabalho, benefícios de proteção social e previdenciários, ainda deve cair 8,8%. Sem as medidas, que incluem além do auxílio para informais e beneficiários do Bolsa Família e o "antidesemprego" para trabalhadores formais, também os saques do FGTS, a queda seria de 16%.

"Não acho que vai aumentar muito o consumo porque as famílias estão poupando, acho que vai ser difícil a retomada. Apesar desse aumento da taxa de poupança, o segundo semestre ainda vai ter a renda impactada pela pandemia, porque vai ter o fim dos auxílios e das antecipações e porque a recuperação do mercado de trabalho não deve ser tão rápida", diz a pesquisadora Luana Miranda, do Ibre. O Instituto aguarda queda de 6,4% do PIB este ano, com recuo de 9,7% do consumo, e retomada de 2,5% em 2021.

Para Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores e pesquisador do Ibre, o choque negativo de renda pelo aumento do desemprego e pela redução de salários pode fazer com que famílias e empresas consumam suas reservas ou mesmo se endividem para atravessar o período mais crítico do isolamento social, o que desloca o efeito de elevação da poupança para a saída da crise. "Isso pode levar a uma balance sheet recession [recessão de balanço], um momento no qual é possível que a prioridade das famílias e empresas seja reconstituir a poupança consumida e pagar o endividamento construído nesses meses de lockdown, e não consumir, nem investir", observa.

Com a incerteza provavelmente ainda elevada, a tendência é de que as famílias optem por investimentos mais seguros e com maior liquidez, a exemplo da caderneta de poupança. "O efeito, em termos de Produto Interno Bruto (PIB), significa consumo e investimento não voltando tão rapidamente, e a potência da política monetária mais fraca", afirma. "Mesmo que a renda volte ao que era antes da crise, vamos ter aplicações muito conservadoras num primeiro momento. Depois, em meados do ano que vem, os efeitos do juro real praticamente zerado ou até negativo podem começar a deslocar essa poupança para ativos mais vantajosos", conclui o economista.

Contato: thais.barcellos@estadao.com; cicero.cotrim@estadao.com
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