Economia & Mercados
12/08/2022 19:33

Especial: guerra na Ucrânia ajudará no esfriamento do mercado imobiliário na Europa


Por Letícia Simionato e Gabriel Bueno da Costa

São Paulo, 12/08/2022- O arrefecimento do mercado imobiliário da Europa, que também atinge os Estados Unidos e países emergentes, além de ser impactado pela escalada de juros, deve sofrer com agravantes oriundos da guerra na Ucrânia, como a crise no fornecimento de energia. Essa é a opinião de analistas consultados pelo Broadcast.

Levantamento da Eurostat mostra que os preços das casas subiram 9,8% na zona do euro e 10,5% na União Europeia (UE) no primeiro trimestre de 2022, em comparação com o mesmo trimestre de 2021. No período de 2010 até o primeiro trimestre de 2022, na UE, os aluguéis aumentaram 16,9% e os preços das casas 44,7%. Além disso, em maio, o Banco Central Europeu (BCE) alertou, em seu relatório de estabilidade financeira, para a alta probabilidade de "reversão substancial nos preços" do mercado imobiliário diante do aumento dos juros na zona do euro para conter a inflação. Além do aperto monetário, o ajuste nos preços de residências pode refletir o "retorno a modalidades de trabalho anteriores à pandemia", além de outros fatores como uma mudança na preferência de investidores ou uma deterioração no sentimento por risco devido a conflitos geopolíticos e/ou mudança climática.

Em entrevista ao Broadcast, o economista da Oxford Economics Rory Fennessy destacou que os preços aumentaram bastante em grande parte da Europa desde a pandemia. Ele explica que o mercado imobiliário europeu começará a esfriar ainda mais a partir do segundo trimestre deste ano, parcialmente devido a efeitos de base desfavoráveis após "um crescimento incrivelmente forte entre o segundo e o quarto trimestre de 2021". Além disso, "novos ventos contrários relacionados à guerra na Ucrânia também esfriarão o mercado imobiliário. A confiança mais fraca do consumidor e, especificamente, as principais intenções de compra moderarão a demanda por habitação, assim como taxas de juros mais altas e padrões de empréstimos mais rígidos por parte dos governos", destaca.

O especialista em zona do euro da Oxford Economics Ricardo Amaro ressalta que os dados dos últimos meses estão incompletos, mas os números mensais sobre o crescimento dos preços da habitação a nível nacional apontam para uma moderação no final do segundo trimestre, enquanto também há sinais emergentes de que as transações e a atividade de construção também estão esfriando. "As taxas de juros de novas hipotecas começaram a subir mais visivelmente em março e agora estão, em média, quase 60 pontos-base acima dos níveis do início de 2022. Então, esse tem sido um fator-chave, mas os desafios relacionados à acessibilidade da habitação e às pressões do custo de vida também desempenharam um papel", comenta.

O economista Fábio Tadeu Araújo, sócio dirigente da Brain Inteligência Estratégica, afirma que há uma diferença muito grande do que vive a economia americana hoje e a europeia no âmbito imobiliário. "Os EUA estão em pleno emprego, e o Fed teve de levantar a taxa de juros rapidamente para esfriar a economia. Na Europa, apesar de ser improvável um movimento de alta de juros tão forte quanto nos EUA, a crise é muito mais sensível porque o continente vive um problema de falta efetiva de gás e petróleo devido à guerra na Ucrânia", pontua. "Se conjunturalmente tiver um impacto é muito menos a taxa de juros que vai causar e muito mais uma crise econômica decorrente dos problemas europeus. Esses fatores são mais importantes para esse impacto, pois eles vão influenciar na perda da renda. No caso Europeu, a renda que está sendo corroída pela inflação impacta o poder aquisitivo", completou.

O sócio e diretor do GRI Real Estate, Leonardo Di Mauro tem opinião semelhante. "O movimento que acontece nos EUA se acentua na Europa por causa da crise energética. Então, pensando em uma crise imobiliária, é ainda mais complicado sair do que se comparado ao Brasil e EUA".

"Embora o mercado imobiliário deva esfriar este ano, acreditamos que uma correção acentuada nos preços das casas é improvável, desde que a zona do euro evite uma recessão. A escassez contínua de materiais também está apoiando os preços das casas no lado da oferta, mesmo com a demanda esfriando", analisa Fennessy. "Enquanto não houver uma recessão, uma queda ainda maior na renda disponível real do que o esperado ou um aumento acentuado no desemprego, o mercado imobiliário deve apenas esfriar, em vez de corrigir abruptamente", reforça.

Para Amaro, o principal efeito direto é a redução do investimento em habitação. "Mas uma diferença crítica em relação ao período pré-crise financeira global é que o último aumento nos preços das casas não coincidiu com um boom na construção, de modo que a economia da zona do euro não está excessivamente exposta a esse setor", pondera.

Diferenças entre países

Araújo pontua que o continente europeu é composto por muitas diferenças entre os países no sentido do desempenho das economias. "Existe uma diferença de legislação local, que é como cada país estimula ou não o mercado imobiliário. Na França, por exemplo, cerca de 12% dos imóveis pertencem ao governo federal. Já na Inglaterra, há zero programas habitacionais e cada vez mais as famílias ficam endividadas para poder comprar imóveis. Existe um nível de peculiaridade muito alto na Europa", argumenta.

Para Fennessy, os preços das casas de alguns países estão mais sobrevalorizados do que outros, como os Países Baixos e a Alemanha, deixando-os mais vulneráveis a uma correção acentuada. Amaro pontua que as taxas de hipotecas da Alemanha apresentam o maior aumento, enquanto as da França e da Espanha mostram aumentos relativamente modestos até agora. "A economia alemã também está lutando com a fraqueza contínua na indústria, ao mesmo tempo em que parece vulnerável a uma possível crise de energia no inverno. Portanto, embora esperemos que o arrefecimento do crescimento dos preços das casas seja generalizado, pode haver alguma vulnerabilidade extra em alguns países, notadamente na Alemanha".

Por outro lado, Di Mauro comenta que países como França, Itália, Reino Unido e Alemanha vão continuar com o lançamento de novos empreendimentos, pois o setor de hotéis está aquecendo. "Em países atrativos para o turismo, novos empreendimentos do setor turístico vão aparecer. O setor imobiliário não é só residencial, como um todo, ele engloba vários subsetores", prevê.

Contato: gabriel.costa@estadao.com; leticia.frigo@estadao.com
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