Economia & Mercados
23/11/2020 15:00

BCs emergentes devem manter tendência de juro baixo de olho em 2ª onda de covid


Por Thaís Barcellos e Iander Porcella

São Paulo, 20/11/2020 - Com o risco à recuperação da atividade global representado pela escalada da pandemia de covid-19, os bancos centrais de economias emergentes devem manter uma postura dovish, sem aumento de juros à vista, ainda que a inflação tenha acelerado recentemente em alguns desses países. Há espaço, inclusive, para novas flexibilizações, passado o choque inflacionário e contando com a perspectiva de juros baixos nas economias desenvolvidas por bastante tempo. A alta forte de juros na Turquia, é exceção, dizem analistas, uma vez que uma sequência de crises internas e geopolíticas levaram o BC a adotar uma postura mais hawkish.

Na semana passada, Indonésia (4,0% para 3,75%) e Filipinas (2,25% para 2,0%) surpreenderam ao voltar a cortar os juros, na contramão das expectativas do mercado. Por outro lado, a África do Sul manteve a taxa (4,50%), seguindo o México, que também interrompeu o processo de flexibilização na semana anterior. Já Turquia decidiu por aperto monetário forte nesta quinta-feira (19), de 10,25% para 15%.

Na Indonésia, o ING, um banco holandês, destaca que a inflação de 1,4% em outubro, na comparação anual, está abaixo do piso da meta do BC, que vai de 2% a 4%. Já o corte de juros nas Filipinas, nota o Brown Brothers Harriman, um banco de investimentos americano, ocorreu apesar de o BC filipino ter elevado sua projeção para a inflação em 2020. “Obviamente, o banco está reagindo à enorme queda no crescimento e ao apoio fiscal relativamente limitado até agora”, aponta a instituição financeira. No terceiro trimestre, o Produto Interno Bruto das Filipinas contraiu 11,5% em relação a igual período de 2019.

O Banxico, por sua vez, autoridade monetária mexicana, surpreendeu ao manter a taxa em 4,25% na semana passada, quando era esperado novo corte, mas a Pantheon destaca que a inflação alta, em 4,09%, na variação anual, acima da meta de 4,0%, forçou a parada. "Mas devido à severidade do choque relacionado à covid na economia, as autoridades serão forçadas a agir rapidamente, possivelmente em dezembro, uma vez que os suportes fiscais permanecem ausentes", diz o economista internacional sênior da Pantheon Macroeconomics, Andres Abadia.

Apesar de surpresas na Indonésia e nas Filipinas, e também do corte de 0,50 ponto porcentual no Egito, a consultoria inglesa Capital Economics avalia que o ciclo de flexibilização de base ampla em emergentes está diminuindo, mas pondera que as projeções de política monetária tendem a ser mais dovish do que as apontadas pelos mercados financeiros.

Segundo a consultoria, a decisão do BC da Turquia sinaliza que a política monetária permanecerá restrita por ora para combater a inflação. Com taxas próximas de zero, Polônia, Hungria e República Tcheca tem pouco espaço para cortes convencionais de juros. Mas ainda são possíveis novas reduções em 2021 no México, Rússia, Índia, Indonésia e Filipinas. "Além disso, mesmo depois que os bancos centrais encerrarem os ciclos de afrouxamento, uma lição da última grande desaceleração global em 2008-2009 é que os aumentos demoram a entrar na agenda."

O JPMorgan também reconhece que o fortalecimento da inflação no último trimestre forçou vários bancos centrais emergentes a diminuir o ritmo ou parar os ciclos de corte de juros, o que levantou preocupações de que um movimento de aperto monetário poderia estar a caminho, contrariamente do que indicaria a recuperação incompleta das economias. Segundo o JP, o receio era de que a combinação de repasse da depreciação cambial anterior, a demanda reprimida, as grandes injeções de liquidez e os déficits fiscais "descomunais" poderiam forçar essa mudança.

O banco americano, porém, prevê que a inflação deve voltar a desacelerar nos próximos trimestres, à medida que fiquem mais claros os efeitos do elevado hiato do produto sobre os preços. Nesse contexto, a política monetária dos emergentes pode voltar a assumir um tom dovish e podem até ocorrer alguns cortes de juros em alguns países, como México, Rússia, Indonésia e Hungria. Em nota a clientes antes da decisão de política monetária da Turquia, o JPMorgan já afirmava que o BC turco era um “ponto fora da curva”.

“Os bancos centrais dos mercados emergentes provavelmente manterão sua postura dovish nos próximos meses, devido à necessidade de fornecer estímulo às suas economias em declínio”, afirma ao Broadcast o economista-sênior para Filipinas do ING Nicholas Mapa. A inflação, na visão dele, não será um problema por enquanto, já que a queda da demanda agregada ainda é acentuada. Com os juros das economias avançadas próximos a zero, também há mais espaço para os emergentes afrouxarem a política. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano), por exemplo, já sinalizou que não elevará as taxas dos Fed funds antes de 2023.

Com avaliação similar, o analista Ilan Solot, do BBH, diz que os BCs de emergentes estão respondendo, em grande parte, à segunda onda da pandemia. “Embora a vacina esteja já no horizonte, ainda falta passar por um processo para ter uma melhora substancial da situação de saúde global”, afirma, em entrevista ao Broadcast, fazendo referência aos recentes avanços na fabricação de imunizantes para o coronavírus. A vacina desenvolvida pela farmacêutica americana Pfizer, em parceria com a alemã BioNTech, por exemplo, apresentou 95% de eficácia nos resultados finais do estudo.

Ponto fora da curva

A exceção entre os emergentes é a Turquia, onde o banco central adotou uma postura hawkish e subiu os juros de 10,25% para 15% ao ano na quinta-feira. “Não dá para comparar. A Turquia está em um ciclo completamente diferente, em um processo de reconstrução de credibilidade”, explica Solot, do BBH. Neste mês, o mandatário turco, Recep Tayyip Erdogan, trocou o presidente da autoridade monetária, após a lira turca ter acumulado uma desvalorização de mais de 30% este ano em relação ao dólar.

Em setembro, a Moody’s rebaixou o rating da Turquia de B1 para B2 e mencionou “vulnerabilidades externas” que poderiam levar a uma crise no balanço de pagamentos. A agência de classificação de risco também citou os “elevados riscos geopolíticos” na relação com os Estados Unidos e a União Europeia como fator decisivo. A Fitch, que manteve em agosto o rating da Turquia em BB-, mas alterou a perspectiva para negativa, classificou a credibilidade da política monetária do BC turco como “fraca”.

Brasil

No Brasil, a maioria dos economistas consultados também não veem a alta de juros na Turquia como um recado. Aqui, o Banco Central interrompeu a queda de juros em setembro e não há perspectiva de alta de juros no curto prazo, a não ser que haja alguma ruptura fiscal.

No Barclays, o economista para País, Roberto Secemski, avalia que a postura hawkish do BC turco não deve ser colocada no "mesmo pacote" da política de outros emergentes devido aos problemas políticos por lá. "A questão no Brasil é mais idiossincrática. O problema é de natureza fiscal, a resposta tem de vir desse lado, para que a política monetária não tenha que responder”, afirma. "Não veria o aumento na Turquia como uma indicação de alguma tendência que se impusesse”, avalia. Secemski espera início de alta de juros em agosto, terminando o ano em 3,75%, com vista à meta de 2022 (3,5%)

Da mesma forma, o diretor do ASA Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, cita que a alta inflação da Turquia ocorre em um contexto de institucionalidade enfraquecida, parecida com a vivida no Brasil em 2015, quando a taxa Selic chegou a 14,25%. "Não é o que a gente vive hoje. Nós elevamos a previsão de inflação nos últimos meses, mas continuamos a achar que o aumento ocorrer por fatores pontuais”, diz Kawall, ao mencionar o contexto de restrição de oferta, que está se normalizando, e a demanda turbinada pelo auxílio emergencial. Ele só vê ajuste na Selic em 2022.

Mais cautelosa, a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, avalia que essa mudança na política monetária de emergentes, com a interrupção de ciclos de queda e alta abrupta na Turquia, sinaliza uma preocupação maior com a inflação e pode ser um alerta do exterior para o BC brasileiro.

Para Damico, o Comitê de Política Monetária (Copom) deveria adotar mais cautela em sua comunicação diante dos crescentes riscos para a meta de inflação de 2021. A Armor já projeta inflação no centro da meta (3,75%) no ano que vem e vê o BC iniciando o processo de normalização monetária no segundo trimestre, terminando o ano em 3,75%.
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