Economia & Mercados
28/05/2021 11:25

Especial: Mudanças no alto escalão financeiro disparam na pandemia e exigem mais de executivos


Por Aline Bronzati

São Paulo, 27/05/2021 - José Berenguer trocou o JPMorgan no Brasil pelo Banco XP. Marcos Magalhães, foi do Itaú Unibanco para o BS2, antigo Bonsucesso. O português Nuno Antunes deixou a norte-americana AIG para chefiar a operação Ibero Latam da alemã AGCS, de Madri. Em diferentes posições, o trio de executivos tem em comum a troca de emprego sem sair - literalmente - de casa. Ao contrário do que os headhunters, consultorias que escalam os líderes das empresas, imaginavam, a pandemia tem sido acompanhada de uma dança das cadeiras recorde no alto escalão financeiro. O ritmo, porém, exige mais habilidades dos candidatos.

Além do desafio de orquestrar um time desconhecido à distância, executivos que formam o chamado grupo de C-levels, aqueles do alto escalão, passaram a ser cobrados por características até então pouco valorizadas no mundo corporativo. Essa lista inclui habilidades como empatia, perfil inovador - na prática e não apenas na teoria -, e atenção redobrada com a agenda ESG, sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança.

"As empresas têm buscado um perfil diferente. Para começar, o líder precisa ter empatia. A pandemia gerou um desafio aos postos de liderança em quase sua totalidade", diz o sócio e consultor da Russell Reynolds Associates, Fernando Machado.


Da esquerda para a direita: José Berenguer, do Banco XP, Marcos Magalhães, do BS2, e Nuno Antunes, da AGCS.

Apesar de ter ouvido executivos que trocaram de casa em plena pandemia, o novo presidente do BS2, Marcos Magalhães, diz que, na prática, é diferente. "Mudar na posição de CEO, sócio e membro do Conselho, é um caso mais peculiar - dado que há onboardings (ingressos) simultâneos em diferentes contextos", afirma o executivo, ao Broadcast.

A troca do contato pessoal pelo vídeo, diz Magalhães, exigiu esforço adicional. A tecnologia ajuda em um momento no qual protocolos de distanciamento ainda são imprescindíveis, com mais de 454 mil mortes por conta da covid-19. "Mais à frente, recuperamos os elementos que só o presencial propicia", diz ele.

Os desafios impostos pela pandemia não pararam o "mercado de M&A de pessoas" no setor financeiro, diz o sócio da Russell, em referência ao setor de fusões e aquisições, na sigla em inglês. Segundo ele, o segmento ganhou tração desde junho - que vem se mantendo. Não há dados oficiais de contratações no País, mas, conforme Machado, os números na consultoria são recordes e mantidos em sigilo.

O ano de 2021 caminha na mesma toada. O ritmo de contratações no mercado financeiro deve quebrar novo recorde, de acordo com especialistas ouvidos pelo Broadcast. O impulso vem de uma troca aquecida em posições de CEO e CFO, aquele que responde pela área de finanças.

Mesmo com o cancelamento de algumas ofertas iniciais, alguns foram escalados para tocar uma abertura de capital à frente. É o caso da bandeira Elo, que trouxe Giancarlo Greco, da consultoria Accenture, para levar adiante o desembarque da empresa Nasdaq, bolsa da tecnologia nos Estados Unidos, após perder seu principal executivo, Eduardo Chedid, para o PicPay, da holding J&F, que também se prepara para ser uma empresa listada.

O economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Renan Pieri, diz que o mercado financeiro foi, ao contrário de outros setores, impulsionado na pandemia. As transações digitais se multiplicaram, o que contribuiu para a expansão de empresas de diferentes tamanhos a despeito da queda da atividade econômica.

Assim, cresceu a migração de altos executivos, com carreira em conglomerados consolidados do setor financeiro, para empresas menores, mas fortes em tecnologia e crescimento. No radar, desafios. É um movimento similar ao visto entre os jovens na chamada economia YOLO, acrônimo para 'you only live once' ou 'você só vive uma vez', na tradução livre. Diante da pressão da pandemia, muitos millennials têm repensado suas carreiras e se aventurado em novas oportunidades.

Em um segundo escalão, as movimentações no universo financeiro também têm sido motivadas por novos cargos com pegada tecnológica. Antes, vagas mais comuns em fintechs e big techs, já começam a aparecer nos chamados incumbentes, empresas já estabelecidas, segundo o sócio da consultoria Spencer Stuart, Norton Rizzato Lara. "Há demanda crescente", afirma.


Foto: Divulgação - sócio da Russell Reynolds Associates, Fernando Machado.

O ritmo aquecido de contratações no mercado financeiro é ainda sustentado por vários setores. Dentre eles, gestoras de recursos, que vivem competição acirrada, fundos de private equity, aqueles que compram participações em empresas e que caçam executivos para tocar suas investidas, e bancos de investimento.

Uma das mudanças que chamou atenção na pandemia foi a troca do presidente do JPMorgan no Brasil, José Berenguer, para o Banco XP, com o desafio de deslanchá-lo e competir em pé de igualdade com os rivais consolidados. Depois de 7,5 anos à frente da operação nacional de um dos maiores nomes de Wall Street, o ele se deparou com o fim de um ciclo e a necessidade de buscar novos ares. O desafio veio na forma de vídeo. "É um mundo totalmente novo e te exige muito mais porque a qualidade de interação via câmera é muito inferior à física", diz.

O nível de estresse também é muito maior, afirma Berenguer, o que coloca em destaque a importância da empatia dos líderes. "As pessoas estão com menos paciência, trabalhando mais e com menos qualidade de vida. Então, é um sinal de alerta muito importante", afirma ele, que defende maior disciplina da vida profissional e pessoal.

No caso de Nuno Antunes, que assumiu a operação Ibero Latam da resseguradora AGCS, do grupo alemão Allianz, o desafio de "não sair de casa" foi ainda maior. Isso porque sua gestão engloba diversos países, incluindo Brasil, Argentina, Colômbia, México, Espanha e Portugal.

"O planejamento ainda não existe. Não sabemos o que vai acontecer. Na Europa, algumas viagens já voltaram e a pandemia começa a aliviar um pouco, mas ainda com muita precaução e um monitoramento permanente do número de casos em cada região", diz, em entrevista ao Broadcast. "Estamos longe de voltar ao normal". Ele não tem perspectivas de quando poderá conhecer sua 'nova' equipe in loco.

Contato: aline.bronzati@estadao.com
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