Economia & Mercados
21/07/2020 09:32

Setor privado cobra, e governo trabalha em sistema nacional para negociar emissões de carbono


Por Mariana Durão e Vinicius Neder

Rio, 20/07/2020 - Encabeçada pela cobrança de ações do governo Bolsonaro no combate ao desmatamento, a agenda empresarial brasileira na esfera da sustentabilidade inclui também a adoção de mecanismos de negociação e precificação de emissões de carbono. O Ministério da Economia trabalha no assunto e deverá apresentar as diretrizes técnicas para criar um sistema interno, nacional, de precificação e comércio de emissões - sem o uso de tributos - até o fim deste ano.

Muito antes de ajudar a costurar a carta de CEOs entregue ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que reúne cerca de 60 dos maiores grupos empresariais do País, havia apresentado uma proposta para o mercado local de carbono. Formulada em 2018, com a participação direta de quase 30 grandes empresas, ela tem como premissa a interação com o governo federal.

Segundo a presidente do CEBDS, Marina Grossi, há sensibilidade do ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação à pauta, mas seu avanço acabou afetado pela explosão da pandemia da covid-19. O coordenador de Economia Verde do Ministério da Economia, Gustavo Fontenele, afirmou que sua equipe entregará para “decisão superior” uma proposta de criação de um mercado nacional de emissões de carbono até o fim deste ano, quando também terminará uma consultoria do Banco Mundial sobre o tema, a Partnership for Market Readiness (PMR).

“É importante começarmos a entrar no jogo. O surpreendente é que as próprias empresas estão pedindo para ser reguladas”, disse Marina, do CEBDS.

O CEBDS destaca pontos considerados cruciais para a criação do mercado de carbono no País, como uma implementação gradual e uma limitação de preço - com um teto de US$ 10 por tonelada de CO2 equivalente, num primeiro momento -, para não afetar a competitividade das empresas. Isso seria combinado com a alocação gratuita de direitos de emissão para setores intensivos em carbono e com maior exposição ao comércio internacional. A proposta pleiteia ainda a isenção de impostos sobre ganhos de capital em transações comerciais de emissões e a permissão de compensação com uso de créditos oriundos do setor florestal.

A definição do mercado global de carbono foi um dos principais impasses nas negociações da Cúpula do Clima das Nações Unidas, a COP-25, no fim do ano passado. O Acordo de Paris, renovação do pacto para conter as mudanças do clima firmada em 2015, estabelece que é preciso criar regras para o comércio de emissões de gases do efeito estufa.

A lógica é que os países que reduzirem mais emissões do que precisam - segundo metas estabelecidas nas chamadas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês) - poderiam negociar com os pares que tenham dificuldade para cumprir suas próprias metas. Com a frustração da Conferência de Madri, a criação do mercado global de carbono ficou para a COP-26, adiada para 2021 por causa da pandemia.

Até lá, a ideia seria o Brasil se preparar e sair na frente estabelecendo seu próprio mercado, com regras de governança e um marco regulatório. “A vantagem de ter um mercado nacional de precificação de carbono é direcionar o País para uma economia mais limpa. Para uma petroleira, por exemplo, você vai onerar via mercado a emissão de óleo e gás e beneficiar o portfólio de [energia] renovável”, explica Marina, do CEBDS.

Atualmente, em torno de 57 iniciativas de precificação de carbono estão ativas ou em vias de implementação no mundo. Delas participam 46 nações e 28 governos subnacionais, inclusive alguns dos principais parceiros econômicos do Brasil, como Califórnia, Canadá, China, Comunidade Europeia, Chile, México e Argentina.

As formas de precificação possíveis são a tributação direta das emissões de carbono, a criação de um mercado de carbono, ou um híbrido que mescle os dois. Na primeira, a alíquota do imposto varia por intensidade de emissões. No comércio de direitos de emissão, cada agente econômico recebe um “orçamento” de carbono e, para emitir uma quantidade além, tem que comprar de alguém. O direito de emissão é representado por um título ou instrumento semelhante.

Juntas, as duas formas de precificação cobrem hoje 20% das emissões mundiais, arrecadando um valor estimado de US$ 44 bilhões. A faixa de preço do carbono nessas experiências varia muito - desde US$1 a US$127 dólares por tonelada de CO2 equivalente - mas, em 51% das emissões cobertas, os preços são menores que US$10/tCO2.

Para o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ronaldo Seroa, a criação de um mercado de comercialização é preferível onde os números de agentes a serem regulados pela precificação não é muito grande. Dessa forma, a gestão seria menos complexa e não incluiria pequenas e médias empresas, que teriam dificuldades administrativas em participar dessas trocas.

Na indústria, explica Seroa, o mercado funciona bem porque as mil maiores plantas industriais emitem de 70% a 80% do total. Já no setor de transportes, a instituição de um tributo seria justificável, por não haver predomínio de poucos poluidores. Mesmo assim, há mercados de carbono setoriais, com metas de descarbonização, como o RenovaBio, que já tem cerca de 200 produtores de biocombustíveis certificados e autorizados pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a emitir Cbios (créditos de descarbonização) no mercado. As distribuidoras adquirem Cbios para compensar as emissões relacionadas à venda de combustíveis fósseis.

O Ministério da Economia defende a criação do mercado de comercialização, segundo Fontenele, porque o modelo via imposto implicaria alta na carga tributária. “O mercado de carbono para o Brasil será mais dinâmico e útil, entre outros fatores, porque podemos contar com a participação mais ativa de atores já estabelecidos, na transparência e fixação de preços”, afirmou o coordenador de Economia Verde da pasta.

Conforme Fontenele, a segurança jurídica da regulação, o espaço para participação da sociedade civil e do empresariado e o objetivo de não atrapalhar a competitividade das empresas norteiam o trabalho da proposta de criação do mercado de comercialização. Os primeiros passos serão a criação de uma metodologia nacional harmônica para medir e registrar as emissões e a escolha dos melhores instrumentos jurídicos e legais para negociar as emissões - como títulos ou outras opções. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reguladora do mercado de capitais, e a B3, dona da Bolsa de Valores de São Paulo, também serão ouvidas, mas ainda não há definição sobre onde os direitos de emissão seriam negociados.

Especialista em mudanças climáticas, a professora Andrea Santos, da Coppe/UFRJ, acompanha as negociações internacionais sobre mudança de clima há mais de dez anos e acredita que é importante o País estar preparado no momento em que as discussões em torno do Acordo de Paris e da criação de um mercado global de créditos de carbono forem destravadas.

Considerando o protagonismo histórico do Brasil no Protocolo de Kyoto e no desenvolvimento dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL, uma versão embrionária dos direitos de emissão), além das vantagens naturais em termos de matriz energética e clima, o País pode se beneficiar desse sistema.

“O Brasil tem que fazer dever de casa no sentido de montar uma estrutura de governança adequada para liderar o mercado de crédito de carbono, articulando setor privado e governo”, diz Andrea.

Contato: mariana.durao@estadao.com e vinicius.neder@estadao.com
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