Economia & Mercados
04/09/2020 09:32

Recursos de P&D na CDE pode desmantelar estrutura de inovação do setor elétrico, diz ex-Aneel


Por Wellington Bahnemann

São Paulo, 03/09/2020 - A proposta do Ministério de Minas e Energia (MME) de direcionar recursos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para financiar as despesas do encargo setorial Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) pode provocar um desmantelamento da estrutura de inovação dentro das empresas do setor elétrico e universidades brasileiras. A avaliação é do presidente da RegE Consultoria, Tiago de Barros Correia, que foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) entre os anos de 2014 a 2018.

O direcionamento dos recursos consta na Medida Provisória (MP) 998, publicada ontem pelo governo federal. A MP prevê que recursos arrecadados pelas distribuidoras para o programa de P&D e para o Programa de Eficiência Energética (PEE) sejam direcionados à CDE para fins de modicidade tarifária durante o período de setembro de 2021 a dezembro de 2025. Esse prazo coincide com a vigência da Conta-Covid, nova operação de socorro ao setor elétrico que irá injetar R$ 15 bilhões ao caixa das distribuidoras até o final deste ano.

"Há toda uma estrutura organizacional na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e nas distribuidoras com equipes envolvidas em projetos de eficiência e energética e inovação. Se desmobilizar os recursos por cinco anos, uma parte dessas pessoas terão que ser demitidas, sem falar dos impactos nos centros de tecnologia, nas universidades e nos alunos bolsistas", argumentou Correia. Atualmente, as distribuidoras direcionam 0,5% da receita operacional líquida para financiar projetos de P&D na área de energia elétrica.

O ex-diretor da Aneel comentou que, no seu entendimento, não ficou claro se todo ou parte dos recursos dos dois programas serão direcionados para a CDE. "Há um parágrafo que eu achei um pouco confuso, no qual diz que a aplicação dos recursos do caput em P&D e PEE será limitada a 70%. Mas o caput diz que manda os recursos para a CDE. Não ficou claro isso: os recursos que vão para CDE são limitados a 70% ou só 30% fica?", questionou.

Apesar de reconhecer a necessidade do governo em alcançar a modicidade tarifária diante dos aumentos recentes, Correia apontou que, no médio e longo prazos, a medida não é benéfica para a sociedade. Como exemplo, citou o fato de que cada R$ 1 investido em inovação tem um efeito social multiplicador, retornando para o País entre R$ 3 e R$ 4. "Para modicidade tarifária, esse retorno é de R$ 1 para R$ 1. O resultado de longo prazo não é positivo para o País", afirmou.

Neste sentido, o executivo disse que seria importante que nem todos os recursos dos dois programas fossem direcionados para a modicidade tarifária. "Entendo o contexto, mas acredito que o direcionamento dos recursos até 2025 é muito tempo", apontou o especialista.

Ao ampliar a fonte de recursos para a CDE, o MME reduz a necessidade de arrecadação do encargo pelas distribuidoras de energia, mitigando os impactos na conta de luz. Para a sócia na área de energia do Machado, Meyer Advogados, Laura Souza, essa medida prevista na MP pode ser uma sinalização de que o governo federal está se antecipando a questões regulatórias que podem vir a pressionar para cima as tarifas das concessionárias em 2021.

"Na minha percepção, o governo está se antecipando a algumas discussões que serão inevitáveis em 2021, como a consulta pública para discutir quais serão as regras para a revisão tarifária extraordinária das distribuidoras, a sobrecontratação de energia e a extensão da isenção da conta de luz de baixa renda", afirmou Laura. O uso do dinheiro do PEE e do P&D contribuiria para neutralizar esses aspectos nas tarifas de energia.

Contato: energia@estadao.com
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