Economia & Mercados
12/08/2022 19:31

Especial: pacote Democrata faz pouco pela inflação atual nos EUA, mas apoia queda do déficit


Por Ilana Cardial

São Paulo, 12/08/2022 - Depois de mais de um ano de negociações e bem mais modesto do que a proposta inicial, o pacote socioambiental do presidente Joe Biden caminha para aprovação final no Congresso norte-americano. Apesar do nome, o Inflation Reduction Act (Lei de Redução da Inflação, na tradução literal) deve fazer pouco para reduzir os preços nos Estados Unidos, mas se destaca pelos investimentos para transição energética e combate à crise climática, dizem analistas.

A inflação ao consumidor no país teve salto anual de 8,5% em julho, como divulgado nesta semana. O dado veio abaixo das projeções e mostrou uma desaceleração em relação ao mês anterior, mas ainda apresenta os preços no maior nível em quatro décadas. É neste cenário que o pacote Democrata por mais de US$ 700 bilhões em receita nos próximos dez anos - já aprovado no Senado e em votação na Câmara dos Representantes esta tarde - aparece. Entre especialistas, no entanto, predomina a análise de que o impacto sobre a inflação no curto prazo é incerto e tende a ser mínimo.

O impacto sobre os preços

O pacote deve atuar diretamente na política fiscal dos EUA e busca reduzir a diferença entre quanto o governo gasta e recebe através de taxas e impostos. A promessa é que, ao reduzir o déficit em mais de US$ 300 bilhões, os preços também tenham alívio no país.

Do modo como foi aprovado no Senado, o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês) avalia que haverá "efeito ínfimo" sobre a inflação no calendário de 2022. Para 2023, a inflação provavelmente cairia ou subiria em 0,1 ponto porcentual, em comparação com a lei atual, estima o CBO. "Para cada variação do dólar no déficit, os aumentos nos subsídios provavelmente teriam efeitos maiores sobre a demanda geral (aumentando-a) do que os aumentos nas receitas (o que reduziria a demanda geral). Esses fatores poderiam contribuir para que os efeitos sobre o produto e a inflação fossem positivos mesmo quando o déficit global fosse reduzido", observa.

Ao abordar as previsões do CBO, o chefe de investimentos (CIO) no Julius Baer, Yves Bonzon, diz que "em outras palavras, o impacto sobre a inflação é estatisticamente indistinguível de zero e a rotulagem da lei enganosa". Em relatório, o economista afirma que, no que tange ao impulso fiscal, o pacote também é um "não-evento", com impacto líquido próximo ao zero. "Em poucas palavras, embora alguns vejam o Inflation Reduction Act como um divisor de águas na ambição de combater as mudanças climáticas, certamente não fornece alívio da inflação de curto prazo nem um impulso significativo ao crescimento econômico."

Economista-chefe no mesmo banco suíço, David Kohl reitera que o pacote "não faz nada" para lidar com atual escalada de preços. "A única parte da inflação que está sendo abordada pela lei são os custos com saúde, abrindo a possibilidade de reduzir o aumento de preços dos medicamentos. Na leitura de inflação mais recente, a contribuição [desse setor] para a taxa de inflação de 8,5% foi de apenas 0,05%, enquanto transportes e habitação contribuíram com 2,9% e 3,1%", comenta ao Broadcast.

Em nota aos clientes, o Citi também destaca que a nova lei deve ter efeitos limitados sobre o crescimento econômico e a inflação. Já o Goldman Sachs nota que as disposições sobre medicamentos podem afetar os preços pagos por consumidores elegíveis ao Medicare, programa federal de seguro saúde, mas não teriam efeitos até 2026. "Da mesma forma, é improvável que as disposições de energia renovável tenham um impacto de curto prazo nos preços de energia - particularmente, da gasolina - e, em vez disso, estão focados no investimento e na produção de médio prazo", escreve o economista Alec Phillips.

A Moody's, por sua vez, afirma que a lei deve ajudar a lidar com a inflação no médio prazo ao elevar os investimentos em produtividade e gerenciar as pressões inflacionárias por gargalos de oferta. "Esse investimento pode melhorar a dinâmica inflacionária ao estimular o crescimento da demanda e do emprego, ao mesmo tempo em que reduz os custos de oferta por meio de ganhos de eficiência", observa a agência de risco, em relatório, e pondera a possível melhora na atividade manufatureira e na resiliência na cadeia de suprimentos com a combinação do pacote e da lei de US$ 280 bilhões em incentivos à fabricação de semicondutores, aprovada recentemente.

No entanto, é improvável que a legislação reduza diretamente as taxas de inflação atuais, ressalta a Moody’s. Os economistas comentam que os incentivos com medicamentos e eficiência energética levariam a uma redução de custos, mas precisarão de anos para se materializar. "A estrutura de política monetária do Federal Reserve [Fed, o banco central norte-americano] continua sendo central para gerenciar as tendências de inflação em toda a economia", dizem eles, que esperam contínuos aumentos agressivos pelo Fed nos juros básicos.

Professor na Universidade de Harvard e fellow sênior no Instituto Peterson para Economia Internacional (PIIE), Jason Furman defende que a inflação será reduzida com a ajuda na queda do déficit. "Pode não fazê-lo de uma maneira que todos gostem - há muitas formas de redução do déficit que eu não gostaria porque equilibro outras prioridades - mas é tolice argumentar que o sinal disso na inflação não é negativo", escreveu, em rede social.

Contato: ilana.cardial@estadao.com
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