Economia & Mercados
23/09/2020 14:48

Especial: Múltiplos já altos de Localiza e Unidas sobem com união, mas Cade traz ceticismo


Por Matheus Piovesana

São Paulo, 23/09/2020 - Comprar ações da Localiza ou da Unidas nunca foi barato. Premiadas pelo histórico de execução, as duas empresas - em especial a Localiza - sempre tiveram múltiplos altos na divisão entre preço e lucro. A crise trazida pela pandemia do novo coronavírus só aumentou estes números, porque a última linha do balanço encolheu com as medidas de isolamento social. Os preços na B3, porém, só subiram, e podem subir mais com a união entre ambas as empresas. No entanto, o 'risco Cade' mantém parte do mercado em modo de cautela.

No ano, incluída a alta registrada nesta manhã, os papéis da Localiza sobrem 23,99% na B3, e os da Unidas, 12,80%. Ao fechamento de ontem, o múltiplo da primeira estava em 54 vezes, e o da segunda, a 40 vezes. São múltiplos dignos de bolsas de tecnologia. A ação da PagSeguro, negociada na Nasdaq, tem P/L próximo a 51 vezes, por exemplo.

"A Localiza sempre foi cara e vai continuar cara. O mercado paga pelo histórico da empresa", explica Marcel Zambello, analista que acompanha o setor de transportes na Necton Corretora. Essa foi uma das justificativas do Citi para recomendar aos clientes a venda do papel em julho. Desde então, o preço subiu 20% - e os múltiplos aumentaram.

Diferente de empresas aéreas, que tiveram seus balanços impactados não apenas pela queda na mobilidade social no País mas também por suas pesadas despesas financeiras, as companhias de aluguel de carros conseguiram gerir melhor os custos, e reduzir suas frotas foi mais rápido do que no caso de empresas de aviação, que precisam renegociar com as fabricantes.

Os melhores resultados na redução dos prejuízos da pandemia fizeram as ações subirem, assim como a expectativa de retomada, mas analistas consideravam que os preços começavam a ficar esticados, ou seja, maiores do que os fundamentos justificariam. Agora, a hipertrofia que o negócio dará à empresa resultante caso seja aprovado traz uma justificativa para o alto preço, e deixa espaço para que os múltiplos aumentem.

"O valuation é caro, mesmo para o histórico delas, principalmente porque os lucros foram impactados no último trimestre. O mercado esperava que, passada a pandemia, elas cresceriam forte", diz Victor Hasegawa, gestor de ações da Infinity Asset. "A fusão, que dá um prêmio de uns 10% para a ação da Unidas, e o nível de sinergias, que alguns analistas calculam que pode chegar a R$ 5 bilhões, ou R$ 5 por ação da Localiza, deixa um bom potencial de alta."

Gustavo Bertotti, economista da Messem Investimentos, explica que além de trazer economias em custos e despesas, a combinação entre as duas companhias cria uma gigante com forte poder de barganha, e isso por si só justificaria múltiplos altos. "Estamos falando de empresas cujo valor de mercado combinado ontem era de R$ 50 bilhões. É algo grande em um setor ainda pequeno no Brasil." Ele lembra que na negociação de compras junto a montadoras e para captar recursos no mercado, a nova empresa terá muito mais força do que a Movida, a única rival listada, a título de exemplo.

O risco Cade

Esse poder de mercado, porém, representa um risco justamente pela dependência de aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Em relatório divulgado há pouco, o Safra rebaixou Unidas e Localiza de compra a neutro justamente por isso. "A não aprovação da transação, que seria plausível considerando os efeitos da alta concentração de mercado sobre as tarifas, pode ter um efeito negativo nas ações de ambas as companhias no futuro", escreveu o analista Luiz Peçanha.

O maior perigo seria na vertical de aluguel de carros, onde as duas empresas teriam mais de 65% do mercado, estimam analistas. Este ponto leva profissionais consultados pelo Broadcast a acreditarem que as duas empresas previam e podem mesmo aceitar as restrições do órgão porque o ponto que interessa - o fortalecimento da Localiza na gestão de frotas - seria menos visado.

Neste mercado, que teve mais resiliência na pandemia por implicar em uma relação entre empresas com multas altas em jogo, a nova companhia concentraria cerca de 29% do mercado. "Dado que a empresa vê o maior potencial de crescimento na gestão de frotas, o negócio vai fazer sentido mesmo que tenha de abrir mão de parte do aluguel de carros", diz Hasegawa, da Infinity.

Contato: matheus.piovesana@estadao.com
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