Economia & Mercados
23/08/2019 09:49

Em época de juro baixo, 500 fundos multimercados já têm rendimento menor que poupança


Por Fernanda Guimarães

Juros baixos e elevadas taxas de administração têm derrubado a remuneração de fundos de investimento no Brasil. Levantamento produzido para o Broadcast revela que, de janeiro a julho deste ano, mais de 500 fundos multimercados entregaram ao investidor rendimento inferior ao da tradicional caderneta de poupança, que rendeu um pouco mais de 2% no período. O mesmo fenômeno ocorre entre os fundos de ação: 110 carteiras não conseguiram surfar na alta de 16% da bolsa paulista e também ficaram atrás da poupança.

Ao contrário do passado em que o rendimento de 1% ao mês era considerado fácil por muitos gestores, os números do levantamento mostram que uma nova realidade se impôs à indústria de investimentos do Brasil. De um lado, gestores tentam fugir do menor juro da história com a busca por aplicações seguras e mais rentáveis. Do outro lado, o setor não alterou comissões e taxas e continua cobrando porcentuais muito parecidos com os vistos quando o juro brasileiro ainda estava em dois dígitos.

"O investidor precisa fazer pressão e mudar sua mentalidade. Ele também precisa entender que hoje só a referência do CDI (principal indicador da renda fixa e da indústria de investimento no Brasil) não importa", afirma o coordenador do mestrado em economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ricardo Rochman, que produziu o estudo ao analisar 3.818 fundos multimercados e 1.540 carteiras de ações. Rochman diz que, diante dos juros baixos e com tendência de novas quedas à frente, a vigília por parte dos investidores deve redobrar.

A taxa Selic está atualmente em 6% e a referência do CDI gira em torno de 5,9% ao ano. Assim, a principal referência para os investimentos no Brasil acumulou alta de 3,6% nos sete primeiros meses do ano.

Para piorar, as taxas de administração dos fundos não caíram e, proporcionalmente, acabam sendo cada vez maiores porque abocanham parte maior do rendimento. No passado, com juros de dois dígitos, essa cobrança era mais diluída e menos percebida. Nos fundos multimercados, a taxa mais comum é de 2% de administração acrescida de 20% de taxa de performance - ou seja, um pedágio adicional quando a rentabilidade é maior que a referência.

Uma conta rápida: se o fundo tem boa gestão e consegue pagar 110% do CDI, mas cobra 2% de taxa de administração, o rendimento que sobrará ao investidor será de 3,8% no ano.

Nessa nova dinâmica, o professor da FGV destaca que a melhor forma do investidor analisar o fundo é manter atenção às taxas de administração e considerar o rendimento sempre usando como referência o CDI mais a rentabilidade adicional - ou seja, CDI + x%. Dessa forma, defende o professor, fica mais fácil visualizar a rentabilidade.

O coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV, William Eid Jr, avalia que o principal problema é a baixa rentabilidade de uma grande parcela dos fundos e não as taxas cobradas em si. Para o especialista, se os fundos entregassem elevado retorno, mesmo em contexto de baixos juros, a taxa de administração não seria apontada como um problema.

Apesar dessa avaliação, ele reconhece que muitos gestores cobram a administração sem, efetivamente, entregar nenhum diferencial em troca. Eid Jr lembra que muitos fundos multimercados com o chamado "kit Brasil" - um conjunto comum de ativos que dão mais rentabilidade em momento de bolsa em alta, dólar e juros em queda - e poucos adotam estratégia distinta. "Essas taxas de administração só se justificam quando oferecem um retorno diferenciado. Se o fundo está entregando apenas o CDI, é melhor o investidor comprar o ETF (fundo de índice) que tem um custo baratíssimo", comenta.

A consultora de investimentos da Órama, Sandra Blanco, afirma que o Brasil deverá seguir os passos já observados nos Estados Unidos, no qual os fundos multimercados e de ações já começaram a reduzir suas taxas de administração. Por aqui, o movimento começou nos fundos de renda fixa, com algumas casas zerando taxas de carteiras com papéis do Tesouro. No entanto, ele reconhece que é justificável a cobrança de 2% para fundos mais ativos e que trabalham com maior volatilidade, visto que é esse capital que remunera a gestora.

O vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Carlos André, pondera que é natural que em um determinado período uma parcela dos fundos não tenha desempenho considerado positivo. Por isso, uma análise tem que ser feita se utilizando uma janela maior de tempo, opina. Em relação às taxas cobradas, André afirma que o mercado tende a se ajustar e que uma mudança em relação às cobranças é uma decisão de cada participante e não da associação. Além disso, ele destaca que o investidor, ao se analisar um fundo para investimento, precisa olhar além das taxas e rentabilidade passada, mas também colocar na mesa dados como liquidez, exposição ao risco, tíquete mínimo de entrada e nível de qualificação de gestores, por exemplo.

Taxas

Apesar de centenas de fundos de investimentos terem registrado rendimento recente menor até que da caderneta de poupança, a remuneração dos gestores tem, proporcionalmente, crescido. Em 2016, a gestão dos fundos foi remunerada, em média, com 13% do ganho financeiro dos investidores. Em 2019, essa parcela cresceu para 19%, revela levantamento da plataforma de investimento Vérios, feito a pedido do Broadcast com dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Anbima. O levantamento mostra que, em algumas situações, gestores chegam a ganhar até três vezes mais que seus clientes.

Nesse levantamento, foram analisados 310 fundos e têm R$ 138 bilhões de patrimônio líquido. Em média, 90% dos fundos recolhem taxa de performance - aquela paga quando a carteira tem rendimento superior à referência do fundo. A maior fonte de faturamento dos gestores, porém, é a taxa de administração que respondem por 67% dos ganhos, ao passo que as taxas de performance contribuem com 33%.

Da taxa de administração média de 2% cobrada dos investidores, uma parcela entre 0,5 ponto e 0,8 ponto fica com quem vende os fundos, ou seja, as plataformas e family-offices, por exemplo.

O Broadcast apurou que, no mercado, ainda não existe discussão em torno de redução dessa cobrança na maioria das gestoras. A demanda pelos fundos de investimento está muito elevada atualmente, diante da queda das taxas de juros, e os investidores estão colocando dinheiro em fundos tradicionais com uma taxa de administração de 2% - às vezes até maior, o que tira a pressão para a discussão em torno das taxas. O aumento da demanda ocorre em meio ao maior acesso a esses produtos e a facilidade de captação tem crescido com as plataformas digitais.

Uma fonte do alto escalão de um banco de investimento destaca que, hoje, esse ambiente de maior demanda pelos fundos torna mais difícil um movimento de redução de taxas a partir da própria indústria.

No atual cenário de juro baixo, a entrada de recursos nos fundos tem batido sucessivos recordes. A indústria de fundos alcançou R$ 161,7 bilhões de captação líquida de janeiro a julho deste ano, valor 226% maior que o registrado no mesmo período do ano passado (R$ 49,6 bilhões). Os aportes foram liderados exatamente pelos fundos multimercados e de ações, que somaram R$ 37,9 bilhões e R$ 32,6 bilhões de entrada líquida, respectivamente, de acordo com dados da Anbima.

O presidente da Vérios, Felipe Sotto-Maior, afirma que o investidor ainda não tem noção do que lhe é cobrado quando investe nos fundos e que uma mudança só será observada quando houver pressão por parte dos investidores. Além disso, ele acredita que a expansão da indústria de ETFs no Brasil, já gigante no exterior, será outra forma que conduzirá os fundos de investimento para patamares mais baixos de cobrança. Isso porque esses fundos, que seguem benchmarks de forma passiva, como o Ibovespa, tem custo muito mais baixo ao investidor. Os principais no mercado brasileiro tem uma taxa de administração de 0,3%.

Sotto-Maior frisa, no entanto, que o acesso a esses produtos não é facilitada pelas plataformas digitais e que falta interesse em distribuir os ETFs, que podem ser atrelados aos índices de ações, como o Ibovespa, ou índices de renda fixa.

O executivo da Vérios diz que, na sua visão, com taxas de administração tão elevadas, os gestores acabam aumentando o risco de seus portfólios para conseguirem entregar mais rentabilidade. Segundo ele, essa não deveria ser a solução, já que o risco tomado acaba sendo do próprio investidor. "A solução é rever as taxas", diz. Com essa redução almejada, o investidor poderá ter mais retorno sem aumento do risco do investimento.

Contato: fernanda.guimaraes@estadao.com
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