Política
16/06/2020 13:44

Ativos estáveis e juro baixo mantêm atratividade de saneamento, avalia consultoria


Por Amanda Pupo

Brasília, 16/06/2020 - O entendimento do governo federal de que a pandemia do novo coronavírus não afeta a atratividade de investimentos em infraestrutura no Brasil encontra eco no setor privado. Taxa de juros baixa no País, ativos estáveis e de longo prazo e economias voláteis pelo mundo somam os principais fatores para o saneamento brasileiro manter perspectivas positivas em meio à crise. A avaliação é do diretor para a área de infraestrutura da Kearney no Brasil, Cláudio Gonçalves, um dos responsáveis por estudo que aborda os principais desafios e oportunidades no setor de água e saneamento no País, fechado neste mês pela consultoria.

No documento, ao qual o Broadcast teve acesso com exclusividade, a Kearney aponta para obstáculos que o País precisa enfrentar para melhorar esse ambiente - alguns deles endereçados no novo marco legal do saneamento, cuja expectativa é de ser votado ainda neste mês pelo Senado. Custos operacionais elevados, problemas na gestão de ativos, volume de perdas, inadimplência e regulação descentralizada são antigos temores do mercado destacados pela consultoria.

Por sua vez, a demanda pelo alto volume de recursos para que o Brasil possa superar o 'gap' de atendimento em relação a outros países se traduz numa oportunidade cheia para os investimentos. A Kearney lembra que a universalização buscada até 2033 vai exigir o desembolso de cerca de R$ 357 bilhões - o que vai depender de investimentos anuais muito acima dos praticados atualmente.

Gonçalves avalia que, apesar de o investidor estar um pouco "apreensivo" com o Brasil em razão do clima político, há fatores que jogam mais a favor do que contra a atratividade do saneamento em meio à crise. "O fato de grandes fundos e empresas privadas talvez não terem muitas alternativas na competição naturalmente mantém o interesse, talvez até aumente o interesse que havia antes da covid", disse.

O novo marco legal do saneamento é o responsável por abrir essa porta ao investidor. Um dos pilares do projeto é justamente facilitar que o setor privado entre com mais força no segmento, seja por meio da privatização das estatais ou em novos contratos. O texto obriga que os municípios - titulares do serviço - abram licitação para poderem contratar a empresa prestadora. Como essa obrigação hoje não existe, a maioria das cidades acaba fechando parcerias com as empresas estatais. Hoje, o setor é dominado por companhias públicas. Apenas 18% da população é atendida por agentes privados, que estão majoritariamente (79%) em cidades de até 100 mil habitantes.

A cobertura do sistema de esgoto é a mais penalizada, com apenas 53% da população atendida, segundo dados de 2018 abordados no estudo. No Norte, essa cobertura cai para 11%, e no Nordeste, para 28%. Já o acesso à água cobre 84% da população brasileira. Novamente, o Norte registra o pior desempenho, com 57% de atendimento, e o Nordeste com 74%.

No entendimento do diretor da Kearney, o fortalecimento da iniciativa privada no setor vai se dar por dois caminhos. Para os players que já atuam no Brasil, será mais interessante a consolidação em novas operações, aproveitando a abertura de licitação para concessões diretas. Já para os investidores globais que queiram entrar no País, Gonçalves vê as eventuais capitalizações ou privatizações de empresas estatais como uma porta de entrada. Nesses casos, os conglomerados mundiais entrariam com uma função mais estratégica, enquanto que os grandes fundos de investimento teriam um papel mais financeiro.

O estudo da consultoria ainda aponta que o aumento da concorrência e os avanços tecnológicos devem levar as empresas a focarem também em outros serviços e produtos além do fornecimento de água e da coleta e tratamento de esgotos. Geração de energia elétrica, comercialização de água mineral, consultoria técnica, drenagem urbana e manejo de resíduos sólidos são citadas como oportunidades de negócio para geração de receita adicional.

Inadimplência

A inadimplência no setor de saneamento que se agrava com o impacto da covid-19 exige que as empresas façam mudanças na relação com seus clientes. Gonçalves aponta para três alterações que devem ser adotadas nos negócios: maior digitalização dos processos, melhor uso de dados dos consumidores e aprimoramentos nas formas de pagamento de fatura. Como mostrou o Broadcast, a pandemia do novo coronavírus estourou índices médios de inadimplência no saneamento. No privado, por exemplo, a média já chegou a alcançar 25%, o que antes girava em torno de 5%.

O problema não é de agora. Estudo recente da Kearney ao qual o Broadcast teve acesso aponta que as dívidas inadimplentes de pessoa física no setor de água e luz tiveram um crescimento anual médio de 15% nos últimos dez anos, com destaque para a Região Centro-Oeste. A fonte dos dados é da pesquisa CNDL/SPC. Na série histórica por região - que acabou descontinuada em maio de 2018 -, o Centro-Oeste apresenta os piores números, bem acima das outras regiões.

Com a situação agravada pela pandemia, o diretor da Kearney acredita que as empresas devem revisar suas práticas. Ele cita, por exemplo, programas de parcelamento ou perdão de dívida, e a possibilidade de pagamento da fatura pelo cartão de crédito. Utilizar os dados dos clientes para realizar ações que melhorem a arrecadação e digitalizar os processos são outras soluções apontadas.

Regulação

O estudo da Kearney também mostra como a estrutura regulatória do País é mais descentralizada quando comparada a de demais países. Segundo a consultoria, apesar de terem o operador de saneamento descentralizado assim como no Brasil, outros países contam com regulador e planejamento federalizados para esses serviços. É o caso do Chile, do Japão e da Alemanha, por exemplo. No cenário brasileiro, a regulação fragmentada é vista como um dos principais entraves para a atratividade do setor. Há pelo menos 52 entidades reguladoras, 21 municipais, 25 estaduais, cinco consorciadas e uma distrital.

No novo marco do saneamento, governo e Congresso tentam endereçar o problema ao definir a Agência Nacional de Águas (ANA) como uma formuladora geral de diretrizes para o setor, com a função de padronizar práticas. Apesar de reconhecer que esse trabalho não será feito da noite para o dia, Gonçalves vê a melhora como possível. Ele observa que boas práticas regulatórias já são encontradas em outros segmentos no Brasil, como no de Energia. "Não é uma folha em branco. Compete ao governo começar a planejar e a trabalhar nisso", apontou o diretor.

Perdas

As perdas na distribuição de água são outro problema apontado pela consultoria. Esse número atingiu 38% em 2018, enquanto que países comparáveis ao Brasil apresentam perdas de 7% a 24%, mostra o estudo da Kearney. Segundo a consultoria, isso se traduz uma receita potencial de R$ 25,5 bilhões. As maiores perdas são no Norte, com 56% da água produzida. No Sudeste é onde se registra a maior perda absoluta, com R$ 10,2 bilhões de receita potencial.

Como uma parte desses danos é gerada por problemas de infraestrutura, Gonçalves destaca a atração de investimentos como fonte de melhora para esse número. Ele lembra ainda que o Brasil tem uma grande lacuna na gestão de ativos, com diversas obras paralisadas no setor.

Os custos operacionais elevados em comparação com outros países também são levantados no estudo. A Kearney resgata dados do governo que mostram que no Brasil as despesas com pessoal próprio são de na média 53% do total de custos-chave das empresas. No setor público/misto, isso chega a 54%, enquanto que no privado a participação é de 40%.
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