Política
03/01/2022 09:25

Orçamento secreto é trunfo de Lira, mas manobras regimentais incomodam


Por Iander Porcella e Izael Pereira

Brasília, 30/12/2021 - Faltam nove meses para as eleições do ano que vem, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já pensa em um possível segundo mandato no comando da Casa a partir de 2023. Na avaliação de parlamentares ouvidos pelo Broadcast Político, o esquema do orçamento secreto, com a distribuição de emendas a aliados sem transparência, fortalece o deputado perante o Centrão, bloco político de sustentação do governo Jair Bolsonaro.

No entanto, manobras regimentais patrocinadas por Lira em seu primeiro ano à frente da Câmara deixaram muita gente insatisfeita. Tudo vai depender também da composição do Congresso após as eleições de 2022 e as alianças que serão feitas para sustentar o próximo governo.

Lira tem atuado para fidelizar o Centrão. No final de novembro, o Legislativo aprovou projeto de resolução que mantém os repasses do orçamento secreto no ano que vem. As emendas de relator, chamadas de RP9, devem superar os R$ 16 bilhões em ano eleitoral. Essas verbas, até então, eram enviadas pelos parlamentares a seus redutos sem qualquer transparência. Câmara e Senado prometeram publicar os nomes dos congressistas que serão beneficiados em 2022, mas ainda resistem a divulgar os agraciados em 2020 e 2021.

"Eu acho que [a distribuição das emendas de relator] fortalece, mas ele tem outras atitudes que enfraquecem", disse um líder de partido ao Broadcast Político, em referência às manobras regimentais capitaneadas por Lira. Votações a toque de caixa, segundo essa liderança, irritam alguns parlamentares.

Exemplo mais recente foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que libera mais de R$ 100 bilhões no Orçamento de 2022 para o governo pagar o Auxílio Brasil de R$ 400 e despesas previdenciárias. No dia em que a matéria foi votada em primeiro turno na Câmara, Lira publicou uma portaria que permitia a votação remota. Alguns parlamentares viram na decisão uma manobra para elevar o quórum e garantir a aprovação. Quando a PEC voltou fatiada do Senado com alterações, Lira apensou a proposta a outra que já estava pronta para ir a plenário, o que permitiu a votação sem que as mudanças feitas pelos senadores passassem pela análise das comissões.

Manobras regimentais
A oposição e alguns partidos independentes reclamam da forma como Lira conduz a Câmara. A falta de previsibilidade na votação das pautas no plenário e o que eles chamam de "subserviência" de Lira aos interesses do governo são pontos que têm desagradado aos deputados.

Para esses parlamentares, além de atender os interesses do presidente Jair Bolsonaro (PL), as mudanças no regimento da Câmara foram feitas também com o propósito de limitar as ações de oposicionistas na Casa. "A democracia dentro da Câmara não existe. Já era pouca com Rodrigo Maia, com ele é menos ainda", diz o líder de um partido de centro.

"Isto é exatamente para colaborar com o Bolsonaro, para nós não podermos fazer aqui dentro mais ações sobre as maldades que o Bolsonaro faz", afirma o líder do PT, Bohn Gass (RS). Segundo ele, o fato de a oposição não conseguir se opor fez com que Lira conseguisse aprovar vários projetos propostos pelo presidente. "Foi muito ruim a alteração regimental, digamos assim, tirando o espaço da oposição. Foi antidemocrático", completa.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), também questiona a forma como o atual presidente da Casa tem conduzido as pautas. "Eles atropelaram a legislação, ou seja, o cumprimento do pagamento das dívidas judiciais dos precatórios, e impuseram essa agenda ao Senado. Então é mais uma vitória do Lira que está mostrando que ele está trabalhando como o imperador. Inclusive na hora de definir a pauta, não há previsibilidade", critica.

Líder do Novo na Casa, Paulo Ganime (RJ) também afirma que Lira não deu a clareza prometida em relação à pauta da Câmara. "Ele usa os grupos dele para tomar decisões, e não o Colégio de Líderes formal. Além disso, ele coloca na pauta algumas coisas que desrespeitam a regra do jogo. Por exemplo, uma PEC sem passar por comissão, o que eu acho muito ruim", diz o deputado, em referência ao fatiamento da PEC dos Precatórios.

Bolsonarista, a deputada Alê Silva (PSL-MG) elogia o trabalho de Lira. "A gestão é muito boa, sempre dialogando. Quando eu iniciei o meu mandato em 2019, nós estávamos sob a égide de outro presidente que nos evitava [Rodrigo Maia]. Agora nós temos um presidente que sempre nos atende. Eu só tenho o que dizer de bom do mandato dele aqui", afirma.

O líder do DEM na Casa, Efraim Filho (PB), também tem avaliação positiva em relação ao comando da Câmara sob Lira. O deputado defende a forma como o presidente da Casa atua nas votações de projetos. "Tinham matérias que se arrastavam por tempo demais. Matérias simples, mas que, se tivessem obstrução da oposição, acabavam se prolongando demasiadamente e tornando a Casa improdutiva", afirma. "Agora o que nós temos são votações mais rápidas, mas que não deixam de demonstrar um resultado efetivo."

Reeleição
Apesar do ceticismo quanto à possível reeleição de Arthur Lira para um segundo mandato no comando da Câmara - o que depende da própria eleição dele para deputado -, é consenso entre parlamentares que tudo dependerá da força que o Centrão terá na Câmara na próxima legislatura e de quais rumos tomará o pleito de 2022.

Para Efraim Filho (PB), o orçamento secreto deve ter menos impacto. "Essa questão de RP9 é diferente, porque ela existia na gestão Rodrigo Maia e nem por isso garantiu a sucessão do candidato que ele defendia. Isso não adiantou no passado e nem acho que projeta o futuro", argumenta o deputado.

Procurado pelo Broadcast Político, o presidente da Câmara não se manifestou.

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