Ambientalismo de ocasião irrita ministra e acirra ânimos entre extrema direita e governo
17 de outubro de 2024
Por Isadora Duarte
Quem esperava um embate racional de argumentos entre ruralistas e ambientalistas com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, se chocou com o que viu. Um bate-boca interminável tomou conta da audiência realizada no dia 16 passado. A discussão acalorada de deputados da oposição com a ministra foi muito além da divergência de pensamentos.
Dedos em riste, tom de voz elevado, diversas interrupções, trocas de acusações, ânimos alterados e ofensas dominaram as três horas e meia de audiência. Em síntese, o decoro ficou do lado de fora da sessão. Deputados, sobretudo alinhados à extrema direita e do PL, dirigiram-se à ministra em postura de ataque. A própria bancada do agro se manteve distante da discussão pelo baixo nível da sessão.
Marina foi convidada pelos parlamentares para prestar esclarecimentos sobre as ações do governo de enfrentamento aos incêndios. Deputados acusaram Marina de não responder aos questionamentos. A ministra, por sua vez, disse que comparece à comissão quantas vezes for necessário pois “quem não deve, não teme”. Ela citou vários trechos bíblicos. “Deus julgue entre mim e meus acusadores e dê seu veredicto”, disse.
Indiretamente, Marina disse reiteradas vezes que aqueles deputados são “ambientalistas de conveniência”. “Quem nunca fez nada pelo meio ambiente e agora vem aqui com esse papinho de preocupação com enchente, de preocupação com incêndio. Isso é papinho de ambientalista de conveniência”, afirmou a ministra.
Marina já foi confrontada em diversas ocasiões pelos parlamentares da oposição quanto à sua gestão da política ambiental. Mas desta vez reagiu às falas ofensivas. Uma das discussões acaloradas surgiu quando a deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC), sugeriu que a ministra deixe o cargo e perguntou se ela era “capacho de ONG”. “Vossa excelência, capacho é quem faz discurso de encomenda. Mesmo conhecendo a biografia de uma pessoa, faz discurso de encomenda, para fazer lacração. Eu sou uma pessoa que penso por mim mesmo”, respondeu Marina, sendo aplaudida pela plateia.
O próprio presidente da Comissão, deputado federal Evair de Melo (PP-ES), bateu boca com a ministra em alguns momentos. Após a discussão de Marina com a deputada Julia, Evair sinalizou tomar o microfone da mão da ministra, que não permitiu a intervenção. Durante a audiência, Marina questionou a condução de Evair e disse que, na condição de convidada, estava sendo alvo de palavras ofensivas e violentas. “Vossa excelência está com dificuldade de presidir”, disse a ministra. Evair rebateu e disse que não responderia à ministra porque fez um curso para “suportar a ignorância”. Marina retrucou: “inclusive deve suportar a vossa própria”.
Ao final da sessão, Evair sugeriu que a ministra havia sido “adestrada” para comparecer à reunião. “Quero repudiar a forma de vitimização com que, mais uma vez, essa ministra se comporta aqui na casa do povo. Temos que dar parabéns a quem a treinou; esse adestramento para ter essa postura”, disse Evair, que foi interrompido por Marina. “Adestramento? Quem é que é adestrado? Tenha santa paciência. O senhor não vai me dizer que sou uma pessoa adestrada”, reagiu a ministra antes de deixar a sala.
Nas últimas semanas, os incêndios – aqueles que eram para ser o tema objeto da audiência – diminuíram. Graças às chuvas. A depender da temperatura elevada e do debate raso da Comissão de Agricultura, o País continuaria pegando fogo.
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