Atrás do Brasil, estão no pelotão de frente Israel, Turquia, Catar, Eslováquia, Noruega e Cazaquistão
11 de novembro de 2024
Por Eduardo Laguna, Francisco Carlos de Assis e Renata Pedini
Resgatar a credibilidade do arcabouço fiscal vai exigir que o governo desarme uma das maiores alavancas de crescimento suportadas pelas contas públicas do mundo. Desde janeiro do ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou o terceiro mandato, o impulso fiscal no Brasil só fica atrás de seis economias.
Nesse pelotão de frente estão, além do Brasil, Israel, país em guerra com o grupo Hamas – portanto com pesadas despesas bélicas -, e Turquia, que teve que reconstruir regiões destruídas pelo terremoto que matou mais de 50 mil pessoas em fevereiro do ano passado. Também estão na lista Catar, que, apesar dos estímulos, ainda arrecada mais do que gasta, Eslováquia, Noruega e Cazaquistão.
O ranking tem como base o último levantamento fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Fiscal Monitor, que foi atualizado há duas semanas e traz dados de economias tanto emergentes quanto desenvolvidas. Uma das formas de estimar o impulso fiscal é calculando a diferença entre períodos dos saldos das contas primárias, aquelas que não incluem o pagamento de juros.
Quando reduz ou reverte um déficit primário, um país faz um esforço ou aperto fiscal. Quando faz o inverso – amplia o buraco nas contas públicas, ou transforma um superávit em déficit -, faz um impulso fiscal. Trata-se, assim, de um indicador que mostra se uma economia está usando a alavanca fiscal para esfriar ou aquecer a atividade.
No caso do Brasil, o impulso da política fiscal do governo Lula – que pega, portanto, os anos de 2023 e 2024 – corresponde a 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB), o sétimo maior do mundo, conforme mostram as estimativas com os ajustes feitos pelo FMI.
No período, o governo cumpriu promessas de campanha, como o reforço do Bolsa Família, o reajuste dos salários de servidores, que estavam congelados há sete anos, e o aumento acima da inflação do salário mínimo, ao qual estão indexados benefícios da Previdência Social. Também pagou mais de R$ 90 bilhões em precatórios atrasados e teve que socorrer o Rio Grande do Sul após a catástrofe causada pelas enchentes de maio – gastos, nos dois casos, que não são considerados para fins de cumprimento da meta fiscal, mas que têm impacto na dívida pública.
Esses estímulos fiscais foram responsáveis, em grande parte, pelas surpresas do crescimento econômico, em especial do consumo das famílias, desde o ano passado. A preocupação de analistas, no entanto, é por o Brasil dar estímulos superiores aos das economias emergentes quando tem uma dívida pública maior – 87,6% contra a média de 70,8% das economias em desenvolvimento – e que, nas previsões do FMI, caminha para passar de 97% do PIB nos próximos quatro anos.
Seja pela piora na percepção de risco fiscal, que faz o dólar subir e leva o mercado a não acreditar que a inflação vai cair para o centro da meta (3%), seja por estimular a demanda quando a economia dá sinais de que cresce acima de sua capacidade, os estímulos têm efeitos inflacionários. Na quarta-feira, no comunicado em que apresenta as primeiras explicações da alta dos juros para 11,25%, o Banco Central (BC) avisou, na interpretação do mercado, que depende de medidas orçamentárias estruturais para não ter que subir tanto os juros.
Ex-secretário do Tesouro e, atualmente, economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida diz que políticas sociais são necessárias em um país com tanta desigualdade como o Brasil. Mas, pondera, é preciso rever o acesso a programas como o Bolsa Família. “Muito do que a gente chama de política social não vai para os mais pobres. Então, esses programas deveriam, a meu ver, ser revistos. Não tem almoço grátis. Se não controlar o crescimento das despesas, vamos precisar de uma carga tributária muito maior.”
À espera do pacote de contenção de gastos em discussão em Brasília, o mercado vê uma tendência de diminuição, ou mesmo reversão, do impulso fiscal. A expectativa é a de que, após deixar para trás a maior parte dos estímulos, o governo vai apertar o cinto das despesas para aliviar a pressão sobre câmbio, inflação e juros. Além disso, a consolidação fiscal ajudará o País a buscar o grau de investimento das agências de classificação de risco. Nos cenários de economistas, aumentou a probabilidade de o governo entregar a meta fiscal deste ano para não acionar gatilhos que restringem o espaço a gastos em 2026 – ano em que Lula provavelmente buscará a reeleição.
“Não temos no horizonte mais nada que represente um impulso tão forte. Tirando a pandemia, passamos nos últimos dois anos pelo maior impulso do período recente”, comenta o economista Ítalo Franca, especialista em contas públicas do Santander. “Provavelmente vamos observar uma desaceleração da economia sem esses novos impulsos”, acrescenta Franca, ressaltando que, para cumprir o arcabouço, a política fiscal terá que ser contracionista no ano que vem.
Conforme Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset, o governo terá que colocar um freio nas despesas obrigatórias para ganhar credibilidade na política fiscal e abrir um horizonte de estabilidade da dívida. “Não adianta fazer alguma contenção de gastos em despesas discricionárias, porque acaba ficando no mesmo problema: cortar uma despesa discricionária para aumentar outra despesa discricionária. Não interessa na sustentabilidade do modelo fiscal”, afirma Funchal, que foi secretário especial do Tesouro e Orçamento da equipe de Paulo Guedes, no governo Jair Bolsonaro. A incerteza, diz Funchal, aumenta conforme o governo atual demora para anunciar as medidas de corte de gastos.
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