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‘Pacote é um passo, mas não resolve problema fiscal’

Para vice-presidente da Moody's para risco soberano, Samar Maziad, governo não lida com "causa raiz"

3 de dezembro de 2024

Por Aline Bronzati, correspondente

A vice-presidente da Moody’s para risco soberano, Samar Maziad, avalia que o pacote fiscal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é um passo, mas não é a solução para todos os problemas uma vez que não lida com a ‘causa raiz’ das contas públicas no Brasil. Mas, diferente do mercado, que se frustrou com as medidas, em especial, o anúncio em conjunto da isenção do imposto de renda, a classificadora não esperava uma ‘bala de prata’.

“Acho que o mercado esperava que todas as medidas para melhorar o lado das despesas acontecessem de uma só vez. Não acho que isso fosse realista, não víamos uma bala de prata. Então, sim, é um passo, mas não resolve todos os problemas”, diz Maziad, em entrevista exclusiva ao Broadcast.

De acordo com ela, o pacote fiscal apoia a recente melhora que a Moody’s fez no rating do Brasil, de Ba2 para Ba1, e deixou o País a um passo de retomar o grau de investimento, perdido em 2015. Porém, para ir além, mais medidas do lado do corte de gastos podem ser necessárias. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Broadcast: O mercado reagiu mal ao pacote fiscal do governo Lula, com o dólar passando dos R$ 6,00. Quais são as suas primeiras impressões? Também se decepcionou?

Samar Maziad:
Depende das expectativas. Para nós, sendo honesta, vemos como um passo positivo o governo lidando com a questão do salário mínimo, algo que, conforme rumores, estava fora da mesa e poderia ser vetado pelo presidente [Lula]. Isso foi, de certa forma, uma boa surpresa ver que essa medida foi incluída e o seu impacto é material, porque impulsiona todos os outros aumentos em benefícios e gastos sociais. Para mim, foi a principal medida do pacote. O problema é que acho que o mercado se concentrou mais na parte do imposto de renda. E nós sempre esperamos que a consolidação fiscal ocorresse de forma gradual.

Broadcast: Como, por exemplo, tornar as metas fiscais para 2025 e 2026 mais críveis?

Maziad:
Penso que agora as metas fiscais de 2025 e 2026 têm mais chances de acontecer. Para nós, o que importa não é necessariamente o que acontece neste ou no próximo ano, mas no médio prazo. E eu acho que começar a introduzir limites no aumento dos gastos sociais por meio da contenção do reajuste do salário mínimo é um passo estrutural importante. Não vai resolver todos os problemas fiscais, não lida com a causa raiz do problema, mas essa não era a nossa expectativa. Então, é um passo.

Broadcast: Economistas estimam que as medidas não alcancem os mais de R$ 70 bilhões de corte de gastos prometidos para 2025 e 2026. Como a Moody’s vê esse ceticismo do mercado que ultimamente tem piorado a percepção de risco em relação ao Brasil?

Maziad:
Acho que esse é o grande problema. O objetivo de criar um ciclo virtuoso em torno do caminho fiscal com as novas medidas não foi alcançado. Essa é a principal decepção. Temos destacado que introduzir algumas reformas aumentará a confiança do mercado e melhorará a credibilidade do arcabouço fiscal. Mas, claramente, isso não aconteceu novamente. De novo, depende das expectativas. Acho que o mercado esperava que todas as medidas para melhorar o lado das despesas acontecessem de uma só vez. Não acho que isso fosse realista, não víamos uma bala de prata. Então, sim, é um passo, mas não resolve todos os problemas.

Broadcast: Fazer o anúncio da isenção do imposto de renda junto com os cortes de gastos gerou uma confusão ou sinais mistos em relação ao comprometimento fiscal do governo?

Maziad:
Não nos cabe dizer os anúncios ou as reformas que o governo tem de fazer. Talvez, essa tenha sido a razão para a resposta do mercado ao pacote. Para nós, é menos importante como anunciam, mas o que anunciam. Eu não vejo isso como um sinal de falta de comprometimento [fiscal] por terem anunciado os dois juntos. Se confundiram a mensagem, não é essa a nossa preocupação. O que pensamos é o que eles vão fazer? Como? Vai na direção certa ou errada?

Broadcast: O mercado avalia que serão necessárias mais medidas do lado do corte de gastos para fazer com que a trajetória da dívida pública versus o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A Moody’s concorda?

Maziad:
Existem riscos na implementação. Talvez os aumentos de receita naquele ponto em particular não se materializem tanto quanto eles esperam. Esse é sempre um risco. E, então, serão necessárias outras medidas compensatórias se isso acontecer. Isso não afeta 2025 e 2026 de qualquer maneira, mas será para os orçamentos futuros. Nunca há uma reforma. Há uma série de reformas. Então, é assim que nós olhamos no médio prazo, de forma mais holística.

Broadcast: Então, o pacote fiscal não muda o cenário base da Moody’s?

Maziad:
As medidas apoiam o nosso cenário base, mas não mudam as nossas projeções, que já indicavam que a dívida continuaria subindo lentamente e demoraria para se estabilizar. Com juros mais altos, a proporção da dívida pública brasileira versus o PIB deve alcançar a casa dos 85% nos próximos dois, três anos. Isso não muda. Mas o que gostaríamos de ver são controles estruturais sobre o aumento dos gastos obrigatórios. Não se trata necessariamente de cortar gastos hoje. Esse é o ponto. Outros gostariam de ver medidas de austeridade introduzidas agora, diminuindo a dívida de forma mais rápido, e isso é bom, mas não acho que isso vai acontecer. Há mais medidas que serão necessárias ao longo do tempo.

Broadcast: A Moody’s melhorou o rating do Brasil no mês passado. Vocês se arrependem desse movimento diante das novas medidas fiscais?

Maziad:
Não, eu só disse que isso apoia o nosso cenário base, o Ba1. A perspectiva positiva ainda está lá e nós temos algum tempo para avaliá-la. Teremos de 12 a 18 meses para ver o que acontece, mais anúncios do governo e como isso torna mais claro a implementação das novas medidas fiscais. Não creio que isso esteja muito claro. Eu acho que também os mercados descontaram muito o que aconteceria depois de 2026, os impactos. É difícil de avaliar.

Broadcast: Mas, do outro lado, as medidas podem ajudar o Brasil a dar mais passos no caminho para a retomada do grau de investimento? Ou o governo precisa fazer mais?

Maziad:
Acho que vai na direção certa. Agora, quanto à implementação, o equilíbrio entre as isenções de imposto e o aumento das receitas e garantir que isso não dilua as economias no médio prazo é importante. É difícil julgar isso agora.

Broadcast: O governo Lula ainda tem chances de retomar o grau de investimento?

Maziad:
Como eu disse, a perspectiva positiva está lá. Temos ainda um longo tempo, de 12 a 18 meses, para considerar o que fazer com isso e como resolvê-la. Então, é só isso. As medidas dessa semana não são um gatilho para resolver essa perspectiva de uma forma ou de outra.

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