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Planejamento pede veto à renegociação de dívida estadual

Para MPO, proposta contraria interesse público e pode ter impacto negativo em taxas de juros e câmbio

12 de fevereiro de 2025

Por Giordanna Neves, Amanda Pupo e Fernanda Trisotto

O Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) recomendou veto integral ao projeto de lei que criou o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) com a justificativa de que a proposta contraria o interesse público em meio à piora na percepção de risco fiscal. A política, segundo a pasta, pode gerar uma sinalização negativa ao mercado com possíveis impactos nas taxas de juros e no câmbio, além de ter o “condão” de comprometer indicadores macroeconômicos e afetar resultados fiscais futuros.

A recomendação, obtida pelo Broadcast via Lei de Acesso à Informação (LAI), foi encaminhada à Casa Civil durante a discussão sobre a sanção do projeto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na justificativa, os técnicos apontaram ainda que a proposta fere a Constituição Federal por não apresentar estimativa do impacto orçamentário e financeiro, além de contrariar o interesse público por implicar redução de receita para a União. Os números de impacto, que podem chegar a quase R$ 106 bilhões entre 2025 e 2029, foram divulgados posteriormente pelo Tesouro Nacional.

Em uma das notas elaboradas pela equipe técnica, a pasta argumentou que o programa, ao invés de incentivar ajustes estruturais e promover o equilíbrio fiscal, reforça a cultura de dependência dos Estados em relação à ajuda federal para equilibrar suas contas. O Planejamento alertou que mesmo a regra fiscal proposta no Propag – que estabelece que os entes deverão limitar o crescimento das despesas primárias à variação da inflação – não é rigorosa em termos de condicionalidades.

Gasto acelerado

A equipe estimou ainda que, ao final de 2027, muito provavelmente novas tratativas serão iniciadas novamente entre União e Estados. “Sem estudo para adoção de políticas responsáveis de ajuste fiscal, o legislador confia que, em algum momento, a União intervirá para renegociar ou aliviar suas dívidas novamente. Mais precisamente em 2027, que representa o ano final do curto prazo proposto de incremento gradual das prestações”, afirmou o documento.

A avaliação técnica é que esse tipo de renegociação das dívidas estaduais estabelece um viés de risco moral e cria um ciclo vicioso, no qual os entes subnacionais continuam gastando irresponsavelmente à espera de novos acordos com a União. O governo federal, por fim, acaba absorvendo os prejuízos e aumentando sua própria dívida pública. Na prática, um déficit maior da União reduz a solidez fiscal e piora indiretamente as finanças dos Estados, já que a desaceleração da economia gera menor arrecadação aos entes federativos.

Riscos fiscais

Embora não gere impacto primário imediato, o Planejamento considerou que a proposta apresenta diversos riscos fiscais, sobretudo na forma de incentivos adversos aos Estados, que poderão comprometer as contas públicas. “Cumpre salientar a forte possibilidade de elevação da percepção de risco fiscal para o setor público como um todo, na medida que se traduz em uma série de flexibilizações de regras para Estados, com potencial de sinalização negativa no mercado, e consequente impacto em indicadores financeiros, como taxa de juros e de câmbio”, reiterou.

Segundo o MPO, as medidas de flexibilização propostas pelo Propag podem servir de incentivos para que os resultados fiscais dos entes venham a piorar e interromper a recuperação fiscal, o que pode pressionar o governo federal a gerar resultados primários maiores no futuro, já que existe uma percepção de que a União é a única responsável por garantir a solvência fiscal do setor público.

A pasta ainda avaliou que o projeto apresenta apenas uma solução paliativa para os caixas estaduais e não enfrenta as causas estruturais do desequilíbrio fiscal subnacional. Os técnicos afirmam que a medida beneficia entes federativos em detrimento da responsabilidade fiscal ao permitir que Estados altamente endividados optem por condições financeiras muito mais favoráveis, como redução de juros para 0%, o que representaria subsídio significativo em comparação às regras atuais.

Amortização de dívida

Em relação à permissão autorizada pelo Propag para que Estados repassem ativos à União em troca de amortizações na dívida, o Planejamento advertiu que a medida implica em operacionalização complexa, com provável dificuldade de ressarcimento dos valores devidos à União. “Enquanto ativos financeiros são mais fáceis de precificar, o legislador abre a possibilidade de amortizações extraordinárias com a prestação de serviços de cooperação federativa de interesse da União, o que implica em operacionalização complexa, provável dificuldade de ressarcimento dos valores devidos à União, sendo serviços de grande apelo popular e altamente passíveis de desvios de finalidade”, destacou a nota.

A pasta avaliou ainda que a criação do chamado Fundo de Equalização Federativa (FEF) prevista na lei do Propag busca contornar as restrições impostas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. A estratégia, de acordo com a nota técnica, revela uma manobra para evitar limitações legais que poderiam inviabilizar a criação ou o uso do fundo como planejado. Na prática, a medida pode distanciar o fundo do controle direto do Tesouro Nacional, além de possibilitar a realização de operações financeiras mais flexíveis, sem precisar cumprir as restrições da LDO, e uma prestação de contas menos rigorosa.

Embora não tenha recomendado veto integral ao Propag, o Tesouro Nacional também alertou para os impactos negativos do programa durante a avaliação do Executivo sobre o texto aprovado no Congresso. Como relevou o Broadcast, em nota obtida também via LAI, técnicos do órgão ressaltaram que um dos artigos incluídos no Propag, e sancionado por Lula, poderia fragilizar o controle nas contas públicas proposto pelo arcabouço fiscal.

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