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Avanço da IA nos EUA pressiona países na corrida tecnológica

Trump revoga medidas de segurança feitas por Joe Biden e adota postura menos colaborativa com exterior

11 de março de 2025

Por Circe Bonatelli*

A flexibilização das regras para o desenvolvimento da inteligência artificial (IA) nos Estados Unidos vai favorecer as companhias americanas e colocar pressão nos demais países que estão na corrida tecnológica. Esse é o entendimento de especialistas que participaram de um debate sobre o tema durante o Mobile World Congress (MWC), em Barcelona, na Espanha.

Na sua volta à Casa Branca, o presidente Donald Trump revogou medidas de segurança estabelecidas pelo antecessor, Joe Biden, para o desenvolvimento de IA. Além disso, adotou uma postura menos colaborativa com outros países, ficando de fora do acordo que definiu bases para a governança de IA na Conferência de Paris, realizada em fevereiro.

Segundo Trump, o intuito é colocar o país na liderança desta área. Em um dos gestos mais duros, Trump ameaçou sancionar países que restringirem a ação das empresas americanas de tecnologia. A medida vale para qualquer país, mas soou como um recado para a União Europeia (UE), que aprovou leis estabelecendo obrigações para big techs, como responsabilidade pela circulação de conteúdos desinformativos.

Soberania em xeque

O chefe do Conselho Europeu de Relações Exteriores na Espanha, José Ignacio Torreblanca, classificou tais medidas de Trump como um “neocolonialismo digital”, pois confrontam a soberania dos demais países. “Dizer que: ‘Ou você aceita a legislação dos EUA ou enfrenta as consequências’ é uma espécie de neocolonialismo digital”, declarou, durante o debate na MWC.

Torreblanca lamentou também que os Estados Unidos não tenham assinado a declaração conjunta na Conferência de Paris. Por outro lado, disse que isso deve abrir oportunidades para a Europa trabalhar em parceria com outros países, como aqueles do Hemisfério Sul.

“Não vejo os EUA tentando atrair países do sul para essa difusão de tecnologia. Então, esse é um papel para a UE preencher”, citou. Após o evento, Torreblanca disse ao Broadcast que irá ao Brasil este semestre discutir a regulamentação da IA com membros do governo.

Marco da IA

O Brasil pode se tornar um dos primeiros países a ter sua própria regulamentação de inteligência artificial (IA). O Projeto de Lei (PL) 2.338/2023, mais conhecido como Marco da IA, foi aprovado em dezembro no Senado e agora aguarda votação na Câmara.

O presidente da Telefônica Brasil, Christian Gebara, defendeu, em entrevista ao Broadcast durante a MWC, que a regulamentação da IA no Brasil seja capaz de proteger os dados dos usuários e, ao mesmo tempo, garantir condições para a atuação das empresas.

“A discussão de IA tem que levar em conta uma balança. De um lado, o uso ético, responsável e legal da tecnologia. Do outro, como ter um ambiente propício para inovação. Se engessar, vai criar pouco espaço para inovar”, apontou.

No debate, a diretora da Fundação Web Social (SWF, em inglês), Mallory Knodel, criticou a ausência dos EUA na assinatura do documento na Conferência de Paris e ressaltou a importância de padronizar a IA como formar de ajudar os países a desenvolver sistemas mais seguros em uma escala global. Ao contrário da internet, em que protocolos comuns foram essenciais para a conectividade global, a IA se desenvolve de forma fragmentada, com cada empresa ou país tentando manter sua vantagem competitiva por meio de algoritmos próprios.

“Eu me preocupo agora porque, sem o incentivo para interoperar e padronizar a tecnologia, e com uma relutância do lado político em cooperar, não sei para onde iremos.” Knodel lamentou também a ofensiva de Trump contra a legislação europeia que incentiva a moderação de conteúdo nas redes sociais.

Regulamentação X inovação

O presidente e cofundador da Hyacinth AI, Mark Somol, disse que a desregulamentação da IA vai favorecer as empresas americanas. “Não há dúvida de que o governo Trump está focado em dinheiro e poder. Como resultado, esses benefícios irão principalmente para as grandes empresas de tecnologia”, afirmou, citando como exemplo o anúncio da Stargate, joint venture entre OpenAI, Oracle e SoftBank que prevê investimentos de até US$ 500 bilhões nos próximos anos em um projeto de data center de IA.

Na visão de Somol, movimentos como esse vão alimentar outras empresas da cadeia produtiva centradas na prestação de serviços para as big techs.

Somol disse também que a regulamentação mata a inovação. “Existem vários exemplos em que a desregulamentação estimulou a inovação”, disse, apontando que o setor de aviação nos Estados Unidos ampliou o número de voos e reduziu os preços das passagens nas últimas décadas graças ao afrouxamento das exigências para as companhias aéreas.

O único requisito indispensável, na sua visão, é a segurança do serviço. No caso da aviação, é o governo americano quem faz o controle do tráfego aéreo. “A segurança é essencial. E não quero operar com uma IA insegura. Meus clientes não usarão IA insegura. E então essa regulamentação será fundamental”, declarou.

Dentro deste contexto, Somol criticou os diversos vetos impostos pelos Estados Unidos para o uso de tecnologia chinesa dentro do país, sob justificativa de preservar a segurança nacional. Em sua visão, o país criou uma armadilha para si próprio. “Vimos a proibição de chips e onde isso nos levou? Bem, isso nos levou ao [sistema de IA chinês] DeepSeek.”

*O jornalista viajou a Barcelona a convite da Huawei

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