Único leilão para importar arroz foi anulado após irregularidades
6 de setembro de 2024
Por Isadora Duarte
O último capítulo de uma novela é aguardado ansiosamente pelos telespectadores. Os noveleiros de plantão acompanham hoje o término da reapresentação de Renascer. Não é diferente com o setor arrozeiro nesta sexta-feira. A Medida Provisória 1.217/2024, que autoriza a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a importar até 1 milhão de toneladas de arroz beneficiado ou em casca, perdeu a validade e pôs fim a um longo imbróglio entre setor produtivo e governo federal.
A medida fez parte de um conjunto de ações do governo em meio à calamidade climática ocorrida em maio no Rio Grande do Sul. A intenção do Executivo era baratear o preço do produto ao consumidor final e garantir o abastecimento do alimento em todo o País, já que o escoamento da produção gaúcha estava prejudicada por gargalos logísticos decorrentes das enchentes que afetaram também regiões produtoras do cultivo. Editada em 9 de maio deste ano, a MP precisaria ter sido apreciada pelo Congresso Nacional até ontem, no prazo regimental de 120 dias.
A perda de validade traz alívio ao setor que contestava a medida. Produtores de arroz alegavam que a medida do governo era intervencionista, podendo deformar o mercado e desestimular o plantio da próxima safra com preços abaixo dos praticados. Os produtores apelaram. Argumentaram que não faltaria arroz, pois as perdas haviam sido mínimas e, portanto, logo o abastecimento estaria normalizado. Não foram ouvidos.
O governo então fez, ainda em maio, dois leilões de compra pública do cereal importado e beneficiado. A ideia era comprar o produto a R$ 5 por quilo e distribuir em áreas metropolitanas com situação de insegurança alimentar a R$ 4 o quilo, em pacotes de 5 quilos a R$ 20, com logomarca do governo federal e com subsídio no preço do produto. Os dois editais de leilão da estatal, contudo, foram contestados.
O único leilão feito pela companhia para importação de 263,37 mil toneladas foi anulado após irregularidades no certame público e alegada fragilidade financeira das empresas arrematantes. Das quatro empresas vencedoras, apenas uma possuía atividades relacionadas à originação de grãos. As demais eram uma mercearia de bairro, uma fabricante de sorvetes e uma locadora de carros. O caso foi parar nas instâncias superiores do Executivo, levando à apuração da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União por suposto favorecimento público às empresas e conflito de interesse entre os agentes públicos envolvidos.
Em dois meses, a crise do arroz cresceu, chegou ao Palácio do Planalto, levou à queda do então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Neri Geller, e a exoneração do então diretor-executivo de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago dos Santos, que era responsável pelos certames públicos da companhia. O caso quase terminou em uma Comissão de Inquérito Parlamentar (CPI), com deputados alegando crime de responsabilidade fiscal do governo por desvio de função da MP.
Após a crise deflagrada, o governo recuou e firmou acordo com o setor arrozeiro para monitoramento dos preços e do abastecimento. O anúncio de que não haveria mais leilão para importar arroz veio do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, em 3 de julho. O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, vem afirmando que os preços do arroz ainda estão longe do considerado adequado pelo governo, mas sem novos leilões no horizonte.
Cumprindo o combinado com arrozeiros e indústria, o governo deixou a MP caducar, sem mobilizar esforços de articulação para sua aprovação em tempo hábil.
Dessa novela, o setor produtivo dispensa o remake.
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