Há mais pessoas usando cartão de desconto e plano ambulatorial no País do que plano de saúde tradicional
4 de outubro de 2024
Por Cristiane Barbieri
Foi um almoço de mais de três horas… e foi pouco. Afinal, haja motivos para um setor que fatura quase R$ 320 bilhões ao ano, sendo vendido para mais de 50 milhões de brasileiros e desejado por muitos outros, tenha margem de lucro de 0,7%, como o de saúde. Uma das menores, entre todas as áreas da bolsa.
Ouço empresários há décadas. Sempre me espantam os motivos que os levam a remar contra a maré e a procurar o momento certo de virar a vela. Dinheiro, surpreendentemente, nunca é o que faz tripa virar coração.
De todo modo, uma história em especial chamou a atenção naquele longo desfiladeiro de lágrimas – e algumas risadas porque ninguém vive só de tragédia. O empresário chamava a atenção para os cartões de desconto. Ele, à frente de uma operadora de planos de saúde, precisa, por exemplo, oferecer TO-DAS as especialidades médicas, caso queira abrir uma filial numa cidade qualquer. Tem centenas de regras a respeitar, em todas as esferas.
O cartão de desconto, não. Abre uma clínica com as especialidades mais básicas e oferece desconto nas consultas, exames e serviços dentários. Se o cliente tiver um problema mais sério, procura o SUS.
A tese é que saúde é um entre os muitos descontos que oferece – e, portanto, sua empresa não pode ser caracterizada como sendo da área. Ao mesmo tempo, resolve 90% dos problemas de saúde das pessoas, que teriam de passar dias, semanas e anos numa fila de consultas e exames públicos.
Mas ali, na prática, o serviço é parecido com o de um plano de saúde? Bastante. As regras são as mesmas? Nem olhando com telescópio.
Um detalhe na equação: já há mais pessoas usando cartões de desconto e planos ambulatoriais no País do que os planos de saúde tradicionais. São 60 milhões de brasileiros, segundo a própria ANS (Agência Nacional de Saúde), que regula a saúde suplementar. É o mercado se adaptando a falhas e abrindo brechas, como sempre.
Não por acaso, as empresas de cartões de desconto têm sido convidadas para os fóruns do setor. Não por acaso, a ANS já disse que quer regulá-las. Óbvio, que elas já estão usando a defesa como ataque – e apelam a uma sentença de segunda instância do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que diz que não devem ser reguladas pela ANS.
Só que, nesse caso, o vento contrário parece estar soprando mais forte agora contra as empresas de cartões de desconto. Os grandes grupos do setor querem fazer parte do jogo – ou trazê-las para as mesmas regras. Os órgãos de defesa do consumidor, que costumam ganhar todas as brigas da área, querem mais garantias de atendimento aos clientes. O brasileiro? Talvez fique sem uma alternativa de saúde.
Mas, nessas mal traçadas primeiras linhas da história, que é o exercício do jornalismo diário, eu apostaria que o gato com orelha e rabo de coelho, vai acabar virando mesmo um coelho. O primeiro round acontece na segunda, dia 7, no debate público da ANS, que poderá ser acompanhado online.