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HELIPA CITY

O poder da favela abrange 16,6 milhões de pessoas movimentando R$ 167 bilhões ao ano

19 de outubro de 2024

Por Cristiane Barbieri

“A mulher comanda a empresa que explora um negócio em favelas morando em Portugal?”, julguei, em pensamento. “Voltamos ao tempo das caravelas?” A CEO não poderia fazer a entrevista pessoalmente para uma reportagem sobre favelas porque mora na Europa. “Curioso”, respondi para a assessora de imprensa, mas quase cancelei a entrevista.

Para piorar, o mote da pauta era como a empresa dela gera renda em favelas. No Broadcast, a gente aplaude, apoia e quer ver muitas iniciativas de inclusão social, mas detestamos greenwashing gostamos mesmo é de business. Produzir conteúdo para que nosso assinante movimente a economia -e ganhe dinheiro com isso, claro. É para isso que nos pagam.

Mas a Madre Tereza que mora em mim manteve a entrevista. Ela é meio capitalista e queria entender como a propaganda tradicional que move o consumo chegou lá em cima – um lugar que só se sobe com autorização de um poder paraestatal – e como tem conseguido falar com esse consumidor.

Nos últimos anos, todo mundo viu o poder da favela. São 16,6 milhões de pessoas que moram em 10 mil comunidades, movimentam R$ 167 bilhões por ano e pertencem em sua maioria à classe C, com salário médio de R$ 3 mil.

Mais importante: ganharam visibilidade inédita com a digitalização e as redes sociais. O efeito mais visível para o público mainstream está no elenco maior de atores pretos nas novelas da Globo. Mas também em KondZilla estrelando a série mais vista da Netflix (fora das de língua inglesa), no funk e o trap sempre entre os gêneros mais ouvidos do Spotify, em Anitta, nas sobrancelhas masculinas com um talho feito por navalha, na explosão de tatuagens, na brasilidade na moda global e outros tantos. Os “cria” da quebrada viraram trend.

Tudo isso é amostra. Em cima do morro, o caldeirão explode. Encontrei o tapeceiro Paulo César, que trabalha para a empresa de marketing na favela, numa das entradas de Heliópolis. “Vamos à pé?”, perguntei, na ingenuidade de quem achou que ia fazer footing turístico.

Óbvio que não. Heliópolis – ou Helipa City, como descobri ao postar uma foto no Insta – é um mundo. E, uau, uau e uau! Precisaria de uns três posts para descrever o que vi (e a editora deste blog já está brava por conta do tamanho do texto).

De maneira muitíssimo resumida, muitas marcas que vivem de classe C já estão lá. Encontraram uma sutileza no jeito de falar para um público em sua maioria evangélico, preto, que quer carteira assinada e casa própria. Tem uma vida difícil e produz coisas bem bonitas. Que o digam o @cineastafavelado, o Na calçada e outros tantos. Centenas de micro e nano influenciadores digitais, de muitas agências, que buscam patrocínio de marcas.

Na prática, Coca-Cola ganhou Cannes com desenhos de sua marca feitos por artistas de periferia em bares e carrinhos de lanches em todo o mundo. Avon colocou rostos de vendedoras porta-a-porta da comunidade pelas ruas. Guaraná Antarctica pôs moradores da favela pintando mais de 100 muros na Copa do Mundo. Empatia, proximidade e criação de valor para as marcas.

Diria que uma empresa que não sabe falar com essa parte do País precisa repensar sua estratégia.

PS: Sobre a CEO morar em Portugal, o julgamento foi maldade do meu coração. Ela estruturou a empresa há mais de 20 anos, com todas as dificuldades de entrar na favela, vem cinco vezes por ano ao Brasil, onde passa 15 dias e diz ter se cercado de gente mais competente do que ela mesmo, para poder ficar perto da família. Também afirma ter distribuído R$ 27 milhões em renda na favela, ao longo de 12 anos. Mais importante: começa a ver cair o preconceito contra as comunidades que a sustentam. 

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