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Com OMC esvaziada por Trump, Brasil vê negociação direta

Governo vê espaço de diálogo com gestão do republicano ao largo de órgão internacional de comércio

26 de fevereiro de 2025

Por Amanda Pupo e Sofia Aguiar

Apesar da ameaça do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apelar à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra medidas de Donald Trump não deverá ser uma via prioritária do governo na nova era trumpista. A avaliação é feita por integrantes do Executivo e por especialistas ouvidos pelo Broadcast. A resolução de disputas pela instituição internacional permanece paralisada, ainda sob as consequências do primeiro mandato do republicano. Embora o petista já tenha afirmado que pode recorrer ao órgão e retaliar os Estados Unidos se o país taxar produtos brasileiros, membros do governo reconhecem que o caminho não funcionará diante do esvaziamento da OMC.

A situação deixa o Brasil, assim como outros países-membros da organização, sem opção viável de enfrentar as tarifas de Trump pela mediação internacional. Com isso, a negociação bilateral com os americanos é reforçada como o caminho mais adequado para o País reduzir os danos do tarifaço. Ontem, o vice-presidente Geraldo Alckmin voltou a dizer que vê espaço para dialogar com a gestão do republicano.

O golpe de Trump no multilateralismo comercial foi duplo. De um lado, passou a adotar medidas questionáveis desde seu primeiro mandato, que começou em 2017 e acabou no começo de 2021. De outro, penalizou a organização que seria capaz de fazer frente a essas ações. Parte importante da OMC está travada desde 2019 porque o presidente americano bloqueou a indicação de juízes necessários para o pleno funcionamento da instituição.

Embora Trump tenha intensificado os ataques ao organismo, a gestão do democrata Joe Biden, que o sucedeu até o início deste ano, manteve essa paralisia, o que foi alvo de consecutivas reclamações de membros da OMC, incluindo o Brasil.

Quando um país aciona a organização para contestar uma prática comercial de um parceiro, o pleito é analisado por um painel. Os integrantes desse painel avaliam o caso e geram uma recomendação, que pode dar razão a quem recorreu à instituição e autorizar, por exemplo, a aplicação de medidas de retaliação pelo país atingido.

Mas, na prática, a decisão só tem efeitos com a palavra final do órgão de apelação da OMC. Esse colegiado é composto por sete juízes, nomeados a partir de um consenso entre os países-membros. Para funcionar, precisa de ao menos três integrantes. Em 2019, contudo, novas indicações para o órgão de apelação foram bloqueadas pelos Estados Unidos, deixando a instância sem quórum suficiente.

“Não temos um órgão de apelação para autorizar, por exemplo, as sanções [ao país contestado] ou a represália que eventualmente o país afetado possa tomar. Precisa do órgão de apelação para que ele imponha a decisão final”, explicou ao Broadcast a advogada e professora na área de regulação do comércio internacional, Roberta Portella.

Integrantes do governo ouvidos de forma reservada admitem que, no cenário atual, apelar à OMC não trará resultados práticos para o Brasil. “Esse instrumento não está à disposição no momento”, disse uma fonte. Outro membro do Executivo endossou a descrença no estado em que se encontra a organização e reforçou que a via adequada é a da negociação.

Na quinta-feira, 20, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, teve reunião bilateral com a Diretora-Geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, em Joanesburgo, África do Sul. Publicação do Palácio Itamaraty nas redes sociais afirma que ambos discutiram sobre “a necessidade de um processo de reforma do sistema multilateral de comércio”.

A OMC foi criada em 1995, após os países entenderem que era necessário institucionalizar o conjunto de regras previstas no chamado Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), desenhado no pós-guerra e assinado em 1947. Embora tenha sido construída com a liderança dos Estados Unidos nas negociações, a organização já é alvo de críticas dos norte-americanos desde a gestão de Barack Obama. Avesso ao multilateralismo, Trump turbinou a antipatia a ponto de paralisar e inviabilizar a resolução das disputas.

“Na primeira administração Trump, os EUA começaram a questionar uma série de fatores relacionados ao funcionamento do órgão de apelação. Também questionou a transparência do órgão e o funcionamento do sistema de uma forma geral”, lembrou Portella, segundo quem o organismo multilateral como a OMC é totalmente orientado para que as decisões tenham um caráter de consenso – a começar pela forma como a indicação dos juízes do órgão de apelação é feita.

Em entrevista ao Broadcast nas Redes, veiculada nesta quinta-feira, 20, o diplomata, ex-diretor geral da OMC e presidente da Iniciativa Internacional para o Agronegócio Brasileiro, Roberto Azevêdo, lembrou que a via do litígio comercial na OMC era “muito eficaz”, quando a maioria dos casos chegava a um desfecho – em contraste com a situação atual, em que a via do contencioso está paralisada. “Claramente as medidas que estão sendo anunciadas pelos Estados Unidos não levam em consideração tudo o que foi negociado desde o final da Segunda Guerra Mundial até hoje”, afirmou.

Um exemplo prático do que o vácuo do órgão de apelação já provocou é relativo ao aço e ao alumínio, que voltaram ao foco de Trump no segundo mandato. Em sua primeira gestão, o presidente norte-americano também decidiu sobretaxar a importação dos produtos. O ato parou na OMC, que entendeu que as tarifas violavam as regras do comércio global. A conclusão do painel foi chamada de “falha” por Washington, que não acatou.

A política de Trump em seu retorno à Casa Branca tem evidenciado que o republicano usa de ameaças para forçar países a negociarem. Qual será a prioridade que o republicano dará às conversas com o Brasil é a dúvida que ainda paira entre integrantes do governo e da iniciativa privada. Os envolvidos insistem que a balança comercial entre os dois países e a posição estratégica do mercado brasileiro não podem ser ignoradas pelo presidente americano.

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