Dúvida de alta ou manutenção do juro foi por má comunicação do BC, diz estrategista
9 de setembro de 2024
Por Gustavo Nicoletta
Faltando menos de duas semanas para a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a discrepância nas apostas do mercado para a próxima decisão finalmente diminuiu, com a curva de juros futuros e as opções digitais da Selic deixando de apontar três possibilidades distintas e convergindo em direção a um cenário: o de aumento de 0,25 ponto porcentual na taxa básica.
Ao longo do mês de agosto as taxas dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) de curto prazo tiveram um aumento significativo – a de janeiro de 2025 abriu em 30 pontos-base, por exemplo. Com isso, chegaram a apontar para uma alta ao redor de 40 pontos da Selic neste mês, o que implicava 60% de chances de o Copom anunciar um aumento de 0,50 ponto porcentual na taxa em 18 de setembro, e 40% de probabilidade de uma elevação menos intensa, de 0,25 ponto.
As opções digitais do Copom, no entanto, mostravam um cenário um pouco diferente. Ali também cresceram as apostas de juros maiores, mas de forma mais conservadora – aproximadamente 60% de chances de uma alta de 0,25 ponto, 30% de uma elevação de 0,50 ponto e 15% de manutenção da taxa.
Essa diferença diminuiu significativamente na primeira semana de setembro, principalmente depois de dados mostrarem um mercado de trabalho mais fraco nos Estados Unidos – reforçando a tese de corte de juros no país e reduzindo os juros projetados pelos Treasuries. Autoridades do Banco Central reforçando a ideia de que a alta da Selic, se vier, será gradual, também contribuíram.
Na manhã de sexta-feira, 6, a curva de DIs deixava implícita a expectativa de um aumento de 30 pontos-base na Selic este mês, indicando que o mercado via 80% de chance de o Copom elevar a Selic em 0,25 ponto porcentual, e apenas 20% de probabilidade de uma alta de 0,50 ponto. Uma combinação bem mais alinhada com a das digitais do Copom, que apontava para 76% de chance de a Selic aumentar a 10,75% ao ano, ante os 10,50% atuais.
Ruído do BC
Especialistas acreditam que a discrepância entre a curva de DIs e as digitais do Copom refletia em parte a dificuldade do Banco Central em se comunicar com o público. No decorrer de agosto, o diretor de política monetária e agora indicado à presidência da autoridade monetária, Gabriel Galípolo, enfatizou a possibilidade de aumento da Selic, enquanto o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, tentou reduzir o ímpeto das apostas no aperto da política monetária.
“Essa dúvida de alta ou de manutenção da Selic foi justamente pela má comunicação do BC”, diz Marcelo Bolzan, estrategista de investimentos e sócio na The Hill Capital. “Se voltar até a última ata, diz que o horizonte relevante é o primeiro trimestre de 2026. A expectativa de inflação saiu de 3,1% para 3,2%. Olhando pela ata, que é claro está bem defasada, seria um cenário de manutenção. Se fosse só por isso não seria preciso aumento de juros.”
Marcela Kawauti, economista-chefe da gestora Lifetime, aponta que outro fator a contribuir para a dúvida do mercado está ligado à transição no comando do Banco Central. Na semana passada, Galípolo foi formalmente indicado pelo governo como sucessor de Campos Neto, mesmo depois de endurecer o discurso em relação ao combate à inflação.
“O mercado, além de dados econômicos, respondeu muito a declarações do BC. Há uma dificuldade de ser economista neste momento, que é ouvir dois presidentes de Banco Central ao mesmo tempo”, avalia.
Ponto de inflexão
A sinalização vinda do BC em declarações recentes, porém, deixou mais claro que a instituição está avaliando todos os dados e não descarta nenhuma possibilidade para a Selic, segundo Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos para o Brasil no UBS Global Wealth Management. “A sensação que a gente tem das declarações dos diretores do BC é que não é certa a alta de juros em setembro. Vimos várias declarações recentemente. Não tem guidance, vai olhar os dados”, afirma.
Daniel Leal, estrategista de renda fixa da BGC Liquidez, considera que o ponto de virada foram os comentários de Campos Neto no fim da semana passada, sobre o gradualismo de um aumento da Selic. “[O diretor de Política Econômica Diogo] Guillen, um dos mais duros do Banco Central, reforçou a mensagem da preocupação com as expectativas de inflação desancoradas, mas que o BC prefere não sinalizar nada e decidir baseado nos dados qual caminho tomar na próxima reunião.”
Em paralelo a isso, indicadores publicados nos EUA mostraram que o mercado de trabalho do país – fonte de pressão inflacionária e, por isso, preocupação para o Federal Reserve – está desaquecendo, o que fez as taxas das T-notes de 2 anos caírem cerca de 15 pontos-base desde o final de agosto, exercendo pressão negativa sobre os juros brasileiros.
“O mercado inteiro sabe que o Fed vai cortar os juros, ele já telegrafou bastante isso, mas há expectativa de quão rápido ou agressivo vai ser o início do afrouxamento monetário”, diz Leal.
E a Focus?
Apesar dos sinais de convergência de expectativas do mercado sobre a direção da Selic na próxima decisão do Copom, no Boletim Focus a previsão ainda é de manutenção da taxa básica de juros em 10,50% até o final do ano – o que provavelmente deve mudar nas próximas semanas, segundo os especialistas.
“Economistas esperam acúmulo de dados ou determinado dado muito relevante para conseguir revisar os cenários, não ficam revisando toda hora”, diz Kawauti. “Além disso, na pesquisa Focus só é possível informar um único cenário. No mercado, quem está montando posição de DI pode fazer isso com cenário-base de manutenção da taxa de juros, mas embutir no preço o risco de alta de juros aumentando”, completa.
Leal acrescenta que há outro fator técnico que explica a defasagem do Focus, porque nem todos os participantes abastecem semanalmente a base de dados usada para compilar os resultados da pesquisa. “Tem a questão das datas críticas, em que você é obrigado a atualizar a sua projeção. Às vezes as estimativas ficam paradas para esperar essa data. Está muito claro que isso vai acontecer”, afirma. A próxima data crítica do Boletim Focus é dia 13 de setembro.
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