Entre preocupações, a possibilidade de ANP rever plano de desenvolvimento de campo
28 de agosto de 2024
Por Luciana Collet*
Os decretos publicados ontem, 27, pelo governo para ampliar a oferta de gás natural no País não foram bem recebidos pelo mercado. Procuradas, diversas empresas e associações setoriais evitaram se pronunciar oficialmente. Há questionamentos sobre a legalidade dos textos e insegurança para os investimentos, na visão de advogados ouvidos pelo Broadcast Energia.
“De forma geral, acho que o decreto extrapola em muito a competência que a Lei do Gás (2021) e que a Constituição deu para diversas coisas, ele é até contraditório em algumas questões”, diz a sócia da Área de Energia do Veirano Advogados, Lívia Amorim.
Entre os pontos que ela considera mais preocupantes, está a possibilidade de a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) rever o plano de desenvolvimento de um campo de petróleo e gás. Para a advogada, esse ponto, entre outros, representa um sinal de maior intervencionismo, o que geraria uma insegurança desnecessária.
A sócia da área de Infraestrutura e Energia do Machado Meyer Maria Fernanda Soares diz que, diferente do que indicava a minuta do decreto que circulou ao longo do fim de semana entre agentes do mercado, a versão final do decreto trouxe conceitos que seriam balizadores dessa ação da ANP, como o esclarecimento de que a revisão seria feita mediante processo administrativo e oitiva das empresas, e a ressalva de que a determinação será feita desde que seja viável tecnicamente. “Acho que isso foi feito para atender um pouco as angústias do setor, mas prevalece a possibilidade de atuação muito mais ativa da ANP em relação a essas aprovações.”
O sócio da área de Infraestrutura e Energia do escritório Mattos Filho Giovani Loss também critica a possível interferência em projetos já existentes, com contratos já firmados. “Existe sempre o risco de questionamento de legalidade, em particular em relação a direito adquirido, ato jurídico perfeito e outros preceitos constitucionais e legais”, diz.
Já o sócio da área de Óleo e Gás do Lefosse Felipe Boechem lembra que projetos de petróleo e gás são feitos mediante aprovação do plano, e as empresas tomam decisão com base nele. “Falar que pode determinar alteração cria insegurança”, afirma Boechem. “Esperava-se mais profundidade de diálogo sobre diagnóstico e possíveis medidas, isso por si só gera muito desconforto”, acrescenta.
Infraestrutura Essencial
Os decretos também mudam as regras para as chamadas infraestruturas essenciais, como gasoduto de escoamento e unidades de processamento e estocagem. O texto passou a incorporar elementos de acesso regulado para tais ativos, o que antes era previsto apenas para infraestrutura de transporte de gás. “A Lei do Gás não previa a aplicação desse regime para essas infraestruturas, eram capítulos separados”, afirma Soares, do Machado Meyer. “Se o legislador quisesse originariamente que esses artigos fossem extensíveis a essas outras infraestruturas, teria feito expressamente.”
A regra passou a prever uma série de critérios a serem respeitados para o acesso não discriminatório dos ativos, incluindo que as tarifas sejam negociadas “em base de custos”, e que a ANP atue para verificar controvérsias entre as partes, a qualquer momento da negociação do acesso. Além disso, prevê que “na hipótese de necessidade e viabilidade técnica e econômica”, o regulador determine ao proprietário da infraestrutura a ampliação do ativo para atender ao acesso de terceiros interessados, “sob pena de ter revogado o ato de outorga”.
Amorim, da Veirano, avalia que o compartilhamento da infraestrutura como passou a ser previsto gera uma discussão sobre a capacidade de financiamento de novos investimentos. “Quando você diz: ‘todo mundo vai usar, o acesso é compartilhado’, tem benefícios em se compartilhar, sem dúvida, mas tem que ver como isso é viável, como está sendo financiado”, diz.
Por outro lado, Boechem, da Lefosse, considera que o decreto traz muitos conceitos que abrem a possibilidade de aplicação “boa ou ruim”. “Isso preocupa, em especial no cenário de curto prazo”, diz, lembrando que a ANP recebeu recentemente diversas competências, incluso relacionadas ao hidrogênio de baixo carbono, no entanto, sequer conseguiu concluir a agenda regulatória anterior relacionada ao mercado de gás.
*Colaboraram Denise Luna e Eliane Sobral
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