Mercado calcula chance maior de governo cumprir arcabouço por alta de receitas, mas há riscos
14 de outubro de 2024
Por Eduardo Laguna e Renata Pedini
Embora continue sendo um desafio reduzir o déficit das contas públicas para pelo menos 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), o mercado agora calcula uma chance maior de o governo chegar neste ano ao limite inferior da meta fixada no arcabouço fiscal. A distância ao objetivo foi encurtada pelo aumento da arrecadação, graças às surpresas positivas da atividade econômica, porém a meta exigirá algum aperto no cinto dos gastos na reta final do ano.
Nas contas do Santander, que passou a ver uma probabilidade superior a 50% de cumprimento da meta, o esforço fiscal para atingir o objetivo é de aproximadamente 0,2% do PIB. Em valores, cálculos feitos pela Instituição Fiscal Independente (IFI) apontam para a necessidade de superávit – ou seja, receitas superiores às despesas – superior a R$ 57 bilhões no último trimestre do ano. Se fizer isso, o governo conseguirá terminar 2024 com déficit de R$ 28,8 bilhões, saldo aceito pela regra fiscal.
Facilita o esforço o fato de parte das despesas já ter sido antecipada no primeiro semestre, caso, por exemplo, da antecipação entre maio e junho do décimo terceiro salário de aposentados. Também há motivação política para que o esforço seja feito, uma vez que, pelas penalidades do arcabouço, o estouro da meta levará a um menor espaço para gastos em 2026, ano em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva provavelmente buscará a reeleição.
Já em relação ao ano que vem, haverá ainda o desafio de acomodar a expansão das despesas obrigatórias dentro do limite do arcabouço, que permite um aumento das despesas em, no máximo, 2,5% acima da inflação. O teto, se respeitado, implica uma redução relevante do impulso fiscal em 2025, conforme avaliaram analistas da Bradesco Asset Management em sua última revisão mensal de cenário.
Ainda que o último relatório da IFI, publicado há duas semanas, tenha apontado risco de descumprimento da meta, dada a deterioração da política fiscal, a diretora da instituição, Vilma da Conceição Pinto, acredita que o limite inferior do alvo será alcançado em 2024. “A pressão ficou nos meses iniciais do ano. Vários fatores vão ajudar o perfil da despesa primária neste último trimestre, mas não necessariamente por mudança estrutural das despesas”, comenta a economista.
Conforme Vilma, o cenário para o ano que vem tem desafios, porém haverá mais tempo para ajuste das despesas. “Lembrando que o governo tem trabalhado na agenda de avaliação de gastos de forma mais efetiva. Provavelmente teremos no ano que vem alguns resultados.”
Especialista em contas públicas do Santander, o economista Ítalo Franca calcula em torno de R$ 5 bilhões o bloqueio orçamentário que o governo precisará fazer no mês que vem, basicamente em razão do crescimento das despesas previdenciárias. “Aí chega muito próximo [da meta]. O problema é que vamos precisar de novos fatores extraordinários para continuar na trajetória de consolidação fiscal”, comenta Ítalo, ponderando que parte das receitas obtidas pela União em 2024 não são recorrentes.
Em relação ao ano que vem, a expectativa do economista do Santander é de o governo economizar R$ 18 bilhões com o pente-fino em benefícios sociais. Por ser menor do que a economia de R$ 25,9 bilhões prevista pela equipe econômica, a tendência, prevê Ítalo, é de um contingenciamento de R$ 5 bilhões a R$ 10 bilhões já em março. “Ninguém quer fazer um aperto, mas vai precisar contingenciar.”
Ainda que a meta seja entregue, os questionamentos do mercado sobre a consistência dos resultados fiscais permanecem. Com a autorização de créditos extraordinários no combate a queimadas, o uso de fundos para reforçar programas sociais e a retirada do socorro ao Rio Grande do Sul dos limites fiscais, um volume expressivo de recursos é excluído do cálculo da meta, só que não da dívida pública. Pelas previsões de mercado, a dívida pública caminha para chegar em quatro anos a um nível só experimentado durante a explosão sem precedentes de gastos na pandemia, quando o endividamento do País ultrapassou os 87% do PIB. “O risco fiscal ainda está presente”, diz Vilma, da IFI.
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