Linhas focadas em sustentabilidade buscam fazer que entes se preocupem com tema
17 de setembro de 2024
Por Luiz Araújo
As prefeituras brasileiras mais que dobraram o volume de recursos captados via operações de crédito entre 2013 e 2023. A alternativa de financiamento, inicialmente impulsionada por períodos de crise financeira, tem se mantido como estratégia orçamentária de gestores municipais. Um dos efeitos desse movimento tem sido o maior alinhamento das cidades a aspectos ambientais. Isso porque, para pleitear as linhas ofertadas por instituições de fomento, os projetos precisam cumprir requisitos cada vez mais exigentes quanto à agenda verde.
Os municípios financiam seus investimentos por três vias principais: recursos próprios, advindos de sua receita corrente e transferências constitucionais; transferências de capital dos demais níveis de governo; e com operações de crédito. Segundo dados da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), do total de recursos aplicados em infraestrutura urbana em 2023, 53,1% foram financiados com recursos próprios, 23,2% vieram de transferência de capital de outros níveis de governo (federal e estadual), 16,5% de operações de crédito, e 7,2% de outras fontes.
Apesar de os recursos próprios serem a principal fonte de financiamento de projetos em municípios, o Anuário Multicidades, da Frente Nacional de Prefeitos (FNP) mostra uma mudança no padrão desse financiamento, com peso cada vez maior das operações de crédito nos investimentos em cidades. O volume de recursos destinados aos municípios pelo Sistema Nacional de Fomento (SNF), que reúne 30 agências e bancos, atingiu o maior valor da série em 2023, alcançando R$ 16,1 bilhões, um crescimento nominal de 42,4% em relação a 2022.
O presidente da ABDE, Celso Pansera, diz que os bancos e agências de fomento têm sido acionados cada vez mais para financiar a infraestrutura local, atendendo tanto a emergências quanto à necessidade de preservar a liquidez dos caixas municipais. “Mesmo municípios superavitários podem preferir preservar sua liquidez ao utilizar recursos de fomento para grandes projetos”, afirma.
Agenda verde
Quando categorizados, os recursos destinados pelo SNF com alinhamento a parâmetros ambientais somaram, em 2023, R$ 5,1 bilhões, contra R$ 3,1 bilhões em 2022, um aumento de 64,51%. Dessa forma, o aumento de recursos para projetos com aspectos da agenda verde foi superior ao crescimento de 42,4% do total de recursos captados por operações de crédito no mesmo período.
Para avaliar o papel do SNF no financiamento ao desenvolvimento sustentável nas cidades brasileiras, foi analisado o enquadramento das operações de crédito nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesta seção, foi utilizada uma metodologia de classificação de financiamentos nos ODS desenvolvida pela ABDE e pelo PNUD, que identifica palavras-chave associadas a cada ODS e compatibiliza esses termos com a descrição detalhada das operações de crédito.
Os recursos destinados aos ODS 9 (Indústria, infraestrutura e inovação) e ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis), que se alinham de forma mais direta à agenda das cidades, foram avaliados mais profundamente em categorias específicas. Os recursos direcionados ao ODS 9 cresceram 57,3% no período analisado, totalizando R$ 2,4 bilhões.
Os recursos direcionados ao ODS 11 cresceram 67,4% no período, totalizando R$ 2,7 bilhões. É evidente a alta concentração de recursos na infraestrutura tradicional, em obras de pavimentação e saneamento. Infraestruturas relacionadas à energia elétrica, relacionadas a iluminação pública e a placas fotovoltaicas, receberam 6,5% dos recursos.
Uma das instituições pioneiras na oferta de linhas de crédito que têm aspectos ambientais como critério de seleção é o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). “Participamos de eventos internacionais sobre sustentabilidade ainda quando o tema não era tão falado por aqui”, afirma o presidente do BDMG, Gabriel Viégas Neto.
O objetivo do BDMG, segundo o representante, é que os desembolsos estejam alinhados a pelo menos um ODS. Em 2024, de janeiro a julho, 52% dos financiamentos do banco cumprem essa meta. “As linhas com foco em sustentabilidade buscam fazer com que as prefeituras também se preocupem com o tema”, defende Viégas Neto.
A diretora de Socioambiental do BNDES e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, diz que as linhas ofertadas aos municípios cobram, quase em sua totalidade, o atendimento a aspectos de sustentabilidade ambiental e social. “Buscamos transformar permanentemente as cidades, ajudando a superar seus desafios urbanos históricos e preparando-as para o futuro”, afirma. Entre os projetos financiados pelo banco estão aquelas para a troca de iluminação pública por led, substituição de ônibus a diesel por elétricos e construção de linhas de metrôs e trens.
Entre outros exemplos de ofertas por agências e bancos de fomento com critérios ambientais estão as linhas como a de “Municípios Sustentáveis”, da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia) e da Agência de Fomento do Estado de São Paulo (Desenvolve SP).
O Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) oferece nove linhas específicas com critérios ambientais, entre elas: Mobilidade Urbana, Iluminação Pública, Gestão Pública, Água e Saneamento Público, Gestão de Resíduos e Reciclagem; Cidades Sustentáveis e Indústria e Comércio Sustentáveis.
Ritmo de adaptações
A demanda de adaptação de projetos para que se atenda a agenda verde foi uma mudança de paradigma para gestores, conforme observa o secretário-executivo adjunto da FNP, Jeconias Júnior. “Incluir a questão climática é essencial para desenvolver cidades com infraestruturas resilientes e ambientalmente adequadas”, considera.
Uma preocupação nesse processo, destaca Celso Pansera, é de que se tenha cautela para observar os diferentes níveis de maturidade das gestões municipais. “A consciência sobre iniciativas sustentáveis é mais evidente em cidades grandes. Em pequenos municípios, que enfrentam problemas ainda mais urgentes, a sustentabilidade ainda não é uma prioridade”, afirma, ao defender uma progressividade.
Para acelerar essa consciência entre as prefeituras, o representante da FNP diz que vale a máxima de que há eficácia de se “mexer no bolso” de gestores. “As linhas de crédito, para serem educativas nesse sentido, precisam ser mais vantajosas. Precisa ter taxas diferenciadas para financiar estruturas que sejam verdes, que sejam voltadas à resiliência. Isso vai educar”, avalia.
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