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‘Pior da inflação de alimentos já passou’

Em entrevista ao Broadcast, o economista José Roberto Mendonça de Barros, afirma que o alívio virá

5 de fevereiro de 2025

Por Isadora Duarte

O economista José Roberto Mendonça de Barros avalia que o “o pior já passou” quanto à inflação dos alimentos. Mendonça de Barros espera uma menor pressão inflacionária dos alimentos consumidos nos domicílios neste ano, estimada em 6% pela MB associados, consultoria da qual é sócio, ante 8,2% reportado em 2024. Ele lembra que houve tempestade perfeita em 2024 com demanda aquecida e choques na oferta.

O alívio neste ano vem da maior produção de grãos, enquanto carnes, café e laranja devem continuar com preços elevados, aponta o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “Deve haver melhora a partir do segundo trimestre, até aparecer os efeitos da entrada da safra no atacado, na indústria e varejo”, disse Mendonça de Barros, em entrevista exclusiva ao Broadcast Agro.

O resultado vai depender ainda, pondera, do câmbio e do clima no próximo mês. Mendonça de Barros refuta a ideia de medidas “mágicas” ou intervenções para frear os preços elevados dos alimentos, como foi cogitado por membros do governo. “O que resolve preço alto é produção maior. De imediato, o governo tem de esperar a safra”, defendeu. Leia os principais trechos da entrevista:

Broadcast Agro – Vemos desde o ano passado uma inflação de alimentos resistente, que tomou o noticiário e atenção do Executivo nas últimas semanas. Como o senhor vê esse cenário? Os alimentos serão novamente neste ano ser o calcanhar de Aquiles da inflação?
José Roberto Mendonça de Barros –
Tenho a impressão que o pior já passou em 2024. No ano passado, tivemos uma combinação relativamente rara de demanda das famílias muito forte e choques na oferta de alguns produtos, tanto lá fora como no País. A alimentação nos domicílios terminou dezembro do ano passado com alta de preços de 8,2% ante 0,5% negativo de dezembro de 2023. Foi um salto extraordinário.

Em 2024, a transferência de renda, o mercado de trabalho bastante aquecido e as transferências governamentais muito robustas via Bolsa Família e INSS geraram uma situação em que a renda real das famílias cresceu entre 8% e 9% e acarretando, em particular, na maior demanda por alimentos. Já neste ano, a demanda vai desacelerar ao longo do ano, em parte porque a taxa de juros vai tornar o crédito mais caro e mais escasso. Além disso, o mercado de trabalho tende a piorar com aumento de desemprego em virtude da política monetária restritiva, afetando a renda e a segurança das famílias.

Do lado da oferta, tivemos um conjunto de pressões grandes de preços em 2024. O preço da laranja subiu 41%, de suínos 20%, as carnes vermelhas subiram entre 20% e 25%, leite longa vida 19%, óleo de soja 29% e café 40%. A cesta inteira sentiu a pancada dos preços mais altos e isso compõe a maior parte das compras de todas famílias, com diferentes pesos em virtude dos níveis de renda.

Broadcast Agro – Neste ano, do lado da oferta, a perspectiva é então de menor impulso sobre os preços dos alimentos?
Mendonça de Barros –
Para três grupos de alimentos, temos problemas globais de oferta: o café, a laranja e as carnes. No caso do café, há quebra de safra do Vietnã, com maior demanda pelo café brasileiro e a produção brasileira não será recorde, portanto, não tem muito porque o preço cair, exceto pelo dólar. A laranja enfrenta problema drástico de produção na Flórida que dizimou as lavouras e rupturas na produção nacional. No caso das carnes, estamos em momento de baixa do ciclo pecuário, com processo de escassez global, o que leva um determinado tempo para recuperação. Com esse choque de oferta, este ano não devemos ter grande refresco nos preços da carne, talvez tenha parado de subir ou terá ainda altas marginais. Já os preços do óleo de soja têm chance de recuo porque a perspectiva é de uma safra boa, assim como para as cotações de suínos com a tendência de queda do custo da ração. O açúcar, depende muito do câmbio, mas deve passar por uma acomodação de preços.

Em um balanço geral, a probabilidade de a conta de alimentação no domicílio neste ano ser menor que no ano passado é muito boa. A nossa perspectiva é de inflação de alimentos no domicílio em torno de 6% ao fim do ano, com viés de alta. Por parte da alimentação, não deve haver pressão adicional para inflação, com a ressalva de que ainda resta mais um mês para a definição da safra. É um quadro ainda delicado porque pesa no orçamento das famílias assalariadas, que vinham com demanda aquecida.

Broadcast Agro – A safra recorde de grãos, portanto, será o fiel da balança para contrapor este movimento ainda de pressão de alguns itens agrícolas? Em que momento podemos ver este alívio da safra nos preços?
Mendonça de Barros –
Deve haver melhora a partir do segundo trimestre, até aparecer os efeitos da entrada da safra no atacado, na indústria e varejo. Dentre a cesta de produtos básicos, a única coisa que pode melhorar o cenário de oferta significativamente neste ano com reflexo nos preços é a produção de grãos e seus derivados, como óleo de soja e alimentação animal. O restante, como as proteínas, tem impacto indireto esperado por uma boa safra de grãos. É preciso esperar cautelosamente ainda este mês para o progresso do plantio do milho safrinha, mas os sinais apontam para uma boa safra. Além disso, o efeito da política monetária restritiva na desaceleração da atividade econômica deve ser mais rápido neste ano, o que torna também o efeito de uma boa safra sobre a inflação mais perceptível.

Broadcast Agro – O agro diz que a culpa dos preços mais elevados não é do setor em si, mas sim do câmbio. A desaceleração do dólar ante o real, com a divisa americana operando abaixo de R$ 6, pode contribuir para amenizar também o efeito inflacionário? O próprio governo conta com uma trégua do câmbio para conter os preços elevados dos alimentos.
Mendonça de Barros –
Até agora, a queda sistemática do dólar está ajudando. Entretanto, aproximadamente metade da desvalorização do real no ano passado foi choque externo, sobre o qual não temos controle. Se o cenário piorar muito lá fora com o programa econômico nonsense e políticas desastrosas de Trump, o câmbio vai se desvalorizar novamente. No momento, não podemos contar com dólar nem a R$ 5,80 e nem a R$ 6,30, mas com expectativa de forte volatilidade. É o cenário mais perigoso dos últimos tempos. Do ponto de vista econômico, as razões para a inflação de alimentos são o aquecimento da demanda, derivada do aumento dos gastos públicos e a transferência de renda, combinada aos choques de oferta em virtude do clima adverso. Certamente, não é culpa do agro sob nenhuma hipótese, mas o agro não pode negar que teve preços altos de produtos agrícolas.

Broadcast Agro – No âmbito macroeconômico, poderá haver também reflexo inflacionário local das medidas tarifárias adotadas por Trump?
Mendonça de Barros –
Certamente haverá impacto inflacionário nos EUA. A imposição de tarifas sobre os produtos vai aumentar a inflação. Com inflação, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) no seu devido tempo, vai aumentar os juros. Ou Trump tira o pé do acelerador ou ele vai ter um problema grande. O canal básico de impacto dessas medidas no Brasil é o câmbio.

Broadcast Agro – Economistas heterodoxos atribuem a culpa da inflação local às fortes exportações do agronegócio brasileiro. Na sua opinião, essa posição do Brasil de protagonista no comércio internacional de produtos agrícolas é prejudicial aos preços locais?
Mendonça de Barros –
Os heterodoxos sugerem taxar exportações para reduzir o preço dos alimentos olhando apenas o curto prazo. No curto prazo, um tarifaço sobre exportação pode levar à queda dos preços, mas é um mecanismo que vai desestimular a produção. Temos um exemplo na vizinha Argentina. É uma medida que no debate econômico está ultrapassada há 20 anos e ressurge na discussão nesses momentos de crise. É um mecanismo tão limitado quanto à formação de estoques reguladores, que custam caro, o produto estraga e dá margem à corrupção. É muito mais fácil o governo transferir recursos via Bolsa Família e deixar o sistema funcionar adequadamente. É um equívoco absoluto completo pensar em taxar exportação ou fazer rede popular de abastecimento de alimentos. O governo mandou bem em descartar essas medidas e afirmar que não haverá mágica. A melhor forma de baixar preços de alimentos é aumentar a produção.

Broadcast Agro – O governo estabeleceu uma espécie de cruzada para combater os preços dos alimentos, cogitando reduzir a alíquota de importação de alguns produtos, cujos preços superem a paridade internacional. Há também a promessa de medidas para aumentar a produção de alimentos básicos, com maior direcionamento de recursos do Plano Safra para a produção destes itens. São medidas efetivas?
Mendonça de Barros –
O impacto imediato que haverá nos preços é a colheita da safra 2024/25. Já existem estímulos específicos à produção. Os preços não aumentaram em decorrência de falta estrutural e permanente de produtos. Tivemos quebras aqui e lá fora e temos que esperar a recuperação. Juros diferenciados para produção de alimentos básicos também têm efeito limitado, primeiro porque há limitação de recursos pela questão fiscal e porque é a produtividade que faz diferença em volume.

Em relação à importação, não é uma solução para resolver o problema no curto prazo. Neste momento importar talvez não vá resolver o problema porque o Brasil é mais competitivo na maior parte dos produtos agrícolas. Há poucos produtos que poderíamos importar, cujos preços lá fora possam ser menores que os locais e em pequena escala.

Broadcast Agro – No momento, resta ao governo esperar a entrada da safra?
Mendonça de Barros –
Em termos genéricos, o governo tem de esperar. É possível ter coisas pontuais e regionais que podem ser feitas. Mas, com impacto geral, não vejo o que fazer. Importar laranja? Não há oferta no mundo. As carnes também têm oferta escassa global. Excluindo medidas imparciais ou equivocadas, não consigo enxergar nada relevante que mude a história da inflação de alimentos que possa ser feito no curto prazo que não seja esperar a safra, além do suporte usual que é dado pelo Executivo com o Plano Safra. O que resolve preço alto é produção maior.

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