Agronegócios
06/05/2019 11:47

Entrevista/Gustavo Junqueira: governo ser protagonista no crédito rural é um equívoco


Por: Gustavo Porto

Ribeirão Preto, 6/5/2019 - O protagonismo do governo federal no crédito rural é equivocado, na avaliação do secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Gustavo Junqueira. Em entrevista ao Broadcast Agro, Junqueira cita que o modelo de fomento financeiro ao campo, com juros subsidiados, surgiu no século passado, quando o Brasil era importador de alimentos. Hoje, o País é um dos maiores exportadores do mundo e o cenário econômico, com taxa básica de juros e inflação baixas, permite a revisão desse suporte ao produtor.

Na conversa, durante a Agrishow, realizada na semana passada em Ribeirão Preto, Junqueira avaliou que, além dos juros mais altos que a Selic, a safra 2019/2020 terá mudanças no teto para a tomada de crédito. Com isso, um grupo menor de produtores vai ter acesso aos recursos públicos subsidiados.


Junqueira: Não acho que vai ter (crédito) abaixo da Selic no Plano Safra 2019/2020
FOTO: Tiago Queiroz/Estadão

Há quatro meses no cargo, o secretário avaliou que a Pasta tem pouca integração, mesmo nas pesquisas, e defendeu uma reforma para harmonizar o setor público. Junqueira lembrou que o perfil dos deputados e deputadas da atual legislatura faz da Assembleia Legislativa paulista mais urbana do que já foi no passado, o que gera um desafio para o agronegócio e seus projetos de interessa. Leia abaixo a entrevista:

Broadcast Agro - Com a Selic baixa e inflação controlada, o cenário é de estabilidade e de mudança no crédito agrícola. Esse cenário continuará no atual governo?
Gustavo Junqueira -
Os produtores precisam acompanhar a mudança. Havia toda uma estrutura que passava a percepção de ganho com taxa mais baixa que a Selic. Com a queda da Selic, hoje se paga o que se pagou lá atrás. Há uma discussão grande para se entender o que é pequeno, médio e grande (produtor) e como essas estruturas ocupam espaço no crédito.

Agora, como dar crédito ao pequeno sem ser planejado? Do crédito rural, tem um porcentual grande que é Bolsa Família rural. O Banco do Brasil, por exemplo, tem porcentual grande que é um negócio social. Precisa separar o que é crédito rural e o que é ajuda ao produtor. Na nomenclatura é chamado de crédito rural, mas não é crédito, porque ele (produtor) não vai pagar de volta. É, de fato, uma bolsa rural ao morador do campo e não ao de uma atividade produtiva.

Broadcast Agro - Em relação ao Plano Safra 2019/2020, o que você ouviu nas conversas com o governo?
Junqueira -
Teremos juros mais altos, com Selic em 6,5% ao ano. Não acho que vai ter (crédito) abaixo da Selic. Acho que é mais uma questão de disponibilidade do que de baixo custo de crédito. Vão diminuir o teto (da receita para a tomada de recursos). Historicamente, o teto é de até R$ 90 milhões de faturamento (anual) e o que escuto é que vai para algo para algo por volta de R$ 20 milhões. Vai ter um grupo menor de produtores acessando. Não quer dizer que não vão ter grandes produtores, mas vai restringir. E o crédito direcionado vai para os que precisam mais. Acho que o tema da (Reforma da) Previdência e da reforma do Estado é importante, porque há uma redução no custo estrutural.

Broadcast Agro - Essa mudança de cenário no Plano Safra abre espaço para planos plurianuais?
Junqueira -
Essa questão do governo federal ser o protagonista é um equívoco. De fato, o governo tem de dar sinais de estímulos para setor, um apoio para alavancar a atividade de financiamento. Mas o agro não pode ficar dependente dessas estruturas antigas. Todo crédito rural precisa ser repensado 180 graus, porque é da época em que o Brasil era importador de alimentos e se preocupava mais com a quantidade e menos com qualidade.

Broadcast Agro - Aparentemente, bancos e instituições financeiras já fazem isso ao anteciparem as condições do Plano Safra.
Junqueira -
Os bancos conhecem os clientes e sabem quais demandas terão. Em cima do custo de captação, querem ter uma margem e saem vendendo crédito. É o que fazem aqui, na Agrishow. A máquina (agrícola) é um veículo de se vender crédito. A safra começa aqui. Você organiza tudo que o cliente vai comprar no ano, tem a concorrência na feira, isso baixa o custo e gera competitividade. As outras feiras vão sofrer daqui para frente, porque o momento é de transição e o governo não vai liberar mais recursos.

Broadcast Agro - Não é contrassenso entidades do setor de máquinas pedirem a manutenção do suporte ao crédito agrícola em um governo de viés liberal?
Junqueira -
Mais de 50% do País votou em um governo de bandeira liberal. O Brasil não é e não foi liberal até agora. No entanto, a população optou por essa bandeira. Se formos bem-sucedidos, e acredito que seremos, com as reformas o Brasil vai mudar e ter a redução de risco estrutural. Juros cairão e, ao mesmo tempo, o câmbio cairá. Toda estrutura de financiamento e logística nessa visão é orientada para exportação. Se você tem balanço mais forte, se financia por outros mecanismos que não só exportação. Teremos outro agro que não é esse orientado para exportação. Muda a dinâmica que vemos hoje.

Quanto aos subsídios para esses setores, se você tem estrutura de crédito mais robusta e você ver no longo prazo, não se faz necessário. Agora, a visão dos fabricantes é que é preciso uma transição. A mesma coisa é o produtor.

Broadcast Agro - O seguro rural seria um suporte ao crédito que talvez não venha. Será realmente priorizado na próxima safra?
Junqueira -
O conceito de gestão de risco é o pilar da sustentabilidade. E gerir risco não é eliminar risco. O seguro é para dar um mínimo que você precisa para continuar naquele risco. Talvez exista a percepção equivocada daqueles que falam do seguro rural, de que você vai comprar algo e vai se manter inerte, isolado. Seguro rural é um conjunto de ações de gestão que lhe trará menos risco de perda. Se você tem uma gestão moderna de funcionários, financeira, tem preocupação com governança, faz hedge, se observa leis, o seu risco é menor. A visão de gestão é importante, porque consegue acessar seguro e crédito.

Ao mesmo tempo, se não tivermos a visão do Estado, a tecnologia, a gestão podem ser alavancas para piorar desigualdade. No fundo, poucos terão acesso a muita tecnologia e muitos estarão fora desse ambiente.

Broadcast Agro - Você está no cargo há quatro meses. O que encontrou e o que pretende mudar?
Junqueira -
Tem muita gente inteligente e experiente no grupo de colaboradores. Em compensação, há um baixo nível de integração. A Secretaria está dividida e, mesmo dentro da pesquisa, há pouca integração. A extensão rural, que são os guerreiros no campo e que deveriam ter acesso à tecnologia para disseminá-la, tem pouca integração com as áreas de pesquisas. Isso faz com que esse trabalho não seja otimizado. Temos uma defesa que deveria ser o manto de proteção de todo o setor e, muitas vezes, os técnicos ficam amarrados às leis que estão ultrapassadas. E precisamos fazer uma reforma grande de todo o setor público para que se possa fazer o melhor trabalho. Temos um problema gravíssimo de sucessão e, ao longo do tempo, os pesquisadores não têm para quem passar as pesquisas.

Broadcast Agro - No atual mandato, surgiram duas frentes parlamentares do agronegócio na Assembleia Legislativa de São Paulo. Como vocês vão trabalhar isso dentro do Legislativo?
Junqueira -
O Estado de São Paulo é muito diferente do que ocorre na Câmara. O Brasil é mais agro do que São Paulo. Essa legislatura da Assembleia é a que tem o menor número de representantes das cidades do interior. A Assembleia é bem mais urbana do que já foi, há um desafio para gerenciar projetos (de interesse do agronegócio) e também para formar a frente do agro. Muitas vezes você vai trazer pessoas que não são do agro para compor essa frente e, a partir do entendimento, formar grandes apoiadores.

Na frente parlamentar precisa haver o entendimento do que queremos defender, de qual o agro que São Paulo vai ter daqui para frente e qual a política pública que a Assembleia busca. O Legislativo precisa ouvir a população e não apenar ouvir o Executivo. A composição das frentes será importante para construir essa questão e a Secretaria acha que pode ajudar muito na gestão e na definição de políticas públicas.

Contato: gustavo.porto@estadao.com
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