Economia & Mercados
16/09/2021 10:08

Entrevista/Aldo Mendes: BC está sozinho no combate a inflação que não se vence com juro


Por Francisco Carlos de Assis

São Paulo, 16/09/2021 - O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, agiu a tempo e, com isso, evitou a desancoragem das expectativas em relação à Selic. A avaliação é do ex-diretor de Política Monetária do BC Aldo Mendes, após mensagem do banqueiro central na terça-feira (14) que conteve apostas de aperto mais agressivo do juro básico no próximo Copom.

Ao Broadcast, Mendes fala da dificuldade de o Banco Central combater a inflação em curso, basicamente de alimentos e energia elétrica. Segundo o ex-diretor, o BC está sozinho no combate a uma inflação derivada de produtos inelásticos na cesta de consumo do brasileiro, além do repasse de uma taxa de câmbio elevada, que reflete a desconfiança dos estrangeiros da política fiscal.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.


Broadcast: O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, conteve apostas de aperto agressivo da política monetária. O mercado estava exagerando na precificação da Selic ou o BC deveria optar por um aperto agressivo?

Aldo Mendes:
O presidente do BC foi muito feliz na declaração dele para reorganizar as expectativas porque tinha casas com previsão de alta de 1,25 ponto porcentual na Selic. Foi importante ele dizer que a política monetária precisa ser calibrada na medida do necessário. Tinha muita gente que estava precisando baixar a bola. Campos Neto jogou água na fervura e já deve ter muita gente recalculando as projeções.

Broadcast: Estávamos diante de um risco de desancoragem das expectativas?

Mendes:
Estávamos caminhando para isso porque o preço do petróleo lá fora está muito pressionado e aumento de preço de combustíveis é inflação na veia. Preços de carros usados estão exorbitantes, a inflação está muito alta, estamos passando por uma crise hídrica e há uma incerteza política muito grande no País.

Broadcast: Há quem defenda que o BC exagerou na redução da Selic a 2% ao ano e que depois demorou demais para retomar o ciclo de alta. O senhor concorda com isso?

Mendes:
Não acho que o BC errou ao baixar a taxa de juro, naquele momento, de pandemia, nem para subir. O problema não está no BC. Temos um governo complicado que suscita incertezas para o investidor. Fazem mais mal para a economia os impactos políticos que os impactos econômicos. Isso leva a um comportamento defensivo dos formadores de preços. O aperto monetário nos Estados Unidos atrapalha, mas o maior problema é interno e é político.

Broadcast: Com o avanço da vacinação, o setor de serviços, que por característica é mais inercial, começa a ser reaberto. A inércia para 2022 preocupa?

Mendes:
Preocupa sim. A única questão positiva na economia é o avanço da vacinação porque faz a economia voltar aos poucos. Claro, tem setores mais machucados, como o próprio setor de serviços. E os riscos não acabam porque a pandemia continua. A inflação está, em grande medida, vindo de energia e alimentos. É um tipo de inflação muito difícil de se combater com política monetária e só temos política monetária. Não virá ajuda do câmbio nem dos produtos que estão em alta porque são produtos com uma inelasticidade muito alta na cesta de consumo.

Broadcast: O senhor está me dizendo que o BC está sozinho?

Mendes:
Sim porque o que vemos é uma fragilidade muito grande da política fiscal. Tem o assunto dos precatórios que não foi concluído, o teto de gastos sempre ameaçado com propostas fura teto, um Orçamento que o governo não consegue administrar e, com a fragilidade fiscal, ajuda de fora não virá.

Broadcast: O que o senhor quer dizer quando fala que o governo não consegue administrar o Orçamento?

Mendes:
Que o governo está refém do Congresso, que o Orçamento está cada vez mais amarrado às emendas, que a Economia [Ministério] está com as mãos atadas, que o estrangeiro vê muitos problemas no Brasil.

Broadcast: E qual o impacto de tudo isso sobre a economia?

Mendes:
Prejuízo para o PIB e um câmbio que não vai voltar no curto prazo porque o Brasil não tem credibilidade junto aos investidores estrangeiros. O câmbio reflete a desconfiança dos estrangeiros na política fiscal e isso não se resolve com os Poderes conflagrados.

Broadcast: O senhor diz que o BC não errou em demorar a subir juros. Mas supondo que a tivesse subido, a taxa de câmbio não estaria mais mansa?

Mendes:
Se tivesse começado a subir o juro antes, teoricamente, é possível que tivéssemos em uma posição melhor para atrair mais investimentos. Mas temos o rescaldo da pandemia e um desemprego elevado. Então, diria que teoricamente sim, mas teríamos que trazer para o presente o efeito de um ciclo de aumento de juro iniciado antes.

Broadcast: Sobre a crise hídrica e energética, o senhor acha que teremos racionamento?

Mendes:
Agora, acompanhando a imprensa, começo a ver com alguma preocupação. Antes achava que não teríamos racionamento porque desde os anos 2000, quando tivemos, a estrutura melhorou muito. Acabou aquela dificuldade de o setor elétrico de um Estado conversar com a de outro. Esperava que a crise fosse ocorrer no Sudeste do País e que o Sul continuaria produzindo e despachando energia para outros Estados, mas já começo a ver a questão com preocupação.

Broadcast: Ontem o BC divulgou o seu índice de atividade econômica, o IBC-Br de julho, com alta de 0,60% na margem. Como o senhor leu os dados?

Mendes:
Veio um pouco acima do que o Broadcast previa. No mês contra mês veio muito bom. Mas quando olha o interanual [julho deste ano comparado a igual mês no ano passado, com alta de 5,53%], não é muito bom. Tem aí a armadilha da base de comparação muito fraca porque pega em 2020 o auge da pandemia. Mas mais que olhar para trás temos que olhar para frente, para onde o pessimismo existe, e não é grátis porque o que acontece hoje vai lá para frente.

Broadcast: Os economistas que estão revisando para abaixo de 1% as expectativas de PIB em 2022 estão exagerando?

Mendes:
Como disse, com base no que acontece hoje, o pessimismo para frente não é gratuitamente. Vai ter redução de PIB em 2022, mas não acho que é para as expectativas recuarem para abaixo de 1%.

Contato: francisco.assis@estadao.com
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