Economia & Mercados
31/01/2022 09:15

Bolsa tem forte entrada de estrangeiro em janeiro, mas ânimo não deve perdurar em 2022


Por Bruna Camargo e Luísa Laval

São Paulo, 28/01/2022 - No FinTwit, não se fala de outra coisa. O estrangeiro decidiu investir e bastante na Bolsa brasileira neste início de ano. Só até o dia 26 - dado mais recente disponibilizado pela B3 -, a entrada líquida foi de R$ 24,847 bilhões, valor maior que o registrado no mês anterior (R$ 14,547 bilhões) e equivalente a 35,1% do total de 2021 (R$ 70,758 bilhões). O volume é maior que o registrado ao longo de todo o janeiro de 2021, quando o capital externo somou R$ 23,556 bilhões.

O saldo multibilionário é uma surpresa positiva e até inesperada, de acordo com especialistas ouvidos pelo Broadcast, para um 2022 que começou marcado pela tensão com a corrida presidencial, pela elevação da Selic a dois dígitos, desajuste nas contas públicas e aperto monetário global. Em contraponto a esse cenário que deixa cautelosos até gestores de fundos, os estrangeiros veem alguns atrativos no mercado doméstico. Preços descontados na Bolsa em comparação aos pares emergentes, a liquidez costumeira de início de ano e a busca por empresas de valor são alguns dos pontos citados pelos analistas para justificar essa forte entrada de capital estrangeiro nos últimos dias. O empurrão é visto, inclusive, como a justificativa para o Ibovespa estar sustentando o sinal positivo mesmo enquanto Wall Street sofre baixas com a aversão ao risco nos mercados internacionais.

Alguns dados evidenciam que, a olhos de investidores dolarizados, o Brasil ficou barato em comparação a pares emergentes. Segundo levantamento da Economatica, o Ibovespa dolarizado sofreu uma perda de 8,25% em 2021, enquanto o IPyC, índice mexicano, apresentou desvalorização também em dólar de 3,98% no ano. No mesmo período, S&P 500 e o Dow Jones, ambos em Nova York, caíram, mas bem menos: 1,11% e 2,04%, respectivamente.

Outros dados que indicam que o Brasil ficou descontado perante mercados emergentes são dos índices MSCi. O MSCi Brazil (que acompanha o desempenho de grandes e médias empresas brasileiras) registrou desempenho anual negativo de 17,40% em 2021, enquanto o MSCi para mercados emergentes apresentou queda de apenas 2,54%.

Brasil volta ao centro das atenções

O investidor estrangeiro estava há alguns anos enxugando a alocação em América Latina. O Brasil viu sua presença no portfólio de fundos direcionados à região diminuir de aproximadamente 30% para algo perto de 10%, segundo conta Victor Natal, estrategista de ações com foco em pessoa física do Itaú BBA. No comparativo com emergentes de outras partes do planeta, como China e Índia, o Brasil também via redução.

No entanto, algumas mudanças recentes de fluxo foram notadas. "A China vinha em uma tendência crescente até 2020 e, em 2021, deu uma caída. Isso demonstra as preocupações mais recentes com a economia chinesa", avalia Natal. "Outro emergente também vem passando por um momento de volatilidade, que é a Rússia, com esse conflito com a Ucrânia", acrescenta. Para o estrategista em ações no Itaú BBA, é possível dizer que uma parte do capital que deixou de entrar em outros emergentes pode estar sendo desviada para Brasil.

Mas não são apenas os pontos negativos de outros emergentes que fizeram o investidor estrangeiro voltar a olhar para o Brasil. O câmbio doméstico é um ponto importante no atual cenário, segundo André Rosenblit, diretor da Santander Corretora. "Nos nossos modelos, ao considerar inflação, juros e paridade, o valor justo do câmbio é próximo a R$ 4,90, ou seja, está agora perto de 10% acima do valor justo. Isso quer dizer que o Brasil está, aproximadamente, 10% mais barato para o gringo", aponta Rosenblit.

"Além disso, o Brasil é um dos poucos países em que o preço atual é mais baixo do que a média dos últimos 10 anos para esse país", diz Natal, do Itaú BBA, referindo-se ao P/L (relação preço/lucro das ações). Ele observa que o P/L na Bolsa brasileira hoje é de aproximadamente 8,0x 2022, sendo que a média dos últimos 10 anos gira em torno dos 11,5x. "Então, se acreditarmos que o preço da Bolsa hoje tende a se aproximar da média, podemos dizer que há mais a ganhar estando investido no Brasil do que estando investido na China, por exemplo", destaca Natal.

O estrategista do Itaú BBA acrescenta que, do ponto de vista técnico, o principal atrativo do Brasil aos olhos estrangeiros deve ser o potencial de valorização, já que, do ponto de vista de fundamentos, nada mudou muito de dezembro para janeiro. "Nossas expectativas com inflação e juros não mudaram muito e continuamos tendo um ano eleitoral volátil à frente. A única coisa que posso citar é a Ômicron, pois, conforme o tempo foi passando, ficou mais claro que não deve ser uma variante [do coronavírus] que vai causar o fechamento de economias. Mas não explica por si só o inflow de estrangeiros", diz Natal.

Ibovespa recheado de empresas de valor

Mercados por todo o mundo estão enfrentando a inflação, o que significa que os bancos centrais estão em processo de aperto monetário para tentar contê-la. Quando os juros sobem, os investidores tendem a sair das ações de crescimento (growth, com forte potencial de alta) e ir para as de valor (value, ou seja, que oferecem oportunidade por estarem descontadas em relação ao valor justo). A boa notícia, na avaliação de Rosenbilit, da Santander Corretora, o Ibovespa está cheio de empresas de valor.

"[Os investidores estrangeiros] olham a América do Sul, principalmente o Brasil, como o maior polo de commodities do mundo", afirma Rosenblit. "Vale, Petrobras e bancos em geral estão sendo muito demandados pelo estrangeiro", diz o diretor da Santander Corretora, que entende que as empresas de commodities e de serviços financeiros estão sendo vistas como empresas de valor. E juntas representam 60% do Ibovespa.

Dinheiro abundante, mas finito e seletivo

Janeiro é um mês costumeiramente mais líquido para mercados emergentes, com o investidor estrangeiro aproveitando para fazer novas rodadas de investimento e rotações na carteira, segundo Rosenblit. Mas ele não acredita que isso deve se manter a ponto de, no fim do ano, o acumulado de entrada líquida superar o saldo positivo de 2021. "Acho que talvez janeiro seja o melhor mês do ano e, se fosse para 'chutar', eu diria que o número fique entre R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões positivo [no total de 2022]", diz.

A volatilidade esperada com as eleições presidenciais não deve ser a culpada por uma eventual queda no fluxo estrangeiro neste ano, pontua Rosenblit. "O investidor estrangeiro sabe que qualquer ruptura econômica derruba o governo. E grande parte deles são os mesmos que colocam dinheiro na Rússia e na Turquia, que têm situações muito mais complexas. Eles estão acostumados com a volatilidade extra relacionada à política", conclui.

Contato: bruna.camargo@estadao.com ; luisa.laval@estadao.com
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso