Economia & Mercados
25/10/2021 07:55

Bitcoin entra no mercado tradicional via ETF, mas viabilidade é duvidosa


Por André Marinho

São Paulo, 21/10/2021 - Antes um ativo à margem do sistema financeiro tradicional, o bitcoin deu esta semana um importante passo em direção às fronteiras mais convencionais de Wall Street. A estreia do ETF (fundo negociado em bolsa) futuro da criptomoeda, na terça-feira, marcou a negociação do primeiro produto baseado na divisa digital a obter o sinal verde da Securities and Exchange Comission (SEC), a CVM americana.

O ProShares Bitcoin Strategy ETF (BITO) abriu com alta de 5% logo no dia do lançamento e atingiu US$ 1 bilhão em apenas dois dias - o mais rápido a alcançar a marca. Na esteira da inauguração, o bitcoin furou a resistência na casa dos US$ 65 mil e renovou recorde histórico. Por volta das 10h30 desta sexta-feira, no entanto, era negociado a US$ 63,5 mil, depois de um período de realização de lucros.

A expectativa é de que outros fundos semelhantes cheguem ao mercado no futuro próximo, com gestoras como Valkyrie Investments e VanEck na fila para apresentação.
Apenas contratos futuros podem ser distribuídos e a SEC ainda não indicou se vai autorizar papéis à vista.

Apesar do consenso de que o aval regulatório representa um marco para uma indústria praticamente marginalizada, analistas questionam a viabilidade do ETF. No geral, o objetivo dessas aplicações é facilitar o acesso a um ativo ou carteira que, de outro modo, seria difícil de emular. ETFs do S&P 500, por exemplo, reúnem as ações do índice e, dessa forma, ajudam investidores a acompanharem o desempenho dele sem precisar comprar cada um dos papéis.

Com taxa de administração na casa de 1%, o ProShares Bitcoin Strategy seria uma opção cara para obter o ativo desejado, no entendimento de analistas do Brown Brothers Harriman (BBH). "Para a maioria dos investidores, o bitcoin não tem nenhum custo de armazenamento (recorrente) para mantê-lo; você compra e deixa em sua carteira ou conta de câmbio centralizada", dizem.

Outra desvantagem, acrescentam os especialistas do banco de investimentos, é o fato de que contratos à vista não foram autorizados. Como os futuros de bitcoin tendem a ser mais caros que o "spot", o fundo terá que pagar um prêmio toda vez que o contrato expirar. "Este custo de rolamento levou muitos observadores a questionarem a escolha do instrumento da SEC em comparação com um produto de ETF à vista", ressaltam.

O presidente da SEC, Gary Gensler, justificou o sinal verde apenas aos derivativos da criptomoeda como uma medida de proteção ao investidor. Os bitcoins futuros operam na Chicago Mercantile Exchange (CME), que está sob arcabouço de supervisão da Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC). Dessa forma, os cotistas dos novos fundos estariam protegidos contra manipulações e distorções que podem ocorrer no ativo descentralizado.

Mas o Diretor Jurídico e de Compliance da gestora de cripto Hashdex, Bruno Sousa, considera inevitável que a SEC aprove o ETF spot. Em entrevista ao Broadcast, ele explica que a necessidade de rolagem deve criar uma diferença de até 20% entre o desempenho do fundo e do bitcoin. "Na tentativa de proteger o investidor, a SEC acaba induzindo-o a comprar um produto que não necessariamente acompanha o mercado", pontua.

Uma das soluções para esse desequilíbrio, diz ele, passa pelo próprio mercado: o surgimento de outros ETFs tende a difundir a demanda e impedir que ela fique concentrada em apenas um deles. "Mesmo assim, você vai precisar que o mercado de futuro se aprofunde para acompanhar essa demanda, porque senão haverá muita demanda para pouca oferta", pondera o representante da Hashdex, gestora do primeiro ETF de cripto na B3, o HASH11, que busca replicar o índice Nasdaq Crypto.

Mesmo com incertezas quanto à estrutura "não ideal", Souza acredita que o lançamento é "um avanço regulatório super importante". Segundo ele, tentativas fracassadas de aprovação dessa classe de produtos ocorriam desde 2013, mas sempre foram rejeitadas. Agora, há uma percepção de que a indústria cripto é madura suficiente para que a ausência de um ETF crie problemas. Souza chama atenção para a comodidade de um ETF de bitcoin, como a segurança de poder operá-lo em home brokers já conhecidos.

O CEO do DeVere Group, Nigel Green, também vê o evento como um primeiro selo de aprovação de reguladores americanos ao universo cripto. Para ele, a maioria dos investidores deve avaliar o ativo como uma opção para montagem de uma carteira diversificada. "Cripto é o futuro inevitável do dinheiro e certamente haverá vantagens para os investidores que tiverem exposição no início", analisa.

Green entende que a tendência é de que a principal criptomoeda do mundo se beneficie desse movimento e continue a subir. "Estou confiante de que, embora possa haver alguma realização de lucros no curto prazo, de modo que os investidores possam acumular mais depois, o ímpeto é tal que podemos esperar que os preços continuem em sua trajetória de alta", projeta.

O analista Edward Moya, da Oanda, por outro lado, enxerga sinais de "exaustão" para o rali. Na visão dele, há incertezas sobre o nível de consumo de energia do bitcoin, o que o prejudica neste momento de crise de abastecimento. "Um sinal verde em direção aos $100 mil parece difícil até que a crise global de energia seja solucionada", afirma.

Contato: andre.marinho@estadao.com
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