Economia & Mercados
15/10/2020 09:14

Diante da volatilidade nas LFTs, investidor conservador prefere poupança e CDB


Por Ernani Fagundes

São Paulo, 14/10/2020 - A volatilidade vista nas Letras Financeiras do Tesouro (LFTs, ou Tesouro Selic) em setembro e nas primeiras semanas de outubro é um tema de interesse restrito para investidores institucionais (bancos, gestores e fundações) e uma pequena parcela da população (1,35 milhão de investidores ativos) que aplica por meio do Programa de Compra e Venda de Títulos Públicos Federais pela Internet (Tesouro Direto) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Os números de setembro mostram que juntos, o patrimônio aplicado em aplicações conservadoras como a poupança (R$ 1 trilhão) e em CDBs, os certificados de depósito bancários (R$ 1,4 trilhão) supera todo o volume aportado em LFTs (R$ 1,65 trilhão) no mercado secundário, sendo que o estoque em LFTs no Tesouro Direto é de R$ 20 bilhões, ou 1,2% do total emitido em LFTs pela STN.

Mas especialistas consultados pelo Broadcast apontam que essa equação pode mudar em favor da LFTs, se os investidores institucionais avaliarem que a taxa Selic irá subir. "Se o juro subir como o mercado está pedindo, sim. Hoje, para o investidor institucional - que é o principal comprador do Tesouro - a LFT está com juro negativo. A inflação projetada para 12 meses está entre 2,20% e 2,40%, enquanto a Selic over rende 1,90% ao ano", argumenta Felipe Cunha, gestor de recursos da Órama Investimentos.

O gestor argumenta que o investidor conservador do varejo e do varejo alta renda não está acostumado com volatilidade dos títulos públicos. "Se ele vê a aplicação de renda fixa no negativo, ele se assusta. A maior parte do dinheiro está poupança e CDB de grande banco porque esse público não se importa tanto com a rentabilidade, mas com a segurança e a liquidez", compara. Os dados da Anbima de setembro mostram que as LFTs tiveram perdas de 0,27% em setembro, enquanto o CDB rendeu 0,15% (bruto, antes dos impostos) e a poupança registrou ganho líquido de 0,12%. No acumulado de 12 meses, as LFTs tiveram rendimento bruto de 3,08%, ao passo que os CDBs pagaram em média 3,26% (bruto), e a poupança entregou ganho líquido de 2,67%.

Para Alexandre Marques, especialista em investimentos da Ágora, a procura do investidor conservador por liquidez diária em aplicações consideradas seguras foi maior em março e abril, no auge da volatilidade dos mercados por causa da pandemia de covid-19. "Hoje ainda temos o investidor conservador que prefere só CDB triplo A (AAA, maior nota de risco de crédito) que não tem marcação dos papéis (sem volatilidade), mas também temos um público que está descontente com os juros baixos e busca aplicações de risco maior", afirma.

Já Ronaldo Guimarães, do banco digital Modalmais, considera que a volatilidade das LFTs já diminuiu por causa de medidas recentes tomadas pelo Banco Central e pela STN. "A ação conjunta anunciada na noite de sexta-feira (09/10) pelo Banco Central (BC), que limitou em R$ 600 bilhões a rolagem de compromissadas, e pelo Tesouro Nacional, que alterou o calendário de leilões, foi interpretada como uma iniciativa que tende ampliar a demanda por títulos públicos, em especial as LFTs, cujo deságio aumentou bastante nas últimas semanas, impactando os fundos de renda fixa. Cabe ressaltar que o alívio é puramente técnico. Para a solução definitiva do problema é necessário reafirmar o compromisso com as questões fiscais, em particular o teto de gastos", diz.

Na mesma linha de pensamento, Felipe Cunha, da Órama, também considera que a volatilidade dos títulos públicos só irá mudar com o compromisso do governo com o teto dos gastos. "O Campos Neto (presidente do BC) mostrou que está muito atento a isso, ao adotar a limitação das operações compromissadas. O Tesouro também trouxe o vencimento das LFTs de 2023 para 2022, deixando o investidor mais confortável com um prazo de duration menor. Mas, detalhe, sem reformas, o problema da rolagem da dívida fica para o próximo governo", observa.

Vale citar que o mercado não considera o risco fiscal do Brasil como um risco de um calote nos credores, mas sim, as consequências do encurtamento da dívida pública federal, que leve o Tesouro a se financiar no overnight (da noite para o dia), ou de um excesso de liquidez por (emissão de moeda para pagar a dívida em vencimento) que possa provocar a volta da inflação.

Na visão de George Sales, professor de finanças e mercados financeiros da Fipecafi, a volatilidade das LFTs irá permanecer no curtíssimo prazo, pelo menos até as eleições municipais em 15 de novembro próximo, quando os interesses eleitorais vão deixar de interferir no ambiente econômico e também haverá mais clareza sobre uma segunda onda de covid-19 ao redor do mundo. "O BC está trabalhando com uma taxa de juros muito baixa, ao passo que a inflação veio um pouco mais alta em agosto e setembro, o que traz volatilidade para os papéis. Mas para o investidor conservador que possui um horizonte de médio e longo prazo, os preços dos títulos estão com deságio e até pode ser um momento interessante de entrada, se confirmar uma elevação dos juros em meados de 2021", diz.

Selic no radar

Para Marco Harbich, estrategista da Terra Investimentos, a volatilidade nas LFTs existe por causa do problema fiscal, que é muito sério. "Por causa da crise causada pela pandemia, o governo teve que emitir muitos títulos para se financiar. As curvas de juros aumentaram, e os títulos prefixados de 2 anos e 3 anos já estão pagando o dobro da Selic. Na nossa visão, a curva de juros vai subir ainda mais e mexer com a volatilidade", aponta.

Questionado sobre o aumento da Selic em 2021, o estrategista prevê que o Comitê de Política Monetária (Copom) deverá voltar a subir a taxa na segunda reunião do próximo ano. "Se o teto de gastos furar antes, o BC sobe na primeira reunião que tiver. Por sorte, temos um governo e uma equipe econômica que reitera o compromisso de obedecer o teto de gastos. Mas não é só remanejar receitas de um lado para o outro, o mercado quer corte de custos e de despesas", diz. A Terra Investimentos prevê a Selic em 2,75% no final de 2021.

Sobre o comportamento dos investidores conservadores, Harbich lamentou o volume de mais de R$ 1 trilhão na caderneta de poupança. "Mesmo que a Selic dispare e vá para 8% ao ano, o investidor vai continuar perdendo dinheiro na poupança. Um CDB DI de grande banco, que pague 100% do DI com liquidez diária é uma alternativa melhor, sem volatilidade. Já um CDB com prazo de um ano, de um banco médio, já paga 140% do DI, o risco é o mesmo, com a cobertura do FGC, só que precisa desse prazo (um ano) para dar um retorno maior", diz.

Para Alexandre Marques, da Ágora, o período de taxas atrativas em CDBs tem data para acabar. "Quando a Selic voltar a subir, essas taxas médias de 130% do DI em CDBs devem recuar", diz. Vale lembrar que no ano passado, nessa mesma época (outubro), os CDBs pagavam em média, 90% da taxa DI.

Contato: ernani.fagundes@estadao.com
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