Economia & Mercados
23/11/2022 15:02

Especial: Bancos veem impacto incerto de Bolsa Família de R$ 600 sobre inadimplência e crédito


Por Matheus Piovesana

São Paulo, 23/11/2022 - O setor financeiro ainda vê como incertos os impactos da provável fixação do valor de R$ 600 para o Bolsa Família a partir do ano que vem, negociada pela equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com o Congresso. O histórico do auxílio emergencial pago durante a pandemia da covid-19, no mesmo valor, aponta para uma queda da inadimplência. Entretanto, a piora de indicadores macroeconômicos desde então aponta para efeitos diversos.

Inflação e juros afetam gastos

Desde o ano passado, a renda disponível das famílias tem sido comprimida pela alta da inflação. Mesmo com a deflação registrada no terceiro trimestre, os preços de itens básicos, como os de alimentação, continuam elevados. Além disso, a alta dos juros atinge em cheio às famílias que, com a retomada da economia, recorreram à linhas de crédito para manter o consumo.

"Lá atrás teve uma vantagem entre aspas porque o auxílio foi junto com a renegociação que os bancos fizeram. E a inflação não tinha corroído a renda especialmente das classes mais baixas", afirma o diretor de Economia, Regulação Prudencial e Riscos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg. "Agora, a situação é um pouco diferente porque, embora a inflação tenha parado de subir, os preços continuam altos."

Durante a pandemia, a inadimplência entre pessoas físicas no País chegou a um piso de 2,85% em dezembro de 2020, de acordo com o Banco Central. Foi o menor índice da série histórica do regulador, iniciada em 2011. Ao longo do último ano, porém, tem subido e chegou a 3,74%, segundo os dados mais recentes.

Sardenberg destaca que a continuidade do programa de transferência de renda com o valor de R$ 600 pode ajudar a conter uma piora mais acelerada do segmento em que a inadimplência mais tem aumentado: o de pessoas físicas de baixa renda. "Considerando que a inflação é mais forte em segmentos de renda mais baixa, teria um impacto importante se continuasse, na inadimplência de amplo espectro, não só bancária."

Sem dívidas novas

A injeção de recursos na economia não necessariamente estimularia a concessão de novas linhas de crédito. "Quando passamos pelo pior da covid-19, em 2020 e 2021, o governo também lançou medidas anticíclicas, mas grande parte daquele auxílio foi usado para pagar dívidas existentes", afirma o vice-presidente da agência de classificação de risco Moody's, Alexandre Albuquerque.

Ao longo deste ano, o desempenho acima do esperado da economia brasileira, a inflação e, no segundo semestre, a expansão fiscal promovida pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) antes das eleições geraram um deslocamento das expectativas do setor financeiro. Em dezembro do ano passado, pesquisa da Febraban apontava que a expectativa dos bancos era de alta de 6,7% da carteira de crédito neste ano; em novembro deste ano, a projeção havia saltado para 14,1%.

Ainda assim, o cenário nos últimos meses é de desaceleração. Os bancos tentam evitar uma piora mais ampla dos calotes e reduzem de forma gradual as concessões em linhas mais arriscadas, em geral ligadas ao consumo. Albuquerque destaca, ainda, que os juros bancários têm subido, o que freia a demanda por recursos do lado dos consumidores.

"O ciclo normalizado de crédito é esse que estamos vendo hoje", afirma Eduardo Nishio, analista do setor financeiro na Genial Investimentos.

Efeito colateral

Ele acredita que a injeção de recursos na economia através do Bolsa Família tende a ter, no curto prazo, efeito positivo sobre os indicadores de crédito. A questão é que além de uma inflação mais alta que na pandemia, as contas públicas do País estão em situação pior. "Injeção de dinheiro obviamente tira estresse, mas estamos falando de uma condição fiscal pior, uma inflação maior, Selic mais alta."

Sardenberg, da Febraban, pontua que o maior risco é de que as alternativas de financiamento do programa social tragam efeitos sobre expectativas do mercado financeiro para o longo prazo. "Se o número for visto como muito grande, certamente vai gerar um impacto negativo. Implica em abertura de juros e pressão no dólar, e acaba tendo, no gasto privado, um impacto de retração", diz.

Como mostrou o Broadcast, a intenção da equipe de transição é tirar do teto de gastos a integralidade dos gastos previstos com o programa, de R$ 175 bilhões no ano que vem. A divergência diz respeito ao prazo em que essa exceção seria válida, se por quatro anos ou por tempo indeterminado.

Contato: matheus.piovesana@estadao.com
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