Economia & Mercados
03/07/2020 09:31

Junho marca volta de estrangeiro à B3 após oito meses, mas 'retorno' deve ser gradual


Por Fabiana Holtz

São Paulo, 03/07/2020 - Em um sinal de que o pior momento da pandemia na Bolsa pode realmente ter ficado para trás, em junho os estrangeiros ingressaram com R$ 343,030 milhões na Bovespa. O resultado marca o primeiro mês de saldo positivo em fluxo de estrangeiros na B3 do ano. A virada também quebra uma sequência de oito meses consecutivos de retiradas expressivas. Esse retorno, no entanto, deve ser lento e gradual nos próximos seis meses, pondera Daniel Gewehr, chefe de análise do Santander.

"Começamos a esboçar reações de reforma novamente, vide o marco do saneamento, e ao longo de março vimos sinais consistentes de reabertura da economia nos Estados Unidos e na Europa, e embora a pandemia ainda não esteja totalmente controlada, não vemos uma segunda onda", diz ele, em entrevista ao Broadcast.

Gewehr ressalta que a situação atual é melhor em comparação àquela de dois meses atrás. "Tivemos a reabertura da economia nos EUA e na Europa, além de generosos pacotes de apoio a essa recuperação anunciados por esses governos. Sabemos de novos focos de infecção da covid-19, como na China e nos EUA, mas que estão sendo rapidamente contidos", afirma.

Outros pontos importantes, na visão do head do Santander, são a alta das commodities (em particular o minério de ferro) e avanços na aprovação de reformas no Congresso brasileiro, como o novo marco legal do saneamento. "O minério tem sido negociado em torno de US$ 100 a tonelada e o Brasil é o segundo maior produtor do insumo no mundo. A China é nosso principal parceiro comercial e maior consumidora dessa commodity. Isso nos coloca em evidência".

Para Ronaldo Patah, estrategista de investimentos da UBS Wealth Management, são dois os fatores que justificam esse retorno. "O cenário global melhorou e consequentemente o apetite a risco voltou e agora começa a chegar aos emergentes. Não se observou uma segunda grande onda de contágio da covid-19 e vemos que a reabertura de diversas economias está conseguindo acontecer. Acho positivo que o reaparecimento de casos em áreas onde a rotina foi retomada tem sido detectado rapidamente e o surto isolado", concorda o estrategista.

Volatilidade

Aliado a isso, Patah aponta ainda os reflexos dos fortes estímulos econômicos anunciados pelas autoridades monetárias de diversos países. "Está se provando que o pior realmente já ficou em abril. A tendência é de uma volta gradual para os países emergentes, e como o Brasil estava mais descontado que seus pares (em dólar) vimos esse leve retorno de fluxo de estrangeiros em junho", afirma.

A recuperação econômica da China, nosso principal parceiro comercial, é outro ponto crucial para esse retorno dos estrangeiros, afirma Patah. "As exportações do Brasil para a China [de minério de ferro, soja, carne bovina e suína] bateram recorde em maio e junho", diz o estrategista.

Internamente, a extensão do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 por mais dois meses anunciada pelo Governo Federal nesta semana deve continuar contribuindo para a sustentabilidade desse ambiente mais positivo, mas com impacto pontual. "A economia brasileira segue ainda meio anestesiada com a ajuda desse benefício e podemos ter um problema adiante, perto do final do ano, quando esse efeito passar", alerta.

Para o estrategista, o fluxo de estrangeiros pode ficar mais volátil nos próximos meses, por conta da instabilidade econômica e a ausência de comando em ministérios importantes, como Saúde e Educação. "Mas não acredito que chegaremos ao ponto de um impeachment", disse.

Questão ambiental

Ambos concordam ainda que a questão ambiental deve continuar cada vez mais presente no radar dos investidores para a tomada de decisão. É consenso que a imagem do país tem piorado no exterior, mas até o momento, não se observa grandes movimentos do governo para reverter a tendência.

A decisão do fundo soberano da Noruega, o maior do mundo, com US$ 1 trilhão em ativos, de excluir a Vale e a Eletrobras de sua carteira de investimentos é apenas um dos diversos exemplos que reafirma a crescente importância do tema.

Recentemente, sete grandes empresas de investimento europeias também ameaçaram retirar investimentos em produtores de carne, operadoras de grãos e até em títulos do governo do Brasil caso não observem progresso na busca por uma solução para a destruição crescente da Floresta Amazônica.

Na mesma linha, fundos internacionais engajados em causas ambientais e na redução do carbono na atmosfera têm alertado que o desmatamento da Amazônia pode provocar saídas adicionais de capital do Brasil.

No acumulado do semestre, os estrangeiros já retiraram R$ 76,5 bilhões da bolsa brasileira, um recorde histórico. O movimento de fuga, entretanto, teve início no conturbado ano de 2018, com eleições presidenciais, quando as retiradas somaram R$ 11,5 bilhões, e se acentuou em 2019, primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro, com a saída de R$ 44,5 bilhões.

Contato: fabiana.holtz@estadao.com
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