Economia & Mercados
20/07/2022 09:31

Especial: Descolamento entre BC e Focus para IPCA só cresce e está no pior momento desde 2021


Por Eduardo Rodrigues e Thaís Barcellos

Brasília, 19/07/2022 - Apesar dos esforços de comunicação e de prolongamento do ciclo de alta de juros do Banco Central, o descolamento entre as projeções da autoridade monetária e do mercado para a inflação no horizonte relevante não para de subir e está atualmente no pior momento desde março de 2021, quando começou o aperto monetário. Enquanto o BC ainda vê espaço para pôr a inflação de 2023 ao "redor da meta" após dois anos de estouro, o caso já é dado como perdido no Boletim Focus. Para a autoridade monetária, os profundos choques da pandemia de covid-19 e da guerra na Ucrânia deixam tudo mais incerto, até os modelos de previsão. Especialistas avaliam, contudo, que as apostas diferentes para a economia global e local explicam parte da divergência e podem determinar quem vai terminar com a razão.

O consenso do mercado para a inflação no horizonte relevante está acima da projeção do BC desde maio de 2021, considerando os cenários contrastados em cada reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Mas o desvio vem crescendo continuamente desde março, logo após a invasão da Ucrânia pela Rússia. A diferença até fevereiro era da ordem de 0,30pp, mas chegou a 0,70pp em junho. Conforme o Focus, a projeção do mercado para o IPCA de 2022 está em 7,54%, enquanto a estimativa de 2023 já chega a 5,20%, ambas acima do teto da meta de 5% e 4,75%, nessa ordem. Para 2024, está em 3,30%.

No Copom do mês passado, o BC atualizou suas projeções para a inflação para 8,8% em 2022, 4,0% em 2023 e 2,7% para 2024, mas sem considerar ainda o efeito de desonerações aprovadas no Congresso para os combustíveis e um potencial impacto da PEC dos Benefícios. O BC já indicou novo aumento da taxa Selic para agosto, para 13,50% ou 13,75%, dos atuais 13,25% ao ano. Além disso, indicou que a taxa ficará restritiva por mais tempo, para tentar alcançar uma inflação ao "redor da meta" de 3,25%.

Confrontado por um descolamento crescente entre as projeções do BC para a inflação de 2023 e o futuro vislumbrado pelo mercado, o diretor de Política Econômica da instituição, Diogo Guillen, argumentou na semana passada que o modelo usado pela autoridade monetária tem diferenças de premissas. A principal delas é a hipótese - adotada pelo BC desde março - de suavização da volatilidade do preço do petróleo até o fim do ano, que até agora não convenceu o mercado. O diretor admitiu discrepâncias também na análise da trajetória de preços de bens industriais e na definição da taxa de juros considerada neutra - para o BC, agora em 4,0%. E também avaliou que as mudanças geradas pela pandemia na economia podem demandar ajustes nos modelos de previsão.

Para o analista da Tendências Consultoria Marcio Milan, houve uma mudança estrutural na economia após a pandemia de covid-19, o que significa que os pesos de cada item na cesta de inflação podem ter que ser revisados até que uma sintonia fina encontre a nova realidade. "Os choques têm sido mais prolongados e os modelos têm tido dificuldade em captar essa mudança. Isso tem gerado uma maior volatilidade nas projeções, com uma variabilidade de estimativas muito maior do que era no passado", avalia.

Ainda assim, Milan considera que o BC parece estar "muito tranquilo" em relação à inflação de 2024, que já começou a desancorar aos olhos do mercado. "Temos o IPCA acima do teto da meta já por dois anos seguidos, as projeções para 2023 já estão bem acima da meta e o ano nem começou. Vem aí uma minipauta bomba com a alta dos impostos federais sobre combustíveis, com uma porrada para cima nos preços. O cenário é cada vez mais preocupante", alerta.

À espera da recessão?

Para o economista da Tendências, o BC pode estar confiando em uma recessão nos Estados Unidos para esfriar a demanda global, empurrando preços internacionais para baixo com mais rapidez. "Mas é um risco contar com um fator externo que o modelo não captura. Não se sabe se isso vai acontecer ou não", completa.

Há um ano, o Copom mantém a possível reversão, "ainda que parcial", dos preços de commodities em reais, como um fator favorável à baixa de inflação no balanço de riscos - sem materialização até agora. Mas, com as chances crescentes de recessão global, houve redução das cotações em dólar do petróleo, do milho e do trigo no último mês. Considerando o valor em real, contudo, Vitor Martello, economista-chefe da Parcitas Investimentos, observa que os preços estão "de lado" desde o início do ano e avalia que assim devem ficar até meados de 2023, mesmo se houver uma forte desaceleração da atividade econômica global, por problemas de oferta.

Para Martello, porém, o que mais explica a diferença de projeções entre BC e mercado para 2023 é a estimativa para o hiato do produto (0,40pp), além do efeito rebote das desonerações de combustíveis (0,60pp) e um possível impacto via demanda mais aquecida da PEC das Bondades (0,30pp). Sua projeção atual é de 5,3%. Na sua avaliação, os dados surpreendentes de atividade e de mercado de trabalho apontam que não há ociosidade hoje na economia brasileira, algo que só deve aparecer no quarto trimestre. Já a autoridade monetária estima uma abertura de hiato de 1,3% e crescente por todo segundo semestre.

Por outro lado, a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitoria, reduziu sua projeção de IPCA em 2023, de 4,80% para 4,40%, considerando um menor efeito inercial da inflação de 2022 e a expectativa de queda dos preços de commodities devido à perda de fôlego da economia mundial. "A incerteza está pendendo para uma demanda menor. O movimento de commodities reflete isso. O BC pode ir com mais cautela na política monetária e aguardar o impacto na economia", diz ela, que espera que a Selic termine o ciclo em 13,75%.

Já para o economista Alexandre Lohmann, da Constância Investimentos, o cenário mais provável é algo no meio do caminho entre o cenário do BC e as projeções mais recentes do mercado para a inflação de 2023, já na casa de 5,60%, uma vez que é crescente o risco de recessão na Europa e nos EUA - que ainda não parecem precificados pelo mercado.

Considerando uma queda de 20%, progressiva até o fim de 2023, do Índice de Commodities do Banco Central (IC-Br) frente à média do segundo trimestre, a projeção para o IPCA de 2023 chegaria a 4,96%. Se o índice ficar estável, a estimativa vai a 5,62%. "Acho que pode ser factível ficar abaixo do teto da meta no ano que vem. Mas o BC está muito otimista. A inflação no Brasil é muito inercial. Não acredito que vai ter desinflação para baixo de 4% [em 2023]".

Contato: eduardor.ferreira@estadao.com; thais.barcellos@estadao.com
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