Economia & Mercados
01/04/2020 08:19

Especial: Indicadores de confiança derretem e podem voltar a nível da crise de 2015


Por Cícero Cotrim e Thaís Barcellos

São Paulo, 01/04/2020 - O derretimento dos indicadores de expectativa empresarial com o avanço da pandemia de coronavírus no Brasil já indica que a confiança dos três principais setores da atividade pode retornar aos níveis observados ao longo da crise de 2015-2016, até hoje os mais baixos da série histórica. A queda nesses índices, que costumam funcionar como sinalização sobre o desempenho da economia, porém, deve ser rápida, e há muita incerteza sobre o momento e a velocidade da recuperação.

Em março, as sondagens realizadas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) mostraram que a confiança dos empresários de serviços e do comércio tiveram no mês as maiores quedas das séries históricas das pesquisas. Os indicadores retraíram 11,6 e 11,7 pontos, respectivamente, puxados por fortes quedas nos seus indicadores de expectativas, que medem o otimismo dos empresários com o futuro dos negócios.




No caso do varejo, o Índice de Expectativas (IE) teve a queda mais expressiva da série histórica e derreteu 24,3 pontos. A perda é mais do que três vezes superior à de março de 2011, que era, até então, a maior da série histórica - de 7,8 pontos.

As expectativas dos serviços caíram 18,1 pontos, a segunda maior queda a série histórica, atrás apenas de outubro de 2008, quando o indicador cedeu 18,3 pontos, no auge da crise financeira.

A indústria ainda é o setor menos afetado. Em março, a confiança do setor cedeu 3,9 pontos, com queda de 5,6 pontos no indicador de expectativas, a sexta maior da série histórica.



Também o Índice de Confiança Empresarial (ICE), que consolida os resultados dos três setores, além da construção civil, caiu 6,5 pontos, para 89,5, menor nível desde setembro de 2017. O Índice de Expectativas derreteu 14,9 pontos, a maior queda desde outubro de 2008.

Em termos de nível, porém, a confiança dos três principais setores em março ainda está longe dos seus piores dias, na crise política e econômica de 2015 e 2016. Nesses dois anos, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 3,5% e 3,3%, respectivamente.

Agora, a confiança do comércio está em 88,1 pontos (contra 64,4 pontos em outubro de 2015) e a dos serviços, em 82,8 pontos, distante do nível de 65,8 pontos de setembro de 2015. A sondagem da indústria marca quase 100 pontos (97,5 pontos), uma grande diferença para o piso de 73,1 pontos (agosto de 2015).

O economista Rodolfo Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), que acompanha de perto o desempenho das sondagens setoriais, afirma, contudo, que os níveis da confiança estão caminhando para convergir com os patamares da última recessão, de 2015-2016. Mas a queda agora é mais rápida e abrupta, parecida, nesse caso, com a velocidade de deterioração da crise financeira mundial.

"Agora estão todos acima de 80 pontos, e se a gente observar em 2015, chegou à casa de 60 ou 70 pontos (a depender do indicador). Podemos ter mais quedas e chegar nesses níveis de novo, mas de maneira mais rápida do que antes. Estamos vivendo um momento de parada da atividade. Na última recessão, foi um período muito longo de queda."

A expectativa no Ibre é que, em abril, os indicadores de Situação Atual também tenham retração acentuada, nos moldes do tombo das expectativas em março. Tobler lembra que as sondagens são realizadas no decorrer do mês e, na primeira quinzena, os empresários já imaginavam algum impacto futuro nas operações, mas não tinham clareza que os efeitos nos negócios no momento presente seriam tão rápidos e significativos. "Com os decretos e a necessidade de isolamento, começa a cair a ficha dos empresários."

Em relação aos índices de expectativas, o economista do Ibre afirma que não é certo que continuem em queda livre nos setores de serviços e comércio, que já tiveram os maiores recuos da série histórica em março. "Eu até acredito em novas quedas, mas, mesmo se não houver, deve continuar nesse patamar baixo. Não deve ter recuperação enquanto não houver perspectiva de normalização da atividade."

Retomada

É na recuperação que reside a maior incerteza. Segundo Tobler, nas últimas duas crises, o padrão de retomada foi muito distinto. Enquanto em 2008-2009 a queda foi abrupta, mas a resolução rápida, em 2015-2016 a deterioração e a recuperação foram bastante lentas.

"Não temos clareza. A expectativa é de resultados piores no segundo trimestre, mas não se sabe se vai estar tudo resolvido ao longo do terceiro trimestre, se vai ser mais longo, se terá uma segunda onda de contágio", disse.

O economista-chefe do Haitong, Flávio Serrano, também concorda que a deterioração nos indicadores de confiança não deve ser limitada a março e deve se aprofundar em abril. Serrano lembra que a quarentena nas principais cidades do País começou na segunda metade de março, por isso não foi captada completamente pelos índices de confiança, cujos dados são coletados ao longo do mês.

No caso da queda das expectativas, Serrano lembra que há outros desdobramentos, como o adiamento de decisões de investimentos. Para 2020, o economista já projeta queda da produção de indústria, comércio e serviços e também da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF).

"A questão é quanto tempo essa situação vai demorar pra ser normalizada. Quanto mais tempo durar (essa quarentena), mais profundos serão os efeitos sobre a renda e a riqueza das famílias ou sobre os negócios e, assim, maior a demora para voltar ao nível anterior à crise desencadeada pelo coronavírus".

O economista destaca ainda que as atividades não tinham conseguido recuperar ainda o nível pré-recessão de 2015-2016. No último dado disponível, em janeiro, a indústria estava 17,1% abaixo do pico de 2011, enquanto o varejo ampliado se situava 8% aquém do patamar mais alto da série, em agosto de 2012.

O economista Luis Bento, da Rio Bravo Investimentos, pondera que ainda é cedo para fazer projeções sobre o potencial de queda da confiança das empresas. Ele afirma que, ao que tudo indica, o prejuízo causado pelo coronavírus deve ser permanente e ter impactos negativos para a atividade no médio prazo.

"Quando as empresas começarem a quebrar por falta de caixa, a confiança com certeza vai piorar. O nosso modelo leva em conta mais retrações na confiança, nas expectativas, mas é muito incerto até que ponto isso pode ir", afirma.

Contatos: cicero.cotrim@estadao.com e thais.barcellos@estadao.com
Para ver esta notícia sem o delay assine o Broadcast+ e veja todos os conteúdos em tempo real.

Copyright © 2024 - Todos os direitos reservados para o Grupo Estado.

As notícias e cotações deste site possuem delay de 15 minutos.
Termos de uso