Economia & Mercados
30/07/2021 08:44

Reuniões do BC com mercado antes de silêncio do Copom e após IPCA-15 geram desconforto


Por Célia Froufe e Denise Abarca

Brasília e São Paulo, 29/07/2021 - Causaram desconforto as reuniões fechadas realizadas entre agentes do mercado e membros do Comitê de Política Monetária (Copom) na segunda e terça-feiras desta semana, em meio ao estresse pós-IPCA-15 de julho e deterioração da mediana das estimativas de inflação para 2022 no Boletim Focus, que reforçaram dúvidas sobre o ritmo de aperto da Selic a cerca de dez dias da decisão de política monetária.

Embora tenham sido realizados imediatamente antes do período de silêncio Copom, que começou nesta quarta (28), os encontros chamaram a atenção por terem ocorrido em meio a um mercado já bastante nervoso e que buscava algum direcionamento, colocando ainda mais pressão sobre a curva de juros.

O Broadcast cruzou as agendas de diretores e do presidente com os dias imediatamente anteriores ao início do período de silêncio e identificou que a prática foi recorrente em 2021. A diferença desta vez em relação às demais reuniões do ano é que pode ter havido um impacto muito grande no mercado por causa do resultado da inflação, na medida em que as máximas intraday nas taxas dos DIs no começo da semana coincidiram com a indicação dos términos dos encontros trazida nas agendas.

Alguns agentes se sentiram prejudicados por algum tipo de assimetria de informação. "Em casos como este, quando há uma informação de extrema relevância para o mercado, como foi o IPCA-15, seria preciso agir com o bom senso. Não sei se faltou bom senso, se foi falta de atenção ou de não querer desmarcar um compromisso", considerou uma fonte que já teve assento no Copom.

De qualquer forma, como o IBGE divulgou a taxa de inflação na sexta-feira, o BC teve tempo hábil, ainda cumprindo a regra do período de silêncio, de ir a público no mesmo dia ou no início desta semana para tranquilizar ou direcionar os agentes. Optou por não fazê-lo. "É claro que este Copom está contaminado. Houve ruído, não há dúvidas. Não sabemos se foi um ruído que ocorreria de qualquer forma, ou se foi fruto de uma desatenção do BC", avaliou. "E não é um mercado assim que o BC desejaria. Pelo menos, não deveria ser", complementou um dos ex-integrantes do colegiado.

O IPCA-15, de 0,72%, ficou acima da mediana das estimativas coletadas na pesquisa do Projeções Broadcast, de 0,65%, e mais perto do teto de 0,78%. Trouxe ainda leitura negativa dos preços de abertura, com alta generalizada, à exceção de administrados. Em especial, foi destaque a piora em preços de serviços e serviços subjacentes, sobre os quais o Banco Central tem feito alertas. Em 12 meses até junho, segundo a Greenbay Investimentos, a inflação dos serviços subjacentes saltou para 4,27%, de 3,63% até maio.

No comunicado de junho, o Copom havia sinalizado para um novo ajuste da Selic em 0,75 ponto porcentual em agosto, mas alertado sobre o fato de "as diversas medidas de inflação subjacente" já estarem acima da meta e da necessidade de acompanhar o comportamento dos preços de serviços "conforme os efeitos da vacinação sobre a economia se tornam mais significativos". Além disso, avisou que "uma deterioração das expectativas de inflação para o horizonte relevante", ou seja, 2022, "pode exigir uma redução mais tempestiva dos estímulos monetários". No último Boletim Focus, a mediana de IPCA para o ano que vem voltou a subir, de 3,75% para 3,80%, após três semanas mostrando estabilidade ou até leve queda.

Pistas

Quem esteve com os diretores depois destes eventos pôde ter a oportunidade de tratar destes temas. A agenda dos diretores e do presidente é publicada todos os dias no site do Banco Central neste endereço (https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/agendaautoridades). "Algum diretor pode ter passado alguma pista? Pode. Intencionalmente ou de forma não intencional, nunca saberemos. Pode também ter havido interpretação errada dos traders. É bem possível também, mas quem é que dará garantias? Na dúvida, todos correm para a mesma direção, imaginando que têm menos informação do que seu concorrente", comentou um ex-membro do Copom.

Fato é que desde segunda-feira, a curva de juros sofreu forte reprecificação, com as taxas curtas e intermediárias dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) renovando as máximas do ano. As expectativas de aceleração no ritmo de aperto da Selic dispararam, formando-se não somente um consenso em torno da alta de 1 ponto para o próximo Copom, como voltaram a aparecer apostas minoritárias de elevação de 1,25 ponto. Do mesmo modo, os Departamentos Econômicos passaram a revisar para cima suas projeções para o Copom, com forte migração daqueles que ainda esperavam 0,75 ponto para a corrente que agora vê 1 ponto como mais provável.

O documento que determina as regras do período de silêncio é bem claro (https://www.bcb.gov.br/content/controleinflacao/Documents/silencio_do_copom/Pro-Memoria_1862016_BCB.pdf): representantes da cúpula do BC não são totalmente impedidos de falar sequer durante esses períodos que antecedem imediatamente a decisão de política monetária ou logo depois até a publicação da ata da reunião. Mas devem "evitar ao máximo" fazer discursos, conceder entrevistas a jornalistas ou manter encontros com pessoas interessadas no desfecho do encontro.

"O BC não infringiu qualquer regra, mas tem trabalhado muito no limite ao atender agentes do mercado nas vésperas do período de silêncio", comentou outro profissional do mercado que já participou das reuniões no oitavo andar do edifício-sede em Brasília. Ele até comentou que, o que já era um objetivo do mercado - procurar marcar encontros com membros do BC mais próximo do Copom -, agora pode se tornar uma corrida mais competitiva por uma vaga na agenda nessas datas. "Quem ganha com isso? Aqueles que conseguem pegar a informação mais fresca que será levada para o comitê. Os que têm agenda marcada justamente na segunda e terça-feiras (que antecedem o período de silêncio)", argumentou.

"Não dá para entender por que o BC segue fazendo isso", comenta um gestor, para quem "a única coisa que explica é que os diretores vão querer voltar para o setor privado na sequência de seus mandatos". O profissional lembra que a partir do fim deste ano começam a expirar os períodos de alguns dos atuais diretores, que podem ou não ser renovados.

Procurado, o BC não quis fazer comentários.

Contato: celia.froufe@estadao.com e denise.abarca@estadao.com
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