Economia & Mercados
10/06/2022 17:57

Especial: corrida por segurança energética amplia disparidades globais na transição verde


Por Ilana Cardial

São Paulo, 10/06/2022 - A guerra na Ucrânia reforçou o debate sobre segurança energética e a necessidade da transição verde. Em mais de 100 dias de conflito, União Europeia (UE), Reino Unido e Estados Unidos impuseram embargos ao petróleo russo, enquanto Moscou cortou seu fornecimento de gás a outros países europeus. Analistas afirmam que a corrida para diversificar a matriz energética irá ampliar as disparidades no ritmo da transição para energia limpa e custos de combustíveis ao redor do mundo.

Com o plano REPowerEU e o objetivo de ter 45% de energia por fontes sustentáveis até 2030, a Europa irá funcionar como um laboratório do que é possível fazer quando se tem condições econômicas, políticas e energéticas para uma transformação mais rápida, diz o diretor para Energia e Clima no Eurasia Group, Raad Alkadiri. "Ao mesmo tempo, isso terá custos em outros lugares. Em parte, porque dado seu desejo de se dissociar da Rússia, a Europa está basicamente reduzindo a quantidade de gás disponível no mercado, [...] o que deve refletir nos preços nos EUA e na Ásia".

Por um lado, ao funcionar como "laboratório do possível", a Europa deve provocar um ganho generalizado com desenvolvimento de tecnologias e investimento em fontes renováveis, com outros países sendo beneficiados enquanto caminham na transição. "Mas ao mesmo tempo, o que esse processo faz é exacerbar as diferenças, ampliá-las em termos de disparidade no ritmo de transição energética", afirma Alkadiri. "À medida que o mundo se move, você já tinha velocidades distintas nas quais a transição se dá".

Impacto nas ações

Entre investidores, também parece haver uma expectativa de que o trajeto para a economia de baixo carbono se dê em velocidades diferentes mesmo na linha de frente do combate à crise climática, mostra pesquisa do Swiss Finance Institute. O instituto analisou o comportamento de ações de empresas nos dois lados do Atlântico, do fim de janeiro a abril. Enquanto nos EUA papéis de companhias expostas a riscos regulatórios e/ou geopolíticos relacionados à transição energética tiveram desempenho melhor, na Europa aconteceu o contrário: as empresas mais preparadas para aproveitar as oportunidades geradas pela economia de baixo carbono registraram melhores resultados.

Ou seja, os participantes do mercado anteciparam que a guerra irá desacelerar a transição verde americana, mas não a europeia, conclui a pesquisa. Em um cenário no qual o governo americano liberou reservas estratégicas de petróleo e a União Europeia intensificou suas metas sustentáveis, os autores avaliam que a reação do mercado "parece consistente" com as diferentes posições políticas.

Momentum para a transição

Antes mesmo da crise energética atingir o atual nível, a UE já tinha uma política climática ambiciosa para reduzir o papel dos combustíveis fósseis e acelerar a descarbonização do bloco, afirma Alkadiri. "O que a guerra faz é reforçar o valor político e de segurança energética do programa Fit for 55 e suas ambições para que a Europa as priorize ainda mais", diz.

O diretor observa que há quatro fatores cruciais que apoiam a aceleração do uso de energia renovável: intenção política, imperativo de segurança energética, setores público e privado dispostos a investir dinheiro e, "talvez o mais crucial", apoio popular. "Esses fatos não durarão para sempre, mas neste momento criam uma oportunidade para que governos introduzam políticas ambiciosas e tentem criar impulso por trás de políticas de transição energética que poderiam ter sido mais difíceis antes da guerra."

Do curto ao longo prazo

A pergunta fundamental é qual a relação entre o que acontece agora e o futuro, diz Alkadiri. Enquanto é necessário garantir energia já para o próximo inverno, que ocorre no fim do ano no Hemisfério Norte, os níveis de carbono continuam a subir. Se nada for feito quanto ao clima, "a escala dos problemas será maior e você terá menos tempo para lidar com eles", diz o diretor, que pondera que medidas mais extremas podem ser adotadas daqui a algumas décadas para atender às metas climáticas.

Ao mesmo tempo, é preciso olhar para a economia e os mercados, durante o processo de alto investimento na transição energética. Mesmo com as consequências preocupantes da crise climática no mais longo prazo, a Rystad Energy considera que sua natureza de "baixa frequência" lhe garante uma sensação de menor imediatismo. Em paralelo, cidadãos acompanham diariamente o aumento nos preços de combustíveis e seu impacto no poder de compra. Sobrepostas pela crise de"alta frequência" no setor de energia e durante a retomada econômica pós-pico da covid-19, as políticas para o clima devem ficar em segundo plano nas prioridades e agendas de seus formuladorees, diz a consuloria. Com a previsão de que a invasão russa deve provocar uma terceira crise do petróleo, com reflexo ainda maior nos mercados de gás natural, a Rystad Energy defende que uma transição mais rápida para as energias renováveis se torna necessária para minimizar a insegurança energética, ao menos em alguns países.

Contato: ilana.cardial@estadao.com
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