Economia & Mercados
22/11/2022 09:18

Alta de gasto com PEC da Transição pode levar a aumento de até 12pp da dívida bruta até 2026


Por Cícero Cotrim e Thaís Barcellos

São Paulo e Brasília, 21/11/2022 - A expansão de despesas prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição tem o potencial de elevar a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em até R$ 50 bilhões em 12 meses, nas contas de especialistas ouvidos pelo Broadcast. Em um horizonte de quatro anos - até o fim do mandato do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2026 - o endividamento público pode crescer até 12 pontos porcentuais do Produto Interno Bruto (PIB), o suficiente para levar a DBGG a 89,15% do PIB, ante 77,15% sugeridos pela mediana do último relatório Focus para 2022.

Os cálculos consideram a deterioração dos ativos brasileiros observada desde o resultado das eleições, em 30 de outubro, e especialmente após o detalhamento da minuta do projeto na semana passada pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e pelo relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI). O texto estabelece um potencial para despesas extrateto de até R$ 198 bilhões no ano que vem, com a exclusão permanente do Auxílio Brasil da regra fiscal e uma autorização para que o governo use parte da arrecadação "excedente" para financiar investimentos, também fora do teto.

Considerando o estresse da curva de juros e do câmbio na quarta-feira (16) e as elasticidades da dívida bruta divulgadas pelo Banco Central no fim de outubro, o economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, calcula o potencial de um salto de R$ 50 bilhões no endividamento público nos próximos 12 meses. Se a taxa Selic se comportar como indicava a curva até o fim de 2023, já seriam R$ 47,5 bilhões a mais de dívida.

"Eu estou precificando o que está na curva, que indica alta no começo e depois precifica corte. Você pode questionar se faz sentido subir juro agora como a curva está precificando, mas ficaria pouco provável um corte", explica. Colocando na conta a desvalorização cambial, de 1,5% de 28 de outubro (sexta-feira pré-eleição) à última quarta (16), seriam mais R$ 6,75 bilhões. "Há ainda o efeito dos prazos mais longos da curva de juros, de redução do PIB, e também o impacto do câmbio na inflação."

Kawall avalia que o valor de despesas extra-teto que a PEC propõe, de quase R$ 200 bilhões, é um "waiver" muito maior do que o esperado para cumprir promessas emergenciais, como a manutenção do Auxílio Brasil e o adicional de R$ 150 por criança de até seis anos - gerando impacto grande na demanda. O economista, que já foi secretário do Tesouro Nacional, chama a postura de "negacionismo econômico", em paralelo ao negacionismo à ciência do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

"O que me parece é que o novo governo que maximizar o momento político pós-eleição para garantir um espaço fiscal grande que com a eleição do novo Congresso ele não deve ter. Mas, com isso, vai aniquilar o arcabouço fiscal no espaço de duas semanas, sem a equipe econômica escolhida, a equipe de transição ser ouvida e contra a opinião da maioria dos economistas", critica, lembrando que a discussão para o financiamento de programas como a Farmácia Popular poderia ser feita junto com a peça orçamentária.

O economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros, lembra que cerca de 45% da dívida pública é composta por títulos indexados à taxa Selic. Conforme o Banco Central, cada 1 ponto porcentual a mais de juros acarreta em um aumento de R$ 36,5 bilhões da dívida bruta, equivalente a 0,39 pontos porcentuais do PIB. "Se a gente for carregar esse passivo para a frente, dá para falar que a dívida sobe de 10 a 12 pontos do PIB em um horizonte de quatro a cinco anos", explica o especialista em contas públicas.

Barros alerta que o salto do endividamento poderia acarretar em um cenário de aversão a risco no País, que contribuiria para um aumento do dólar - com mais pressão na dívida pública - e uma queda da Bolsa. Além disso, o analista nota que a deterioração da curva de juros já observada sugere um risco de encurtamento do perfil da dívida brasileira, o que implicaria em um aumento do risco financeiro da rolagem da dívida pública.

"Para não sancionar o prêmio de risco gigantesco criado pela piora fiscal, o Tesouro vai usar o colchão de liquidez para ganhar tempo, mas, eventualmente, vai ter de ir a mercado e encurtar o perfil da dívida. Só que, quanto mais tempo ele encurta a dívida, mais vulnerável ele fica, porque qualquer choque da taxa Selic acaba te machucando muito mais", comenta o analista.

Na mesma linha, a economista sênior da Tendências e pesquisadora associada do Ibre/FGV Juliana Damasceno alerta que algumas medidas conjunturais que ajudaram a sustentar a redução da dívida pública, como as devoluções de passivos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao governo, não devem acontecer no próximo ano. Sem uma reserva de liquidez maior por parte do Tesouro, a tendência é de um aumento do custo da dívida, alerta.

"O problema é que, quanto mais o governo gasta, quanto mais desancora as expectativas, mais rígida terá de ser a regra fiscal para colocar a nossa trajetória de contas públicas na rota da solvência, e é difícil ver na orientação do PT, ou do próprio Lula, um compromisso com uma âncora fiscal rígida", diz a economista.

Contatos: cicero.cotrim@estadao.com e thais.barcellos@estadao.com
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